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     24 de fevereiro

               O céu estava cinzento e eu quase podia apostar que iria chover. As árvores balançavam ao ritmo do vento e a paisagem não podia estar mais de acordo com o meu humor. Sentia-me sonolenta, sem vontade de estar ali, naquela sala de aula. O professor falava mas eu não conseguia ouvir uma única palavra sua, mantendo-me somente concentrada nas janelas situadas do meu lado esquerdo, onde uma vista privilegiada para o parque me relembrava o rapaz de olhos azuis. A verdade é que, desde que Michael me levara a casa, no dia anterior, eu ainda não tinha conseguido parar de pensar na minha pequena conversa com Luke. A forma como reagi, a maneira como amplifiquei as minhas emoções, ao ponto de acabar num corredor a chorar, foi desnecessária. Agora que fazia um balanço do que tinha acontecido sentia-me ridícula, envergonhada e, sobretudo, arrependida. Luke não tinha culpa de nada e, provavelmente, eu também não. Fui apenas conduzida pelo cansaço que me tem assombrado nestes dias. No entanto, as palavras que Michael proferira na tentativa de me consolar, não paravam de se repetir na minha mente, como um disco riscado. Eu não podia ajudar toda a gente.

               – Sophie. – virei o rosto assim que ouvi o meu nome e, com um semblante assustado, encarei o professor. – Quero que venha resolver o exercício ao quadro.

               Atrapalhada com a decisão do homem, folheei o meu caderno de quadrículas e tentei situar-me no exercício onde nos encontrávamos. Mordisquei o lábio e respirei fundo, sentindo as minhas bochechas aquecerem devido aos olhares que me lançavam.

               – Página sessenta e seis, menina Harrison. – o professor troçou. Com as pernas bambas, arrastei a cadeira para trás e levantei-me, trazendo nos braços o livro de matemática. Quando passei pela mesa de Luke, ele lançou-me um sorriso.

               – Ah... este? – apontei para o problema e o homem de olhos negros anuiu com um sorriso gozão, como se lhe desse prazer ver-me atrapalhada. Li o exercício para mim e voltei a respirar fundo, lembrando-me imediatamente das coisas que Luke me ensinara nas explicações. Peguei no giz e, com a mão trémula, tracei um número irregular.

               – Vá lá, não temos o dia todo.

               Lancei um olhar de esguelha ao professor e engoli em seco, continuando a solucionar o problema que tinha à minha frente. Fiz uma conta de subtrair mental e, recorrendo à ajuda dos dedos, contei em voz baixa o valor que precisava de dividir. Quando escrevi a resposta final no quadro, virei-me para o homem e esperei que ele examinasse a minha prestação. Ele estreitou as sobrancelhas, movimentando os lábios à medida que lia os números. Aproveitei para olhar em frente, vendo Luke com um sorriso nos lábios.

               – Hmm. – ouvi o professor murmurar. Luke elevou o polegar, mostrando-me um sinal positivo. Sorri inconscientemente, baixando o rosto após reparar nos olhares curiosos que os nossos colegas nos lançavam. – Impressionantemente, está certo. – o homem afirmou, com um ar surpreso. – Apesar de ter trocado os sinais, a resposta está certa. Vejo que anda a estudar. – mostrei um pequeno sorriso, balançando o livro nas minhas mãos. – Mas aconselho-a a prestar mais atenção às aulas. Essa distração não a ajuda em nada.

               – Peço desculpa. – murmurei, envergonhada.

               – Pode sentar-se. – o homem ordenou, mais descontraído. Fiz o que ele dissera e voltei a passar por entre as mesas, recebendo de novo um olhar caloroso do loiro de olhos azuis, que sussurrou um "Bom trabalho" enquanto eu passava por ele. Quando me sentei, o toque de saída ecoou por todo o edifício.

               Comecei a arrumar as minhas coisas, sentindo os passos apressados dos jovens que abandonavam as salas de aulas em busca da liberdade. Os barulhos de fundo começaram a ser mais altos e a confusão instalou-se naquela divisão enquanto todos tentavam alcançar a porta. Como habitual, arrumei tudo em silêncio e com calma, não tendo pressa em sair. Quando a sala ficou parcialmente vazia, Luke chegou até mim, já com a mochila nos ombros. Ele sorriu.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora