16 de fevereiro
Era difícil manter-me concentrada com Luke a duas mesas de distância de mim. O seu rosto estava virado para baixo, enquanto a sua mão dançava pela folha de uma forma lenta e suave. Mesmo do meu lugar, conseguia ver o simples desenho que se formava no papel e, percebendo que um rosto desconhecido aparecia ao longo da folha, indaguei para comigo no que estaria ele a pensar. Luke parecia tenso enquanto desenhava, com o seu maxilar contraído e a postura rígida que o tornava ainda mais alto na cadeira. Por momentos lembrei-me da pesquisa que fizera e assustei-me com a possibilidade de alguém ter mesmo magoado Luke, tornando-o nesta pessoa incomum.
– Quero que façam os exercícios da página quarenta, sem falta para amanhã! – a voz austera do professor de português captou a minha atenção por um segundo e não tardei a virar a cabeça de novo para o quadro. Apontei o trabalho de casa e soltei um pequeno suspiro, farta de estar fechada naquela sala quente. – Também gostava que lessem a autobiografia do autor que estamos a estudar. É importante, para que compreendam melhor a sua história de vida e os motivos que o levaram a escrever as obras de que falaremos na próxima aula.
Voltei a prestar atenção à figura de Luke. Os seus olhos azuis continuavam focados no caderno quadriculado à sua frente, no entanto, a sua mão agora não movimentava a caneta preta que dava vida ao desenho. Ele parecia tão pensativo, tão ausente. Era raro ouvir a sua voz nas aulas e, apenas quando os professores lhe pediam alguma coisa, é que se dava conta da sua existência. Tinha pena que fosse assim, até porque Luke tem mais capacidades do que aparenta. E foi então que eu voltei a pensar no assunto que deu a volta à minha cabeça durante toda a manhã. Luke deixara um bilhete no meu cacifo, quando podia ter simplesmente falado comigo, cara a cara. Eu sabia que a sua fobia era algo que o impedia de se aproximar das pessoas, contudo, eu não pedia nada mais a não ser que ele me tivesse convidado para almoçar diretamente, como alguém normal. Depois lembrei-me do que Michael dissera acerca da questão da masculinidade e do quão difícil devia ser para o loiro falar com alguém, especialmente uma rapariga. Ainda assim, continuava a pensar nisto e a questionar o que havia de errado comigo. Se ele falasse comigo, eu não lhe iria fazer mal.
Fui apanhada de surpresa quando ouvi o toque de saída. Fechei os olhos por breves instantes, ouvindo apenas os ruídos das cadeiras a arrastar e as vozes dos meus colegas, eufóricos por abandonarem a sala de aula. Ouvi o som da minha respiração e aí percebi que me tinha desligado do resto do mundo, passando apenas a viver dentro da minha própria cabeça. Não tinha intenções de tentar apanhar Luke antes que ele desaparecesse da sala, até porque se ele não me enganara, iriamos almoçar daí a uns minutos, e, então, eu já poderia fazer-lhe todas as perguntas que teimavam em permanecer dentro da minha mente.
Levantei-me passados uns momentos, adotando a minha calma natural a arrumar as coisas que permaneciam em cima da secretária. Não me dei ao trabalho de retirar os meus óculos pretos da cara, até porque ainda teríamos mais uma aula depois do almoço. Portanto, depois de deixar toda a gente sair, incluindo Luke, abandonei aquela sala ampla, fechando a porta atrás de mim. O corredor não estava tão movimentado como habitualmente, até porque a esta hora toda a gente aproveita para sair da escola ou simplesmente almoçar na cantina, por isso pude vaguear livremente, sem ter de me espremer entre os corpos dos milhares de estudantes que aqui têm aulas ou receber encontrões. Aproveitei para deixar os meus livros dentro do cacifo, arrumando-os metodicamente nas prateleiras. Por fim, acelerei o passo até às portas de saída, levando com o sol no rosto.
Olhei à minha volta para me assegurar que Luke não ali estava e atravessei a estrada. Era estranho esperar por ele no passeio oposto, sendo que este se encontrava vazio e o outro se encontrava cheio de jovens, a fumar ou simplesmente à conversa uns com os outros. Por isso, ali estava eu, sozinha. Encostei-me às grades que me separavam do parque, aquele grande terreno arborizado que acompanhava o percurso até ao prédio de Luke, e retirei o telemóvel do meu bolso com o intuito de ver as horas. Passavam alguns minutos da hora de almoço e Luke ainda não tinha aparecido no meu campo de visão. Começava a ficar preocupada, no entanto, também tinha de ter em conta que não seria fácil arranjar lugares para caminhar sem a presença de muitas pessoas. Decidi então mandar-lhe uma mensagem a perguntar se demorava muito. Recebi a resposta depois de uns míseros segundos. Luke estava a caminho.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Naive ಌ l.h
FanfictionSophie considera-se capaz de ajudar um rapaz intocável, porém, ela é ingénua e sofrerá as consequências das suas escolhas. Copyright © 2015, All Rights Reserved // tulipxs (16/06/2015)