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13 de junho  

            Por alguma razão não consegui ficar parada. Não consegui controlar a vontade de falar com Luke e não consegui, muito menos, deixar de o fazer. Depois da conversa com Michael acabei por refletir muito intensamente acerca de tudo. Todos os pormenores, todas as informações e tudo aquilo que ele me disse. Luke estava a sofrer por minha causa, mas não só por minha culpa. Se eu queria ajudá-lo, então teria de arranjar uma forma de o fazer perdoar-me e avançar para o confronto. Dessa maneira ele iria conseguir esquecer o passado e talvez até enfrentar Zoey. Sentia-me obrigada a meter-me no meio, pois na verdade eu era o principal motivo da sua angústia. Era minha obrigação remediar os erros e dar-lhes um final feliz, mesmo que para isso um de nós acabasse sozinho.

            Sempre que o via preparava-me para avançar e falar com ele, mas Luke era sempre mais rápido que eu. Ele escapava-me por entre os dedos e, de um segundo para o outro, desaparecia do meu alcance. Ele parecia adivinhar que eu lhe queria falar e por isso mantinha-se sempre muito discreto. Até mesmo nas aulas. Com a terapia e a ajuda dos comprimidos, ele conseguia ser mais rápido a sair da sala, ultrapassando uma grande multidão de alunos frenéticos que corriam de um lado para o outro. A forma como ele fazia isto assustava-me, mas não podia cruzar os braços. Não podia continuar para sempre a ser evitada. E foi exatamente naquela segunda-feira que deixei de o ser.

            A nossa aula tinha acabado mais cedo. Estava a chover e para ir para casa devia apanhar o autocarro, por isso saí da sala, dirigi-me ao exterior do liceu e caminhei lentamente pelo passeio, até chegar à paragem. Luke havia desaparecido do meu alcance segundos depois de a sala ter ficado vazia, por isso não me preocupei em procurá-lo, sabendo que não valeria a pena. Ele era muito bom a esconder-se. E, mesmo que eu tentasse procurá-lo nos locais onde eu sabia que o encontraria de certeza, nunca tinha acesso a eles. Muitas vezes tentei ir ao telhado, mas sem as chaves, as únicas que estavam na posse de Luke, era impossível abrir a porta e correr para ele. Desisti eventualmente.

            Quando cheguei à paragem, já com o cabelo molhado da chuva e o rosto frio, sentei-me no banco de madeira, com a minha mala pousada no colo, e deixei as minhas costas repousarem contra o toldo de plástico, que me protegia da chuva. A rua estava vazia, não haviam carros nem alunos. Como tínhamos saído mais cedo era normal que assim fosse, pois todos os outros ainda estavam nas suas respetivas aulas. Sabia que ainda faltava muito tempo para o autocarro aparecer, mas mantive-me ali quieta, como se pudesse prever o futuro. E a verdade é que se não ali tivesse ficado, jamais observaria o que observei a seguir.

            Luke saiu pelo portão do liceu, de mochila às costas e com um capuz na cabeça, vestido de preto dos pés à cabeça. Parecia intimidante visto daquela perspetiva, mas eu sabia que o rapaz nunca faria mal a uma mosca. A verdade é que nos últimos tempos ele parecia tão mais maduro. Parecia mais crescido, mais bonito, mais confiante, mais intrigante. Ele caminhava com altiveza, como se nada o incomodasse, e dirigia-se não na direção da sua casa, mas sim na direção do parque. Talvez quisesse passear ou apenas apanhar um pouco de ar fresco antes de regressar ao seu lar. Mas enfim, eu soube que aquela seria a oportunidade, talvez a única, para me dirigir a ele e falar-lhe tudo o que me ia no coração. Peguei na minha mala e corri o mais depressa que pude, tentando alcançá-lo. Nunca conseguia. As suas pernas eram maiores que as minhas e os seus passos também. Luke era como uma gazela. Silencioso e rápido. Acabei por perceber que não valeria a pena cansar-me, eventualmente me cruzaria com ele, fosse a correr ou a andar, por isso segui-o em silêncio, levando com gotas geladas no rosto. Ele parecia não se importar com a chuva.

            Quando entrei no parque senti-me a ser engolida pelas árvores que me rodeavam. Eram tão altas e, com a chuva a bater-lhes em cima, tão intimidantes e soberanas. Da última vez que ali fui estava sol e eu tinha a companhia voluntária de Luke. As coisas pareciam tão mudadas. Pareciam tão diferentes e tão únicas. Parecia que tinha passado uma eternidade, mesmo sendo apenas uns meses, e eu senti-me presa a uma realidade paralela incontornável, que ia passando por mim a alta velocidade e me relembrava todos os momentos bons passados na companhia do rapaz. Eu precisava dele tanto quanto precisava de oxigénio. Precisava dele como um corpo precisa de um coração. E ele estava ali. Estava ali a uns metros de distância, tão real e tão penetrável, mas mesmo assim longe e intocável.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora