7 de maio
Já não sabia o que fazer. Luke não me dirigia a palavra, por mais que eu tentasse, e eu tinha esta angústia que me impingia a falar-lhe e relatar-lhe todos os pormenores da história insólita que ele tão bruscamente conhecera naquela tarde. Não tencionava magoá-lo mais, apenas dizer-lhe que nada do que se passou entre mim e Ashton teve qualquer significado, pois esse já estava destinado aos serões passados na companhia de Luke, e bastava isso para atenuar a tristeza dentro de mim. Às vezes, durante as aulas, via-o virado na minha direção, lançando-me olhares furiosos de tristeza e mágoa, que me enchiam os olhos de lágrimas e me causavam fortes dores no peito. Também coloquei alguns bilhetinhos no seu cacifo, na vã esperança de receber uma resposta, o que nunca chegou a acontecer. Passámos de amigos próximos a completos estranhos, e apesar de eu saber que mais cedo ou mais tarde algo acabaria por estragar a relação que tanto tempo demorámos a construir, não aceitava a ideia de o ver tão próximo, mas ao mesmo tempo, tão longe de mim. Não me parecia correto que assim fosse, pois no fundo eu sabia que, tanto para mim, tanto para ele, ambos suportávamos o grande peso da vida, e ajudávamo-nos mutuamente, como boias salva-vidas. Não podíamos agora simplesmente esquecer o que nos manteve ligados por tantos meses, e deitar a perder a harmonia desenvolvida em torno dos nossos problemas, que tanto tempo demorámos a ultrapassar. Agora esta relação era como uma ferida aberta. Uma ferida infetada por um vírus chamado Ashton e sem remédio eficaz. Ambos tínhamos medo de colocar um penso sobre a ferida, pois no fim, quando já estivéssemos bem, a dor seria maior ao arrancá-lo da pele. A pele descarnaria, a dor prolongar-se-ia, e ambos sofreríamos.
– Como é que estás?
Assustei-me quando um braço robusto pousou sobre os meus ombros e um corpo perfumado se encostou ao meu. Não estava ali mais ninguém para além de mim e a rua deserta acalmava-me de certa forma, apesar de já ter começado a escurecer. Felizmente não chovia, como já era tão comum nesta altura do ano, e a única brisa existente levantava apenas os meus cabelos, previamente presos com dois ganchos. Ergui o rosto lentamente, com medo de encarar a figura masculina agora colada a mim, e engoli em seco ao reconhecer as únicas tatuagens nos seus pulsos, cujo significado eu supunha ter alguma ligação com a história da sua mudança.
– Ashton? – o nome fugiu dos meus lábios. Não ouvira o barulho ensurdecedor do seu carro nem o som dos seus passos pesados, por isso era estranho tê-lo agora ali, tão próximo e real. Quando o encarei vi um sorriso desenhar-se-lhe nos lábios pálidos, que contrastavam com a pele morena e áspera do resto do seu corpo, tão familiarmente coberto de roupas escuras. – O que é que estás aqui a fazer?
– Vim dar uma volta. – ele respondeu, sorridente. Parecia querer mostrar que estava bem-disposto e sem qualquer evidência da arrogância com que me tratara ultimamente, o que era estranho, pois da última vez que falámos, eu fiquei com a impressão de que ele nunca mais me queria ver à frente. Ficava confusa a cada palavra que ele me dizia ou a cada sorriso que me mostrava, mas percebi que com ele já era algo normal, algo a que eu devia habituar-me.
– Vieste dar uma volta para o meu jardim? – arqueei a sobrancelha.
– Pronto. Culpado. – Ashton levantou ambas as mãos, rendendo-se. Depois, em vez de me voltar a acolher no seu peito, pousou-as em cima do colo e brincou com os dedos compridos, como se estivesse nervoso ou não soubesse o que mais fazer. Ele sorriu. – Eu fui despejar o lixo e vi-te aqui sentada. O portão estava aberto.
– E entraste assim sem mais nem menos? – insisti, um pouco irritada. Não estava com disposição para conversas, muito menos discussões, e eu quase conseguia prever o que se seguiria a este improviso de acasos. Ashton iria voltar a insistir por uma explicação, eu voltaria a dizer-lhe que não o queria por perto, ele explodiria e eu acabaria de novo sozinha, a chorar.
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Naive ಌ l.h
FanfictionSophie considera-se capaz de ajudar um rapaz intocável, porém, ela é ingénua e sofrerá as consequências das suas escolhas. Copyright © 2015, All Rights Reserved // tulipxs (16/06/2015)