0.37

666 69 125
                                    

3 de maio

            O vento tocou-me na pele de forma violenta, e eu tive de me encolher sobre a escuridão de modo a proteger-me do frio. Já não chovia, porém mantinha o meu chapéu-de-chuva acolhido debaixo do meu braço, não fossem as gotas do céu voltarem a atacar. Seria normal ter medo da rua deserta e sombria onde me encontrava, mas ao invés achava-a muito acolhedora e pacífica, não fosse o vento que me inquietava. Os candeeiros forneciam a luz necessária para que não fosse tudo um borrão, e o parque há minha frente conferia-me uma paisagem relaxante, cujo bater das árvores criava uma melodia forte e ritmada. Só bastava que não estivesse tanto frio para aquela ser uma noite agradável.

            Enviara a Ashton uma mensagem de texto há cerca de cinco minutos, antes mesmo de abandonar a habitação de Luke. O loiro, que durante duas horas teve a paciência e a sabedoria de me ajudar com exercícios matemáticos, não voltara a referir as nossas últimas conversas acerca dos sentimentos ocultos que nutríamos um pelo outro, e nem mesmo eu revelei que lhe tocara enquanto dormia. Sabia que era uma questão de tempo até Ben lhe contar o que me vira fazer, mas eu começava a preparar-me para o enfrentar; se ele gostava assim tanto de mim como dizia gostar, então esse não devia ser o maior dos nossos problemas.

            Levantei a cabeça quando ouvi o ruído barulhento do carro de Ashton, que entretanto dera uma volta completa ao quarteirão, provavelmente à minha procura. Com um suspiro, caminhei alguns passos até à berma do passeio e esperei que ele finalmente me avistasse, o que acabou por acontecer passados uns segundos. Ele parou o carro à minha frente e vi-o sorrir através da penumbra, no entanto, fui rápida a inclinar-me sobre a porta para a abrir, e a entrar no interior quente do veículo vermelho.

            – Boa noite, bela jovem. – ele cumprimentou, demorando uns segundos a mirar-me com um ar prazeroso. Sentia as minhas bochechas arderem com o contacto visual, no entanto, sabia que devido à escuridão era improvável que ele visse o rubor da minha pele.

            – Olá, Ashton. – sorri com timidez, tentando arrumar o chapéu de chuva e a minha mala de forma estratégica junto aos meus pés.

            – Tudo bem? – ele inquiriu, puxando o cabelo para trás. Esperava que ele carregasse no acelerador e conduzisse, mas contudo ele parecia hipnotizado por mim, e não se moveu até que eu lhe respondesse.

            – Sim, e tu? – Ashton anuiu como resposta, sem parar de sorrir. – Bem, isto foi inesperado. Eu não esperava que ligasses e que me fosses levar a jantar...

            – Sou imprevisível. – mordeu o lábio, virando-se finalmente para o volante. Ele meteu as mudanças e carregou no pedal, acelerando pela estrada fora. – Como foram as explicações?

            – Foram normais... – encolhi os ombros, começando a sentir uma dor excruciante no peito. Eu sabia que havia uma coisa que ainda precisava de lhe dizer, de modo a não cometer erros e ilusões. A minha garganta começou a secar e as minhas mãos ficaram húmidas, no entanto recompus-me e tentei soar o mais normal possível. – Ashton?

            Ele virou momentaneamente a cabeça para me encarar, permanecendo afável e descontraído. Ele parecia realmente bem-disposto, e eu sabia que havia uma razão oculta para ele ter tido a ideia de me levar a jantar. Algo de bom teria acontecido, provavelmente.

            – Há uma coisa que tu não sabes. – proferi, respirando fundo de forma a acalmar os nervos. – E eu não te quero enganar... tu tens sido tão bom comigo e eu gosto muito de ti, mas... existe algo que... tu tens de saber.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora