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4 de maio 

            Sugeri que fôssemos até minha casa, no entanto para isso teríamos de apanhar o autocarro e Luke não apreciava realmente a ideia de se ver fechado num veiculo, junto de mais umas quantas pessoas que lhe possivelmente tocariam, por isso, de sorriso nos lábios e postura confiante, o rapaz convidou-me até sua casa, afirmando que esta estaria vazia até à hora de jantar. Não costumávamos estar juntos às quartas-feiras, e, apesar de um dia da semana ser algo insignificante, conseguia notar as diferenças que esse pormenor exercia. As ruas encontravam-se ligeiramente mais movimentadas, talvez por ser meio da semana, e existiam muitos jovens que se passeavam pelas ruas daquela urbanização, junto ao parque. A chuva já não constava entre nós, o que abonava a nosso favor, mas ainda existia uma ligeira aragem que me arrepiava a pele e empalidecia Luke, contudo, ambos nos mantínhamos em silêncio, sem queixumes ou gestos que mostrassem fraqueza. Ele encolhia-se dentro do seu casaco de ganga preto, puxando os colarinhos para cima de forma a manter o seu pescoço protegido do frio, e, pela primeira vez desde que nos conhecêramos, envergava um gorro da mesma cor na cabeça, que escondia os seus cabelos dourados e os impedia de voar, como acontecia com os meus.

            Luke decidiu deixar as perguntas para quando fossem realmente necessárias, e por isso, quando eu lhe falei da ideia que tinha, não revelei quais eram as minhas intenções nem o que tencionava fazer consigo, mas conseguia sentir nervosismo envolto em si. Ele estava visivelmente assustado, apesar de se querer mostrar confiante e destemido, o que em parte o tornava ainda mais adorável e nervoso. Eu não tencionava magoá-lo, e Luke sabia disso, no entanto, é sempre inquietante não saber o que nos espera, e eu compreendia que talvez fosse um pouco difícil manter a calma numa situação tão tensa como esta. Foi talvez por esse motivo que eu ergui a cabeça e lhe sorri, mesmo sabendo que o seu olhar se encontrava perdido num ponto longínquo e longe de mim. As suas bochechas estavam rosadas e ele brincava com a argola do seu lábio, mordendo-a e rodando-a de forma ágil e despreocupada.

            – O que foi? – a sua voz apanhou-me de surpresa. Não sabia que ele conseguia ver que eu o observava, mas pelos vistos a sua visão periférica estava mais focada em mim do que eu pensara.

            – Estás nervoso?

            – Tu estás? – ele sorriu, virando-se ligeiramente na minha direção. Os seus olhos azuis brilhavam como sempre, mas desta vez pareciam maiores e mais atentos.

            – Não sei... talvez. – encolhi os ombros, sem retirar as mãos dos meus bolsos. – Mas é óbvio que tu estás. Mordes sempre o lábio.

            – Não te sabia especialista em tiques nervosos.

            – E não sou, mas começo a conhecer os teus truques.

            – Singularidades. – disse ele, sem perder a postura séria. – É isso que nos torna especiais.

            Ambos sorrimos depois daquela observação, não só pela forma como foi dita mas também pela profundidade que trazia. Por vezes, Luke falava como se percebesse imenso acerca de pessoas e dos seus detalhes, como se fosse algum tipo de observador nato e especialista nesse tema, o que era irónico. Eu gostava quando ele conseguia surpreender-me com essas coisas, pois era estranho ele entender tanto acerca de sentimentos e emoções quando na verdade o seu maior medo se devia a esses fatores. E não eram só as emoções psicológicas que ele entendia, eram também as físicas. Apesar de não dizer, eu sabia que ele reparava na forma como eu entrelaçava o meu cabelo sempre que me desconcentrava e na forma como brincava com os fios soltos das minhas pulseiras quando ficava demasiado nervosa para reagir, pois quando isso acontecia ele fitava-me de forma contínua, de olhos perdidos em mim, quase hipnotizado. Não tinha a certeza se era apenas em mim que ele reparava, mas eu não me importava que ele o fizesse. Eu gostava que ele soubesse essas pequenas coisas acerca de mim, e que as guardasse no silêncio dos seus pensamentos.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora