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    1 de maio      

            O seu cheiro era áspero e cativante, com uma mistura picante da nicotina misturada com a chuva quente de outono. Os seus cabelos selvagens faziam cócegas no meu pescoço descoberto, e as suas mãos, tão grandes e tão firmes, tocavam-me nas costelas com delicadeza, tendo o cuidado em acariciar essa área sensível do meu corpo dormente. Senti os seus lábios secos e carinhosos unirem-se à minha bochecha fria e estremeci com o excesso de contacto existente entre nós. Era reconfortante e quente, e eu não me podia sentir melhor, estando ali, nos seus braços.

            – Devias falar com ele. – murmurou quando nos afastámos. Ashton continuava de joelhos, encontrando-se portanto com o rosto à altura do meu, e os seus olhos verdes não podiam ser mais preocupados e sinceros. Ele sorriu quando percebeu a minha inquietude, e passou os seus dedos pelo meu cabelo loiro, desembaraçando-o. – Devias dizer-lhe como te sentes.

            – Tu achas que eu deva? – interroguei a medo, não acreditando na sua sugestão tão abrupta e intrigante. Ashton nem sequer conhecia Luke, então porquê incitar-me a falar com ele e a resolver as coisas?

            – Vê-se que não estás bem, e talvez se falares com ele consigas resolver o conflito que vai aí dentro. – apontou para o meu coração, sorrindo com doçura. Ashton começava a transformar-se no meu porto de abrigo, aquele que ajudava a tempestade dentro de mim a suavizar. – É difícil?

            – Acho que posso tentar. – encolhi os ombros, tentando apagar as lágrimas que se haviam espalhado pelas minhas bochechas. Ashton ajudou-me a fazê-lo, passando os seus polegares por debaixo dos meus olhos húmidos, acariciando-me a pele. – Só não sei o que hei de lhe dizer.

            – Tu queres... – Ashton parou a meio da frase, contendo-se. Os seus olhos desceram até ao soalho de madeira debaixo dos nossos pés e ele sorriu ligeiramente, parecendo pensativo e concentrado. Depois de alguns segundos, voltou a erguer a cabeça e olhou-me profundamente. – Tu queres que eu fale com ele?

            – Tu? – ergui as sobrancelhas, espantada com a sua ideia. – Tu nem o conheces, Ashton. Não, nem penses. Falar contigo só iria deixá-lo ainda mais assustado, e eu recuso-me a fazê-lo sofrer. Eu agradeço a tua preocupação, mas deixa este assunto comigo.

            – De certeza? – anuí, acariciando-lhe o ombro. – Ok. Eu só não te quero voltar a ver assim.

            – Não te preocupes. – tentei forçar um sorriso, ajudando-o a levantar-se. O moreno voltou a sentar-se na sua cadeira e soltou um suspiro, acabando perdido na janela ao seu lado. A chuva continuava a cair, deixando as ruas desertas e sombrias, no entanto, dentro daquele café, tudo parecia mais bonito e singelo. – Estás a pensar no quê? – interroguei, tentando focar-me noutras coisas. Ashton voltou a encarar-me, desta vez com uma expressão pesada.

            – Nada de especial. – respondeu, aclarando a garganta. – Estava só... – encolheu os ombros, brincando com as suas mãos expostas em cima da mesa. – A recordar algumas coisas.

            – Queres falar? – mordi o lábio, curiosa acerca do seu passado. Apesar de já termos tido a oportunidade de nos conhecermos, ainda desconhecia várias coisas acerca deste rapaz misterioso; a maior parte das coisas que Ashton me contara foram coisas muito banais e vagas, como a sua cor favorita, a história do pai o ter abandonado em pequeno, a sua comida predileta e até algumas das suas músicas e bandas favoritas. Também não tivera coragem suficiente para lhe fazer mais perguntas, não querendo intrometer-me demais na sua vida. Uma coisa que eu sempre preservei foi a minha vida e os meus assuntos pessoais, e como tal, não era meu hábito questionar tais assuntos a outrem. Se ele me quisesse contar de certeza que o faria, mas eu não iria forçar nada.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora