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0.27

           19 de março

            A semana dos testes aproximava-se a passos largos e todas as minhas atenções encontravam-se agora viradas para esse importante marco do nosso percurso escolar. Teria de começar a rever todas as matérias até então lecionadas e teria de me afincar nos estudos, se tencionava subir a média das minhas notas para ganhar uma bolsa de estudo que me permitisse a entrada numa boa Universidade. Começava já a notar-se no rosto dos alunos o cansaço e a dedicação, tanto pelas horas de trabalho a mais que alguns tentavam manter, como pela procura na resolução das suas dúvidas. Eu não era exceção, claro.

            – Alguém tem dúvidas? – o professor questionou, apagando os exercícios do quadro. Mordi a tampa da minha caneta e olhei em volta, redescobrindo todos os cantos daquela sala de aula preenchida de alunos concentrados. Na rua as nuvens cobriam o céu e podia avistar-se nos vidros das janelas os chuviscos que elas libertavam; o tempo começava a ficar cada vez mais frio e eu tinha de me encolher dentro do casaco de lã que envergava, tentando não congelar no meio daquela aula de revisões.

            – Luke. – ouvi o seu nome e rodei imediatamente a cabeça na direção da carteira do rapaz, que tinha o seu braço no ar. O professor fez um breve gesto na sua direção, enquanto se sentava. – Diga.

            Luke e eu ainda não tínhamos tido oportunidade para conversar, o que me estava a deixar ansiosa. Queria perguntar-lhe o motivo para ter faltado às aulas do dia anterior e, principalmente, o porquê de não me ter avisado. Ele sabia que eu ficava preocupada sempre que isto acontecia e era impossível controlar os pensamentos obscuros que apareciam na minha mente. No entanto, o rapaz não parecia estar mal, somente um pouco cansado. A sua pele pálida contrastava com as grandes olheiras abaixo dos seus olhos cristalinos, e o seu cabelo encontrava-se desalinhado, como se ele não tivesse tido tempo de o pentear antes de sair de casa.

            – Eu não entendi aquilo que o professor explicou. – ele afirmou, tímido como sempre. Era muito raro ouvirmos a sua voz durante as aulas, especialmente para fazer uma intervenção ou colocar uma dúvida. Normalmente, só os professores tentavam comunicar com ele, e às vezes só o faziam fora das aulas. – Como é que existe ligação entre as duas palavras?

            E então o homem de cabelo grisalho voltou a repetir tudo o que havia dito até então, tentando elucidar a mente do jovem rapaz que o abordava. Os meus olhos nunca se desviaram do rosto de Luke, enquanto ele ouvia atentamente a explicação que lhe estava a ser fornecida. Achava piada à forma como o seu nariz parecia tão arrebitado e pequenino, visto de longe, e sempre que ele retorcia os lábios, covinhas apareciam nas suas bochechas. A sua barba encontrava-se maior do que nos outros dias e isso dava-lhe um ar mais maduro, elevando a sua beleza a um outro patamar.

            – Deixe-me dar-lhe uns exercícios. – o homem pegou numa folha e apontou algumas anotações nela. Depois de fechar a sua caneta, levantou-se e caminhou até Luke, pousando o papel à sua frente. – Amanhã traga-os e corrigimo-los.

            – Ok. Obrigado. – Luke assentiu, guardando a folha dentro do seu caderno preto. Ele arrumou os materiais de escrita dentro do seu estojo cinzento e recostou-se na cadeira, como se pudesse adivinhar que nesse preciso instante a campainha de saída fosse tocar.

            – Façam os exercícios e não se esqueçam de rever os conteúdos! – o professor avisou, gritando para que os alunos apressados ainda fossem a tempo de o ouvir. – Até manhã!

            Comecei por juntar os meus livros num monte e, depois, arrumar o meu estojo dentro da mala. Enrolei o cachecol à volta do meu pescoço esguio e levantei-me, sabendo que hoje teria a companhia de Luke para abandonar a sala. Ele permaneceu sentado durante alguns segundos, levantando-se depois para colocar a mochila ao ombro. Ele virou-se na minha direção e sorriu, parecendo animado com a minha presença ali.