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 23 de fevereiro

              Os raios de sol penetravam as vidraças da sala, trazendo aos meus olhos um desconforto descumunal. A balburdia estava instalada naquela aula e o professor já não fazia o mínimo esforço para controlar os alunos descontrolados que atiravam papéis ao ar ou falam entre si, provocando ruídos barulhentos. Eu limitava-me a permanecer quieta no meu lugar, a tentar copiar aquilo que estava escrito no quadro de giz. Coloquei a mão à frente da testa e, com um suspiro, pousei o material de escrita em cima da mesa, acabando por desistir daquela tarefa. Não deveriam faltar muitos minutos para o toque assinalar a hora de saída, senão o professor não estaria a tolerar este tipo de comportamento. No entanto, eu só queria que alguém parasse com aquela confusão. Só queria sair dali e ir para um lugar calmo; um lugar que me pudesse ajudar a aliviar a dor de cabeça que sentia e o cansaço que prevalecia no meu corpo.

             Recostei-me na cadeira e retirei da minha mochila um livro que me acompanhava sempre. Esse livro havia sido escrito pelo meu autor favorito e, apesar de já o ter lido imensas vezes, continuava a apaixonar-me pela história como se fosse a primeira vez. Abri na página marcada e tentei posicionar o meu corpo da forma mais confortável possível, cruzando as pernas na cadeira. Contudo, depois de ter lido um parágrafo, algo acertou em cheio na minha testa, caindo depois em cima das páginas que eu tanto adorava. Um papel dobrado em quatro encontrava-se à minha frente e, sem saber como reagir, ergui a cabeça e olhei à minha volta, deparando-me com o mesmo ambiente animalesco de há minutos. No entanto, no meio daquelas pessoas descontroladas, havia alguém que se destacava. Luke.

               Os seus olhos claros brilhavam na minha direção e vi um pequeno sorriso curvar os seus lábios torneados. Não consegui evitar sorrir também, lançando-lhe um olhar simpático mas que, no entanto, revelava alguma confusão. Ele encolheu-se na cadeira e voltou a entrar no seu pequeno mundo, fazendo desenhos no caderno de capa escura.

               Com um suspiro, desdobrei o bilhete e li as palavras que Luke havia escrito para mim:

«O que é que estás a ler?»

             Não perdi tempo a pegar na caneta de tinta azul e a escrevinhar uma resposta, bem abaixo da sua pergunta. Continuava a sentir-me melancólica devido à nossa última conversa. Luke revelara-me coisas que eu nunca pensei vir a descobrir e, talvez devido à minha insegurança, não soubera como lidar com essas informações. O meu objetivo era ajudá-lo, contudo, para que pudesse fazer isso, teria de me ajudar a mim primeiro. Por isso, ignorando as memórias que haviam tornado o meu fim-de-semana um pouco mais sombrio, abri o meu coração e deixei-me levar.

«Um livro.»

              Atirei-lhe o pedaço de papel e Luke quase o apanhava, se não tivesse sido o desequilíbrio das suas mãos. Ele soltou uma pequena gargalhada assim que viu a minha resposta e, erguendo as sobrancelhas, voltou a escrever. Ele atirou o bilhete e eu recebi-o com um sorriso nos lábios.

«Um livro traz a vantagem de podermos estar a sós e ao mesmo tempo bem acompanhados.»

                Um largo sorriso invadiu as minhas feições após receber a resposta do loiro. Pousei o livro em cima da mesa e preparei-me para lhe dizer algo mais complexo, mais aprofundado. Sentia-me confortável em revelar os meus pensamentos. Luke era a pessoa certa para os ouvir. Ele compreenderia.

«Os livros levam-nos a sítios incríveis, dão-nos a conhecer pessoas incríveis, fazem-nos viver experiências incríveis. Nunca sentiste uma tristeza enorme sempre que uma história acaba e tu não sabes qual será a continuação? O futuro permanece imóvel, aos nossos olhos. No entanto, o futuro estará sempre a flutuar através das frestas dos nossos maiores sonhos.»

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora