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      5 de maio

            Respirei fundo e semicerrei os olhos ao deparar-me com a figura intimidante de Michael parada à minha frente. O seu cabelo desgrenhado combinava com os vincos na sua roupa, e apesar das olheiras e da vermelhidão nos seus olhos, ele parecia desperto e energético, batendo freneticamente com o pé no chão. Ele não sorriu quando me viu, apenas esperou que eu o alcançasse, e quando fiz, ouvi-o suspirar, como se a minha presença fosse um inconveniente. Pela primeira vez, sentia-me como uma estranha junto do meu melhor amigo.

            – Eu peço desculpa por ontem. – balbuciei, de rosto baixo e mãos irrequietas. Não queria voltar a chorar, sobretudo agora que o meu sistema nervoso estava tão frágil. A conversa com Ashton não me saía da cabeça e, cada vez mais, eu tinha a certeza que tinha de acabar com este sofrimento e voltar a entrar nos eixos.

            – Foste muito inconsciente, sabes isso, certo? – ele interrogou, com a voz grave e zangada. – Eu não estou zangado contigo, mas tu estás a entrar por caminhos perigosos e a tornar-te numa pessoa ridícula.

            – Não sejas mau... – implorei, num murmúrio. Custava-me muito ouvir aquelas coisas, apesar de, talvez, serem as mais verdadeiras. – Eu sei que exagerei, mas eu fiquei mesmo preocupada. O Luke foi parar ao hospital por minha causa e eu...

            – Eu sei. – Michael foi rápido a dizer, aproximando-se para me abraçar. – Tu tens de repensar as tuas atitudes. Tens de largar estas confusões todas e focar-te no que é realmente importante. Eu não estou a dizer para desistires de nada, mas por favor, tenta não cometer mais erros. Tenta não magoar mais ninguém. E promete-me uma coisa... fala com o Luke.

            – Falar com o Luke? – repeti, olhando-o nos olhos. – Contar-lhe?

            – Sim, Sophie. Contar-lhe. – o rapaz anuiu, balançando a sua cabeça dolentemente. Os seus lábios não passavam de uma linha reta e não havia qualquer sinal de emoção no seu rosto pálido, apenas a apatia e a severidade com que me tratava ultimamente. Eu sabia que ele só queria o melhor para mim, mas fazer o que ele me pedia traria consequências, e eu não tinha a certeza do que implicariam. – Está na altura de o fazeres.

            – Eu tenho medo. – choraminguei, sentindo logo os olhos encherem-se de lágrimas. A minha voz foi ficando cada vez mais sumida, enquanto Michael me abraçava com força naquele corredor cheio de jovens barulhentos. Mal notávamos a sua presença, mas obviamente me sentia sufocada por tanto movimento. – Eu tenho medo da reação dele. O meu objetivo sempre foi ajudá-lo, mas estou a fazer exatamente o contrário... Michael, eu sei que não me devia ter aproximado do Ashton, mas eu não tive culpa... eu não tive culpa. As coisas aconteceram no pior momento. Foi tudo tão repentino. Passaram tantos meses e aqui estamos nós. – funguei, tentando não me engasgar nas minhas próprias palavras. Aquilo doía, mas eu precisava de desabafar. – E eu adoro o Luke. Eu adoro-o. E eu sei que ele melhorou muito desde que me aproximei dele. Ele melhorou e... eu agora vou destruir isso. Eu dei-lhe o poder e agora vou retirar-lho. Eu não sou capaz de fazer isto.

            – Sophie. Calma. Olha para mim. – as mãos de Michael agarraram-me nos ombros, e, numa questão de segundos, já ele me estava a afastar para fitar os meus olhos azuis chorosos. A sua expressão era dura e antes de começar a falar, suspirou, como se não encontrasse as palavras certas. – Sophie, estás outra vez a exagerar. Vá lá, respira fundo. Tu não podes pensar assim... Uh... Vá. – tentou acalmar-me, acabando por sorrir quando limpei as lágrimas. – Tu não queres enganar o Luke, pois não? Então não podes prolongar esta mentira. Não podes estar com ele e fingir que não beijaste outro rapaz.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora