0.21

698 85 5
                                    

3 de março

            O silêncio pairava sobre nós, tal como as nuvens negras que se erguiam lá bem alto no céu, tornando-o mais melancólico. Era assim que eu gostava de o observar, nos dias frios. Contudo, apesar de apreciar a nostalgia que essas nuvens carregadas traziam, não sabia como partilhar esse sentimento com alguém e, talvez por isso, me sentir tão desconfortável por ter Luke a meu lado, nesse instante reflexo de tristeza. Nós caminhávamos lentamente pelo passeio largo, enquanto alguns carros passavam por nós. A hora de ponta já havia passado há muito e, portanto, era possível observar agora uma rua desprovida de confusões e engarrafamentos. Luke parecia contente por isso, podendo balançar-se livremente pela estrada, sem correr o perigo de tocar em alguém.

            – Hm... – balbuciei, farta daquele silêncio absurdo. O rapaz de olhos azuis, que caminhava de cabeça baixa, mirou-me de esguelha, um pouco atordoado com o som que eu havia emitido. Ele chutou uma pequena pedra que se encontrava no seu caminho e, depois, enfiou as mãos nos bolsos. Os seus ombros curvaram ligeiramente e percebi, com aquela postura tão sua característica, que Luke estava envergonhado. – Aquele rapaz falou numa bolsa. – comentei, um pouco à toa.

            – O Aaron? – Luke ergueu finalmente o rosto para me olhar, ficando com um ar pensativo durante uns segundos. – Sim, ele falou nisso.

            – E isso é importante? Essa bolsa? – encolhi os ombros, sem saber como prosseguir aquela conversa. Luke não parecia muito interessado no assunto e muito menos com vontade de falar. No entanto, eu queria descobrir mais acerca daquele tema, envolver-me nos seus problemas, tentar descodificar um pouco mais a sua vida. Ele acenou vagamente. – É uma bolsa de estudo?

            – É uma bolsa de mérito. – ele suspirou, percebendo que era escusado fugir àquele diálogo. – Daqui a uns meses vai haver um grande espetáculo organizado por algumas escolas e universidades, as mais prestigiadas do país. A nossa Academia está inscrita como participante. – a sua voz cessou por momentos e, depois de respirar fundo, continuou. – Isto é basicamente como um trabalho de grupo. No final, quem tiver a melhor nota do júri, recebe a bolsa.

            – E isso não te deixa entusiasmado?

            – O prémio é monetário. Será oferecida uma enorme quantia de dinheiro. – explicou. – Toda a gente ficou delirante com isso porque têm aqui uma oportunidade de amealhar dinheiro para uma boa universidade mas, honestamente, isso não despertou o meu interesse.

            – Porquê? Essa pode ser a chance de conseguires teres um futuro promissor. Podias seguir o caminho da música, fazer algo que gostas!

            – Tu não entendes, Sophie. – o rapaz murmurou – Eu não gosto disto. Ou, pelo menos, não gosto da forma como isto funciona. – Luke parecia estar a referir-se à Academia, porém, não cheguei a perceber exatamente se era disso que ele falava. Quando a sua voz se fez voltar a ouvir, suspirei. – Os meus pais acharam que me iria fazer bem e obrigaram-me a ter esta atividade extracurricular. É tudo uma forma de me obrigar a ser normal.

            – Mas tu és normal. – fui rápida a dizê-lo, não querendo permitir que Luke se rebaixasse. Ele olhou-me, tentando esforçar um sorriso.

            – Nós somos o grupo dos rejeitados. – riu-se sem emoção, balançando a cabeça. – O Michael é demasiado perfeccionista naquilo que faz e, por vezes, consegue ser muito irritante. O Aaron, como deves ter percebido, tem um feitio muito especial. Ele é tão ou mais temperamental que o Michael e isso só causa problemas. E eu... bem, tu sabes. – os seus olhos voltaram a cruzar-se com os meus e vi palidez na sua íris azul. – Ninguém nos escolheu e nós ficámos com os restos. Mesmo que eu estivesse interessado na bolsa, nós nunca teríamos hipóteses.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora