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10 de agosto 

            As minhas mãos tremiam enquanto eu corria na direção da porta de entrada do liceu, com dois livros quase a escorregarem do aperto do meu braço e com alça da mochila preta de cabedal presa num único ombro. Os meus cabelos encharcados não descolavam da pele do meu rosto, o que me deixava ainda mais desconfortável, mas não tanto vagarosa. O corredor por onde entrei estava deserto e silencioso, e o chão de linóleo brilhava, com alguns vestígios de pegadas e manchas de terra, provenientes do exterior. Humedeci os lábios secos e respirei fundo antes de avançar, tendo a noção de que se o fizesse sem antes tomar uma lufada de ar, ainda me estatelaria no chão com algum desmaio. Deixei-me então cair sobre a parede, fechando os olhos com força e rezando para que ninguém me visse naquele estado. Nunca tinha chegado tão atrasada como naquele dia e até já ponderava faltar à primeira aula, que decorria há mais de meia hora. De certeza que se eu tivesse o descaramento de entrar por aquela sala adentro, todas as atenções se debruçariam sobre mim, e o professor não deixaria de me repreender, por isso mais valia descansar e esperar pelo toque de saída.

            Depois de retirar os meus cabelos da cara e de os prender num rabo-de-cavalo mal feito, caminhei em silêncio, percorrendo aquele corredor com um sentimento de nostalgia dentro do peito. As memórias pareciam invadir cada recanto do meu cérebro, e, todos os anos durante os quais eu ali passei, vieram-me à cabeça como um flashback de um filme. Conseguia ver diferentes versões de mim, algumas piores, outras melhores, mas era sempre eu, acompanhada ou sozinha, triste ou alegre. Talvez a chuva também influenciasse o meu estado de espírito, e talvez por isso me sentisse assim tão emocional como naquela manhã. Apenas tinha vontade de chorar. Só isso.

            Quando cheguei ao bar, também notoriamente deserto devido ao horário de aulas, respirei fundo e procurei a mesa mais distante e isolada. Haviam algumas pessoas por ali, tal como as empregadas, que limpavam os restos de comida deixados nas mesas, e alunos, que, da mesma forma que eu, chegaram atrasados ou não tiveram vontade de enfrentar uma sala e um professor. E depois lembrei-me dele. Enquanto pousava as minhas coisas no chão e me sentava na cadeira, lembrei-me dele e das imensas saudades que sentia. Mas tinha medo. Já o tinha visto muitas vezes ao longo das quase quatro semanas que haviam passado desde o recomeço das aulas. Por norma, passávamos um pelo outro e trocávamos um olhar, tanto frio, tanto saudoso, mas sempre angustiante. Já nem mesmo Michael me mantinha informada acerca do que acontecia na sua vida, dizendo sempre que Luke merecia espaço e tempo, além de que eu já não tinha o direito de saber aquilo que dizia respeito ao rapaz de olhos azuis. E, sempre que eu caía na tentação de ir falar com ele ou aproximar-me, as palavras de Jack sobrevoavam o meu subconsciente e eu retrocedia àquele dia em que o vi deitado numa maca do hospital, por minha causa.

            Acabei por decidir ir para casa. Não estava com vontade de ir às próximas três aulas e forçar-me a fingir uma coisa que não sinto, além de que passar uma hora e meia fechada dentro de uma sala com Luke a apenas alguns metros de mim, logo à minha frente, não era tão apetecível como parecia, aliás, era horrível. Era horrível não lhe poder dizer a verdade em relação aos meus sentimentos e a tudo o que aconteceu depois do dia do seu acidente. Eu não fui forçada a namorar com Ashton, mas fui influenciada a afastar-me de Luke, o que me custou muito mais do que qualquer outra coisa no mundo, e isso havia sido a causa e a consequência de todas as coisas que surgiram depois, incluindo a minha atual relação.

            Tive de engolir o orgulho e telefonar a Ashton, quinze minutos depois de ter entrado naquela escola. Saí praticamente da mesma forma, a arrastar-me pelo chão, com as mãos trémulas e os meus livros a pesarem no braço, mas ainda assim abri a porta e coloquei-me debaixo da chuva, à espera que o meu namorado chegasse e me levasse dali. Ele tinha-me dito ao telefone que estava no trabalho e que não podia sair, e desculpa, Sophie, mas não pode ser tudo como tu queres. Aquilo doeu-me no coração, mas ainda assim fechei os olhos, respirei fundo em silêncio e disse-lhe que se ele não me viesse buscar eu teria de caminhar mais de um quilómetro à chuva para chegar a casa. Aquilo fê-lo mudar de atitude.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora