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 7 de junho          

            As cinco semanas que se seguiram foram as mais dolorosas de sempre. Luke não me falava desde o dia em que eu lhe confessara no jardim da casa de Aaron que existia um outro rapaz na minha vida, e Ashton também deixara de me abordar, apesar de continuar assiduamente a cruzar-se comigo e a forçar o nosso encontro à frente da paragem de autocarros. Nenhum de nós voltou a trocar uma palavra que fosse e limitávamo-nos a seguir as nossas vidas da forma mais simples possível, na calma da angústia e na quietude da solidão. Eu sentia-me horrível por saber que a culpada era eu, e nem mesmo os abraços reconfortantes de Michael e as suas palavras carinhosas de incentivo me ajudavam a esquecer todos os meses inóspitos passados a encobrir sentimentos confusos por dois rapazes diferentes. Depois daquela tarde fatal, eu soube que nada voltaria a ser o mesmo, pois tanto Ashton como Luke, os dois grandes pilares da minha vida, acabaram magoados pelo meu egoísmo. Ashton, no entanto, era o que mais me intrigava. O rapaz nunca ouviu da minha boca a tal explicação que exigira há semanas atrás, mas de alguma forma, ele veio a descobrir toda a história por detrás do meu retardamento. Ele sabia de Luke e do quanto nos tínhamos aproximado nos últimos tempos, e sabia também que eu lhe tinha contado tudo acerca de nós, mesmo sem ter estado presente em qualquer um destes eventos. Lillian garantira-me que não tinha sido ela, e quando questionei Michael, o mesmo ouvi da sua boca. Não conseguia imaginar como era então possível Ashton ter acesso a esta informação, mas esperava que ele não estivesse a manipular alguém próximo de mim. Isso deixar-me-ia preocupada, sobretudo por nunca me ter apercebido de nada.

            Embora eu quisesse resolver as coisas, por mais que tentasse, nunca conseguia chegar a um consenso. Não conseguia escolher entre Ashton e Luke, ou seja, não conseguia decidir a qual dos rapazes pedir desculpa e perdão. Pedir-lhes aos dois seria cair de novo na mesma armadilha e cometer o mesmo erro, pois voltaria a dar falsas esperanças aos dois, e a criar um ciclo vicioso irreversível. Com o avançar do tempo decidi não avançar com uma escolha e tentei ao máximo não pensar no assunto, de forma a apagá-los da minha vida e a recomeçar do zero. A verdade é que a minha missão com Luke estava cumprida, ou quase. Desde o início que o meu grande objetivo foi ajudá-lo a superar a fobia que o consumia e a libertar-se, e apesar de tudo ter dado para o torto, ele conseguiu achar uma forma de contornar os seus medos. Mesmo sem me ter a seu lado, eu soube que ele cumpriu aquilo que me disse antes de descobrir todos os podres encobertos por mim; ele começou realmente a fazer terapia intensiva e a tomar comprimidos que o ajudaram a controlar as emoções negativas que o impediam de ter contacto com outras pessoas. Michael, apesar de contrariado, contava-me todos estes progressos, deixando o meu coração descansado e com a esperança de ver o loiro livrar-se de todas as suas inseguranças. E a verdade era que, sempre que eu o via, já não observava o rapaz assustado com quem falara há muitos meses atrás, mas sim um homem confiante e seguro de si próprio. Ele ainda não conseguia aproximar-se de livre vontade das pessoas que o rodeavam, mas via-se o quanto ele melhorou. Ainda andava sozinho, sem amigos, mas as pessoas já não o rotulavam de estranho ou deficiente, e só isso compensava todo o sofrimento a que estivemos expostos recentemente.

            Sentia-me muito melhor de há uns dias para cá. Comecei a habituar-me à sensação de não ter Luke sempre disponível para mim e Ashton sempre atrás da minha atenção, e isso foi quase como um regressar à minha antiga vida. A minha antiga vida solitária e simples, sem grandes emoções à mistura, apenas as suficientes para não me deixar ir abaixo. Voltei a adormecer todas as noites com a cabeça desprovida de sonhos protagonizados por um loiro de olhos azuis e voltei a sorrir como fazia antes, tentando ao máximo erguer-me da tristeza inabalável que durante tanto tempo me sobrevoou como uma nuvem negra de chuva. Eu não tinha deixado de amar Luke, de todo, apenas me foquei no meu próprio bem-estar e tentei pensar na parte positiva e nos prós que tudo isto acarretou. Nada acontece por acaso e o propósito de tudo isto foi dar a oportunidade a todos nós de olharmos para o interior do nosso ser e livrarmo-nos dos demónios que nos consumiam. Luke foi a afefobia, Ashton a morte do seu melhor amigo e o receio do supérfluo, e eu fui eu mesma. Agora, sentada no chão frio da casa do meu melhor amigo, com Lucas bem preso nos meus braços, parecia tudo mais simples e claro, e eu não tive dúvidas do quanto eu precisava deste ar fresco emocional.

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