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3 de Março 

               Encostada à parede suja que suportava o meu corpo, ia observando todos os carros que passavam por mim, alguns a alta velocidade e outros nem tanto. A ventania que se tinha instalado obrigara-me a cobrir a cabeça com o capuz do casaco, de modo a que os longos fios do meu cabelo loiro não voassem para a minha cara. O vento deixava-me irritada na maior parte das vezes. Como é que uma simples lufada de ar pode provocar tantas alterações? As folhas voam das árvores e sujam as ruas, os meus cabelos tornam-se rebeldes e perturbam a minha serenidade, tudo estremece e arrefece, consoante a brisa que se instala pela atmosfera. Enquanto roía as unhas, pensava nisto tudo, de olhos fixos no horizonte e de perna levantada contra a parede. Estava à espera que o relógio batesse as cinco horas e que os ensaios na Academia de Música chegassem ao fim. Sentia um misto de ansiedade e medo até porque, a decisão de me dirigir até aqui com o intuito de acompanhar Luke até casa para depois darmos início às explicações matemática, não fora tomada de ânimo leve. Não tinha certezas de como iria o loiro reagir. Provavelmente ficaria intrigado, confuso, curioso e talvez até feliz.

               Dei um pequeno salto quando as portas duplas de vidro se abriram a meu lado e delas saiu um grande grupo de jovens. Na sua maioria, traziam às costas bolsas com guitarras e outros instrumentos. Todos muito sorridentes e conversadores, dispersaram-se pela rua, tomando diferentes direções. Ninguém pareceu dar pela minha presença ali, portanto, completamente ignorada pelo enorme grupo de aspirantes a músicos, observei cada um daqueles rostos cansados que passavam por mim, tentando encontrar Luke no meio deles. Houve um momento em que pensei tê-lo descoberto, sendo que aquele cabelo loiro se assemelhou imenso ao do meu colega, contudo, após esse mesmo rapaz ter abraçado uma rapariga roliça que trazia uma pauta na mão, percebi que nunca aquela pessoa podia ser o meu Luke afefóbico. Desviei a cabeça e suspirei, dando uma olhada ao visor do meu telemóvel, que marcava agora as quatro e cinquenta e cinco.

               – O Michael está por cá? – questionei uma rapariga baixinha que passou apressadamente por mim. Ela parou e observou-me de alto a baixo, desconfiada. – Michael Clifford? Um rapaz alto de cabelo preto. Não o viste?

               – Ele ficou no auditório. – ela respondeu, apontando na direção das portas de vidro. Parecendo tão irritada quanto eu em relação ao vento, a rapariga retirou do seu pulso um elástico e apanhou o cabelo num rabo-de-cavalo, lançando alguns suspiros para o ar.

               – E o Luke, está com ele?

               – Oh, sim. Eles quiseram ficar mais um bocado a acertar a música.

               – Ok, obrigada. – sorri amigavelmente, afastando-me lentamente na direção da entrada do estabelecimento. Quando reparei, já não havia ninguém à minha volta, somente o vazio das ruas e o barulho dos carros a passar. Agora todos esses jovens que outrora tornaram aquele lugar mais animado desapareciam pela extensa rua, deixando no ar as conversas e as músicas que tocaram.

               Inevitavelmente, fui na direção das portas, empurrando-as suavemente. O ar quente daquele estabelecimento aqueceu as minhas faces, contudo, não foi suficientemente forte para aquecer o meu corpo gélido. Apertei a alça da mala e dirigi-me até ao elevador, passando pela rececionista no balcão. Ela lançou-me um simpático olhar, o qual eu retribuí timidamente, carregando nos botões do transporte aéreo. Assim que as portas metálicas do elevador se abriram corri lá para dentro e encostei-me à parede, pressionando o único andar disponível, que, naquele prédio, era o segundo.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora