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            Tremia dos pés à cabeça, tanto pelo frio a que me havia submetido como pelos nervos que se acumulavam no fundo do meu estômago, que dava voltas e voltas, deixando-me nauseado e com a sensação de estar a afundar-me e a deixar o mundo para trás. O volante estava quente em contraste com as minhas mãos, que rapidamente se moveram até às chaves que estavam na ignição e as giraram, de modo a desligar o motor, que rugia pelos meus ouvidos adentro. Conseguia ouvir vozes longínquas apesar do ruído chuvoso que o rádio provocava, e apesar de me sentir apavorado com a ideia de as enfrentar, fui rápido a abandonar o veículo e a trancá-lo, correndo como um louco até ao foco de luz mais próximo. Havia uma fogueira com várias pessoas em redor, algumas delas colegas de turma e conhecidos que eu não tencionava abordar. O meu coração ouvia-se nos ouvidos, e estalava-me pelo corpo, mas reparei que pouca gente notara a minha presença. O medo percorria-me de alto a baixo. Não queria que se aproximassem de mim nem que me dissessem nada, apenas que me deixassem fazer o meu caminho e me ignorassem, mesmo que no fundo eu precisasse de saber ao certo o que estava a acontecer. Tinha um pressentimento estranho e não queria nada ter de encontrar a verdade sozinho.

            Vir até aqui não foi uma decisão fácil. Precisei de muitas horas para me preparar, e acima de tudo, para decidir o que fazer. Por um lado não queria que o Ashton magoasse a Sophie, mas por outro também não queria impedir que ela sofresse, pois no fundo era tudo o que ela merecia, mesmo que não o fosse desta forma. Ainda assim vim, sabendo que a minha presença poderia atenuar qualquer complicação que se pusesse no caminho do rapaz com quem a rapariga por quem eu me vim a apaixonar me traiu. Por isso peguei no carro do meu irmão e conduzi até este descampado, tentando não ter nenhum acidente como da última vez. Na verdade, foi difícil. A estrada estava molhada e o vidro salpicado de gotas; as ruas, apesar de desertas, continham uma escuridão cega e mortífera, e as curvas pareciam cada vez mais apertadas e com caminho a desfiladeiros. Era quase a imagem da minha vida retratada naquele caminho que tão corajosamente percorri, mas chegar ao destino só custa quando não se conhece a viagem.

            Avistei Ashton encostado ao tronco de uma árvore, sozinho. Tinha os joelhos fletidos e uma das mãos embrenhada no cabelo, num gesto débil e quase entristecido. Parecia cansado e arrependido, o que me levou a crer que naquele momento a sua vingança já estaria mais do que encaminhada. O seu rosto olhava o chão, como se o simples facto de não interagir com ninguém o pudesse livrar do castigo e da repreenda. Caminhei até ele sem pudor nem medo, sendo atingido por uma energia frenética e aguçada pela raiva, que me subia à cabeça como uma rajada de vento. Os meus pés ficaram enlameados mas eu não me importei, querendo apenas saber o que raio tinha acontecido, e sobretudo, onde raio é que a Sophie estava.

            – Ashton! – gritei, fazendo-o olhar para cima. Quando os seus olhos chocaram com os meus vi a surpresa que a minha presença lhe provocou, e logo depois o medo e a insegurança, que o pareciam tornar mais vulnerável.

            – O que é que tu estás aqui a fazer? – questionou, com os olhos arregalados e a voz frouxa. – Pensei que...

            – Onde é que está a Sophie? – interrompi-o, mantendo a minha voz num nível alto e enfurecido. Parecia que os papéis tinham invertido, apesar de no fundo eu me sentir tão assustado quanto ele parecia estar.

            – Algures por aí. – respondeu secamente, endireitando-se.

            – Que merda é que tu lhe fizeste!?

            – Porque é que isso te interessa? Vais salvá-la, é?

            – Eu não estou a brincar, Ashton. – rosnei. – O que é que tu lhe fizeste?

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora