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20 de fevereiro

               – Calcula a área da sombra que a árvore faz, sabendo que x tem 0.75 metros e y 2 metros. – Luke leu o enunciado do seu caderno de fichas em voz alta, enquanto eu transcrevia as suas palavras para o papel. Levantei os olhos da folha durante um segundo e pude vê-lo concentrado no problema matemático que tinha entre mãos. Ficava tão belo daquela forma. – O que tens de fazer aqui é fácil. – ele explicou, continuando sem pousar os seus olhos em mim. – Somas os dois valores e em seguida calculas a área do círculo. Depois uma regra de três simples e está feito.

               – Dito assim parece fácil. – soltei um pequeno riso, trincando a ponta da caneta. Luke franziu o nariz.

               – Já te avisei para não fazeres isso, Soph. – ele resmungou, pousando o caderno em cima da mesa. Uma toalha com motivos florais adornava a superfície plana, tornando a decoração mais jovial e feminina. – Essa caneta deve estar cheia de germes.

               – Nunca me aconteceu nada. – voltei a rir-me, achando a sua paranoia relativa ao meu tique engraçada. Sabia que Luke era muito atento aos pequenos detalhes que o rodeavam, contudo, ao passar mais tempo com ele, descobri que ele está atento a todos os meus movimentos. Ao princípio sentia-me um pouco incomodada, no entanto, acabei por me habituar.

               – Ainda assim, Sophie. – ele abanou a cabeça, com um tom reprovador. Revirei os olhos.

               – Posso fazer uma pergunta? – um sorriso apareceu nos meus lábios assim que me lembrei da pesquisa que fizera há uns dias atrás, sobre a Afefobia.

               – Claro. – ele suspirou, mantendo o seu olhar fixo no meu. Estava constantemente a relembrar a conversa que tínhamos tido à entrada do seu prédio, acerca da juventude conturbada de Luke e das coisas que ele tentara fazer para se magoar, acabando com um piercing no lábio. Eu tentava sempre mostrar-me divertida para afastar do seu pensamento qualquer réstia dessa conversa, no entanto, Luke parecia sempre vaguear para fora das nossas explicações e entrar num universo paralelo, onde se deixava enfeitiçar pelos demónios do passado. Via nos seus olhos a mágoa e a tristeza das palavras amargas que lhe tinham invadido os vocábulos horas atrás, porém, eu só queria deixá-lo confortável.

               – Isto pode parecer um pouco estranho mas, o teu tipo de fobia é bacteriano? – mordisquei o lábio, pousando a caneta a um canto da mesa. Luke olhou para mim de sobrolho franzido. – Tu tens medo que as pessoas te toquem por causa... dos germes?

              Luke soltou um riso. – Não. Claro que não. – ele abanou a cabeça, soltando várias gargalhadas. Quando parou de rir olhou para mim com um ar sério e inclinou-se suavemente. – Onde é que foste buscar isso?

               – Eu, hm... – olhei para baixo, envergonhada. – Eu fiz uma pesquisa.

               Luke sorriu levemente, voltando a pegar no seu caderno. Ele respirou fundo e apontou para a alínea onde íamos, confirmando indiretamente que não queria discutir aquele assunto comigo. Fiquei atordoada quando o silêncio voltou a ocupar a divisão, e peguei na minha caneta, rabiscando as quadrículas de modo a preencher a curiosidade que consumia o meu ser.

               – A minha fobia é afetiva. – Luke disse, inesperadamente. Os meus músculos cessaram e senti o meu coração acelerar, só com o poder daquelas cinco palavras. – Ninguém me maltratou, se é isso que estás a pensar. – ele murmurou, cabisbaixo.

              – Eu não estava... – as palavras prenderam-se-me na língua e senti o meu rosto aquecer. Respirei tremulamente e voltei a resolver os exercícios que Luke havia ditado, sentindo-me presa a uma armadilha. Tinham sido demasiadas informações para um só dia e eu não sabia como lidar com elas. O meu maior problema era não saber como lidar com Luke.

               – Não fiques assim, Sophie. – ele implorou, com um suspiro. Olhei para ele e vi um rapaz assustado, perdido. Provavelmente nem ele saberia como lidar com este assunto. – É difícil para mim.

               – Desculpa. – abanei a cabeça. Luke olhou para o seu telemóvel e eu engoli em seco, sem saber o que mais dizer.

               – Já passa das cinco. – ele proferiu, num murmúrio quase inaudível.

               – Oh. Certo... – levantei-me desajeitadamente da cadeira e comecei por fechar os livros. – Está na hora de ir.

               – Não. – Luke levantou-se igualmente, mantendo uma distância do meu corpo trémulo. – Não precisas. A minha mãe só vem daqui a uma hora e... podes ficar.

               – Não. – repeti, engolindo em seco. Os nossos olhos encontraram-se e senti uma explosão dentro de mim, como se todas as coisas que havia descoberto acerca de Luke estivessem agora a espalhar-se pelo meu sistema nervoso. – Eu quero ir. Eu preciso de ir.

               – A tua mãe vem buscar-te? – Luke questionou, conformado com a minha decisão. Ele deixou-se ficar encostado à parede atrás de si, enquanto observava a minha pressa em arrumar todos os meus materiais.

               – Ah... sim. – na verdade ainda não a tinha avisado, contudo, não me sentia suficientemente confortável para permanecer naquela casa, na companhia de Luke. Ele anuiu, com um semblante tenso.

               Assim que arrecadei todos os meus pertences dentro da pequena mochila de cabedal, coloquei-a no ombro e avancei até à sala, esperando que Luke aparecesse atrás de mim. Ele parou a um metro e fitou-me.

               – Eu não queria ter-te deixado nesse estado. – ele grunhiu, frustrado. – Desculpa.

               – Está tudo bem, Luke. – forcei um sorriso. O meu primeiro impulso foi avançar na sua direção e tocar-lhe no braço, para o reconfortar, contudo, antes mesmo de eu esticar a minha mão, o rapaz arregalou os olhos e afastou-se. Baixei o rosto, novamente envergonhada. – Às vezes esqueço-me...

               – Não faz mal. – ele forçou um sorriso, todavia, conseguia ver a palidez na sua pele devido ao susto e ouvir a forma atabalhoada como as palavras lhe saiam dos lábios.

               – Eu vou andando. – corri até à porta e deixei Luke para trás, desejando-lhe um apressado bom fim-de-semana segundos antes de deixar o seu apartamento. Entrei no elevador e deixei-me cair pela parede metalizada com um suspiro, aguardando a minha chegada até aos rés de chão. Quando isso acabou finalmente por acontecer, abandonei o prédio e adentrei pela rua escura, somente iluminada pelos candeeiros altos que forneciam um ambiente pacífico àquela estrada.

               Depois de fazer um rápido telefonema à minha mãe, para que me viesse buscar, sentei-me no passeio à frente do parque e, encostada ao muro que me separava deste, olhei para o céu. Não tardou a que os meus olhos fossem embaciados pelas lágrimas. As estrelas brilhavam fortemente e ali estava a Lua, a sorrir na minha direção, dando-me as boas noites. Sentia falta das noites em que os meus dias eram mais coloridos, contudo, seria egoísta da minha parte afirmar que não tivera saudades de fixar os meus olhos ao céu e simplesmente contemplar a magia que este tem para nos dar.


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peço desculpa pela demora e por qualquer erro que possam encontrar. sei que está pequenino mas não quero maçar-vos com coisas superficiais, além disso, como devem ter reparado, a história está inserida num espaço temporal por isso eu tenho de cumprir os dias da forma mais realista possível. Prometo que isto vai melhorar :)

é para ti, clementina <33

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora