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19 de fevereiro

               Passados dois dias desde as explicações em casa de Luke, aquele sentimento de culpa que eu vivenciei da primeira vez que eu e o rapaz de cabelo loiro conversámos, voltou a aparecer. Sentia-me assim por, talvez, estar a obrigá-lo a sair da sua zona de conforto. Além das explicações, dos bilhetes trocados e dos almoços, Luke continuava a ser um rapaz tímido, com medo de ser tocado e com um grande coração partido. Apesar de não falarmos há dois dias, eu só queria estar com ele e conhecê-lo, no entanto, Luke escondia-se de tudo e de todos, permanecendo na sua concha.

               As explicações de matemática correram bem, apesar de ter passado a maior parte do tempo distraída com a novidade de estar sentada em casa de Luke, um rapaz que eu nunca pensei poder aproximar-se de mim. Porém, ele ajudara-me com alguns exercícios que até então eu considerava quebra-cabeças e agiu como se fosse um professor a sério. Mantivemos sempre a distância entre nós, ficando eu sentada numa ponta da mesa da cozinha e Luke na outra, a inclinar-se para poder ver aquilo que eu escrevinhava no meu caderno de quadrículas. Estava contente com o resultado, apesar de ser a primeira vez.

               – Estás bem? – Lillian tocou-me no ombro, mostrando-me uma careta. Olhei-a de sobrolho franzido, confusa com a sua questão inesperada.

               – Sim. – afirmei, clareando a garganta. Abanei a cabeça e apertei os meus livros contra o peito, continuando a caminhar pelo corredor sobrelotado. – Porque é que perguntas?

               – Não sei, tu pareces tão ausente. – a rapariga declarou. – Estavas a pensar no Luke?

               – Não. – fui rápida a responder, incomodada com o facto de ultimamente todos à minha volta terem esta obsessão pelo loiro. Era como se não quisessem acreditar que agora nós éramos amigos e quisessem inventar sentimentos que na verdade eu não sentia. – Porque é que eu deveria estar a pensar no Luke?

               – Porque não sabes mentir. – Lillian riu-se, puxando a porta. Saímos do liceu e caminhámos na direção do gradeamento onde habitualmente ficamos a conversar. – Não tens de ter vergonha. O Luke é um rapaz aceitável.

               Olhei para ela com uma expressão vaga, enquanto pensava no significado da palavra aceitável. Porque é que esse parece ser um adjetivo com tão pouco valor? É isso que Luke é, aos olhos das outras pessoas? Aceitável? Não seria mais conveniente dizer que ele é satisfatório? Pelo menos seria mais honesto. Contudo, ninguém conhece o rapaz. Como é que podem insinuar que ele é aceitável?

               – Desculpa, eu preciso de ir apanhar o autocarro. – exalei profundamente e acelerei o passo até à paragem, sentando-me no banco de madeira. O rapaz que lá se encontrava olhou para mim de lado e vi-o arquear a sobrancelha, como se o meu aspeto incrédulo fosse motivo de preocupação. Ou até riso, não sei.

               – Sophie? – a rapariga de cabelos negros apareceu novamente ao pé de mim, parecendo arrependida. Ela sentou-se entre mim e o rapaz, inclinando a cabeça na minha direção. – Desculpa, eu não pensei no que disse. Não imaginei que reagisses assim.

               – Que interessa isso? – soltei um riso sarcástico. – É o que toda a gente pensa. Tu não és a única, Li.

               – Desculpa à mesma. – ela pousou uma mão no meu ombro, tentando reconfortar-me. Era inútil, eu continuaria a pensar nisto durante muito tempo. Aceitável...

               – Tudo bem. – suspirei. – Tu não tens culpa.

               – Eu sei que te importas com ele. – a rapariga proferiu, lentamente. – Só que... é difícil dizer coisas agradáveis sobre uma pessoa quando não sabemos praticamente nada sobre ela.

               E, mais uma vez, a rapariga de olhos castanhos estava certa. Ninguém conhece Luke. Provavelmente, nem eu o conheço. E é isso que mais me irrita nele. Irrita-me o facto de ele saber que ao refugiar-se ninguém vai saber como é o seu verdadeiro eu e o que sente realmente. Ele permite que os boatos sejam alimentados, ele permite que o rebaixem. Porquê? Porque, apesar de não pode defender-se, é cobarde. Por muito que queira ignorar este lado de Luke, sei que ele existe. Contudo, enquanto o rapaz não mudar a sua atitude perante as adversidades, ninguém o conseguirá defender. Nem mesmo eu.

              – Não fiques assim, Sophie. – a namorada do meu melhor amigo afagou as minhas costas, forçando um sorriso. – Por favor.

               Abanei a cabeça, como se tentasse afastar todas estas emoções, e soltei um suspiro. Esta história estava a afetar-me mais do que o pretendido. A ideia era ajudar Luke, não era levar tudo tão a sério. No entanto, eu sempre fui de fortes emoções e não consigo evitar envolver-me demasiado. É como se um íman me atraísse até ao perigo. Posso até acabar magoada, porém, sou incapaz de abandonar alguém, por muito exasperante que seja lidar com toda a bagagem que essa pessoa trás na sua vida.

               – Desculpa. – baixei o rosto, sentindo-me ridícula por ter agido tão impulsivamente. – Exagerei.

               – Eu entendo.

               – Acho que estou cansada. O dia foi longo e eu preciso de descansar. – respirei fundo, olhando em frente. Um carro vermelho estava estacionado no passeio à nossa frente, e um rapaz de cabelo ondulado encontrava-se encostado ao capô, a olhar na nossa direção. Desviei o olhar, pousando-o em Lillian, que me sorria. – Não podemos ter sempre dias bons. – proferi, com outro suspiro.

               – Sim. – ela levantou-se. – Eu adorava poder-te fazer companhia mas tenho de ir.

               – Claro. Não faz mal.

               – Vemo-nos amanhã! – ela pegou na sua mala e atravessou a passadeira. Virou a cabeça para trás e sorriu-me, dirigindo-se até ao carro vermelho. Acenei-lhe com a cabeça e fiquei a observá-la, enquanto abraçava o rapaz que se encontrava junto do veículo. Nunca o tinha visto e estranhei o facto de eles parecerem tão próximos um do outro, como se conhecessem intimamente. O Michael com certeza não iria gostar de ver a sua namorada a abraçar outro rapaz, sobretudo aquele, que com a sua pele morena e os cabelos ondulados, arrancava suspiros às raparigas que por ali passavam.

               Assim que entraram dentro do carro, baixei o rosto e abri a minha mochila, começando por procurar os auscultadores que com certeza estariam emaranhados a um canto. Quando os encontrei, liguei-os ao meu telemóvel e escolhi, por entre as milhares de músicas que possuía, uma que fosse calma e me fizesse relaxar. No entanto, quando o motor feroz ressoou pela estrada, voltei a focar-me no veículo vermelho, que acelerou pela grande estrada, acabando por desaparecer da minha visão. Este levantou uma brisa fresca ao arrancar àquela velocidade, arrefecendo a minha face roborizada pela raiva e pela dor. Luke é aceitável aos olhos das outras pessoas, e cobarde, aos olhos da minha alma.


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Olá. Este capitulo deve estar pequenino e, provavelmente, muito desinteressante. Isto é o que eu chamo encher chouriços. Mas bem, como devem ter percebido (ou não) este capitulo já traz uma luzinha do futuro e é importante para o seguimento da história, apesar de não parecer.

Ah, e não sei se repararam mas a rapariga ali no gif é a minha querida Freya Mavor aka Sophie! Andei milénios à procura de uma atriz que se encaixasse na ideia que eu tinha da Sophie e a Freya é perfeita, no entanto vamos fingir que ela tem apenas 18 anos (e não 21). Btw, há aqui alguém fã de skins?

ella.


Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora