Ingénuo, foi o que eu fui durante todo o tempo que deixei que fizessem de mim o que queriam, até mesmo as coisas que mais medo me metiam, que me assustavam, que me torturavam. Mas eu deixei. Deixei-me levar pela esperança de ainda haver uma cura, se é que se pode chamar assim, a mim mesmo. Uma cura ao meu isolamento, à minha vontade de fugir do mundo e de todos que o habitam, ainda que isso pudesse significar a dor dos que mais me amam. Nunca achei que isto pudesse dar tão mau resultado, que pudesse terminar de forma tão fria e cruel, tão azeda e mesquinha, como fizeram comigo, durante todos aqueles anos em que me atiravam pedras, gozavam e fingiam simpatia para me roubarem tudo o que de melhor tinha, até não ficar nada. O que restou foi isto. Foi esta amargura, dentro e fora de mim, em volta e sempre, tanto quando durmo como quando desperto para um novo dia. E ainda que eu tenha realmente amado, é como se todo esse sentimento se tivesse esvaído pelos buracos de bala deixados em mim, provocados pela arma mortífera que é a mentira. Todas as mossas, todas as marcas, tudo. Tudo ficou para contar a história, ainda que não tenham passado de marcas psicológicas deixadas para me piorar o sistema. E o carvão deixado nos meus dedos, por todos os esboços que fiz para tentar encontrar a resposta e a canalização para os problemas, esse carvão... é como a marca, a prova. E depois existem todos os traumas, todas as lembranças e tudo o resto. As pessoas que passaram na minha vida, tornando-a pior ou melhor, e eu. Como é possível que em tão poucos meses tudo se tenha tornando tão mais negro? Ainda mais do que quando eu ficava sozinho, horas e horas, a chorar e a questionar o porquê de ser assim, a culpar-me e a responsabilizar-me pela minha falta de coragem. Não foi justo. Provavelmente nunca será.
Em retrospetiva, não sei dizer se me arrependo ou não. Não consigo sequer imaginar um cenário em que tudo isto não tenha acontecido. Não conhecer Sophie, da forma como ela realmente é, parece tão impossível quanto eu voltar a ser normal. Imaginar um universo em que ela não se tenha aproximado de mim, para me elogiar a camisa, parece impensável. Imaginar um prisma onde ela não me tenha seguido até casa parece absurdo. Parece estranho pensar que ela poderia nunca ter-me desafiado a ser seu explicador de matemática. Parece impossível pensar que existia a possibilidade de nós nunca nos virmos a envolver. Mas aconteceu, o que me deixa aliviado. Ainda que com a Zoey eu tenha ficado marcado permanentemente, pouco recessivo a novos desgostos de amor, a Sophie foi a rapariga por quem eu voltaria a repetir tudo; afinal foi ela que me curou, apesar de também ter sido ela a grande responsável pelas minhas maiores feridas.
Esta experiência, ainda que com um resultado negativo, fez-me voltar a viver. Tornou-me num homem diferente, tornou-me mais forte, mais confiante. Houve mudanças que ainda hoje me deixam arrependido de ter ocupado tanto tempo com o mesmo assunto. Passei de assustadiço a frívolo, e agora, para mal dos meus pecados, estranho a mim mesmo. Nunca quis isto. Nunca quis sentir ódio por ninguém, muito menos pela rapariga que me deu a mão quando eu mais precisava, ainda que me tenha roubado a alma no momento em que a tinha toda para si. Sophie foi como granizo na minha vida. Fria, mas quente quando toca a pele, e dolorosa, mas bonita de se ver.
Sentado no meu quarto, com as costas encostadas à parede rugosa e os joelhos fletidos até ao peito, escutando a música triste e dolente, os meus olhos lacrimejantes analisam as folhas esvoaçantes coladas em vários cantos da divisão, algumas até já molhadas da chuva que foge da janela aberta. Sophie protagoniza quase todos os desenhos, apesar de provavelmente não o saber. Os olhos que brilham são os seus, verdes e petulantes, como as folhas das árvores; os cabelos lisos e despenteados, unicamente representados sem um rosto definido a acompanhar, são os seus loiros fios, que me fazem lembrar as chamas e o sol; as mãos, os braços, as pernas, os pés, os seios, o nariz, os lábios sorridentes e o corpo desnudo, tudo ela. Tudo. Sophie foi sempre a minha musa, talvez ainda antes de a ter como minha. Mas agora... agora que tudo se transformou num borrão, agora que a minha vida está prestes a chegar ao precipício, vejo como fui negligente e parvo. Eu podia ter evitado que ela se apaixonasse por outro rapaz, podia ter garantido que ela seria minha, plena e totalmente. Podia ter feito algo para evitar a minha ruína, e de certa forma a sua, pois não faltava muito para também eu me transformar num anormal destruidor de corações. Tudo por causa dela. Tudo por causa dele. Tudo por causa de mim.
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Naive ಌ l.h
FanficSophie considera-se capaz de ajudar um rapaz intocável, porém, ela é ingénua e sofrerá as consequências das suas escolhas. Copyright © 2015, All Rights Reserved // tulipxs (16/06/2015)