Capítulo 1 - Esperando

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Cinza. Daquele ângulo tudo que conseguia ver era esta cor, quase como se houvessem apagado todas as outras do céu. Como se seu corpo inteiro fosse conectado com a imensidão prestes a desabar sobre suas cabeças, podia sentir: em breve as primeiras gotas de chuva cairiam.

- Você pretende ficar no chão muito tempo? - Emmanuelle perguntou, claramente impaciente com a sua demora.

Alicia somente virou um pouco o rosto e lhe lançou um olhar mortal.

A garota apontou um dedo acusatório em sua direção: - É culpa sua por estar tão distraída!

- Assim como você - rosnou de volta para ela e voltou a olhar o céu porque... bom, porque queria esganar Emmanuelle. - Se você não estivesse distraída também, eu não estaria aqui com medo de mexer um músculo sequer e perceber que me quebrei toda porque você me arremessou como uma maldita boneca no chão. - No final da frase sua voz já havia subido um pouco de tom. Odiava ter que treinar lutas e odiava mais ainda toda a dor envolvida.

De forma nada delicada, o pé dela fez contato com sua cintura, quase fazendo com que rolasse: - Quebrou alguma coisa?

E como conseguiu se mexer para evitar suas cutucadas com o bico do tênis, Alicia imaginou que sobreviveria: - Estou bem - respondeu, apesar de sentir dor por inúmeros lugares. - Vou ficar bem.

A amiga passou uma perna por cima do seu corpo, parando com um pé em cada lado de sua cintura, e se agachou: - Foi mal... - resmungou, fazendo bico e desviando o olhar.

Suspirou alto, tentando afastar o mau humor, não querendo que ela ficasse chateada com a situação: - Foi mal também. - Emmanuelle não ter total controle sobre a sua força não era novidade para ninguém e não precisava que piorasse a situação.

Ela ergueu-se novamente, fazendo careta, e depois se jogou na grama do quintal, passando a fitar o céu do mesmo modo que Alicia. - Talvez fosse melhor você só treinar com o Chris... Estou tensa demais para lutar.

Todos estavam uma pilha de nervos, mas Alicia e Emmanuelle precisavam tentar se controlar com afinco, pois eram como bombas prestes a explodir a qualquer momento e causar dano em quem estivesse por perto, fosse por descontrole de força ou de elementais. - Na próxima vez podemos correr um pouco antes, gastar um pouco dessa tensão acumulada - sugeriu.

- Sexo seria mais eficiente, mas correr serve também - Emmanuelle resmungou.

- Você não muda - disse a primeira coisa sensata que passou por sua cabeça, tentando não concordar com ela e acabar tendo que explicar o que havia acontecido na última vez em que Alicia e Evan passaram a noite juntos.

- Se não fosse virgem saberia.

Começou a desconfiar que a amiga tinha algum sexto sentido bizarro para detectar fofocas que a interessariam. - Ele vai ligar - disse com convicção, aproveitando para mudar de assunto.

Emmanuelle se virou de lado, apoiando-se em um cotovelo. - Só não sabemos quando e gostaria muito que fosse logo - Notando o próprio tom de voz azedo, desabou de volta ao chão com um suspiro exausto. - Não sei como está tão calma quanto a isso.

Alicia voltou a olhar para cima, vendo seu próprio reflexo, como em um espelho. - Você notou o céu? - perguntou a ela, apontando pro alto.

- Tempestade a caminho? - Emmanuelle perguntou, incerta. - Não tenho mamilos superpoderosos - E resmungou contrariada.

Uma leve risada escapou de Alicia e precisou de alguns segundos para espantar o dia que foi "assediada" por Emmanuelle da cabeça, antes de explicar: - Esse céu sou eu, Emma. Desde que chegamos aqui há dois dias, o sol não apareceu mais e é por minha causa. Não se iluda... Não estou calma, só não estou surtando.

Quando se virou para olhá-la, viu que Emmanuelle já estava analisando-a: - Não vai causar alguma catástrofe igual Dam, né?

- Não - respondeu a ela, pois, sob suas ordens, seus elementais estavam fazendo o possível para camuflar sua posição e dispersar os efeitos colaterais do seu temperamento alterado. - A Água e o Ar estão trabalhando nisso... - Sem a ajuda deles, provavelmente estaria causando algum pequeno desastre ou indicando a Dam e Daya onde estavam.

- Hum... - Ela murmurou e ficou quieta.

Dois dias. Dois malditos intermináveis dias haviam se passado desde que fugiram da UPA, se abrigaram naquela casa e passaram a esperar notícias de Evan. A meia-noite havia chegado, ido embora, chegado mais uma vez, ido embora novamente e nenhuma ligação havia sido recebida. Nem mesmo uma mensagem.

E isso estava acabando com os nervos de todos. Não sabiam como estavam Evan, Yam, Phillip ou Fantasma; não sabiam quantas vítimas o terremoto havia feito; não sabiam o que Daya ou Dam estavam planejando. Não sabiam nada do que se passava fora do terreno daquela casa.

- Ele vai ligar - repetiu seu mais novo mantra, porque apesar de confiar nele e saber sem dúvidas que ele ligaria, estava começando a se preocupar com o motivo da demora. - Ele vai ligar assim que conseguir. - Sabia que Evan daria um jeito em qualquer problema e entraria em contato.

Ficaram em um silêncio inquieto, até que Emmanuelle sentou-se murmurando: - Vai ligar, sabemos que vai ligar. - E depois deu de ombros, como se fosse algo banal: - É isso aí. Ele vai ligar - e sorriu. - Celulares dão problemas o tempo inteiro, não é? Aposto que nesse momento Evan está xingando o mundo porque derrubou o dele na privada - disse confiante.

Gargalhou descrente, até ver o olho desafiador de Emmanuelle. - Ele pode ter deixado cair no chão. Essas coisas não tem a menor durabilidade hoje em dia.

- Exatamente - Emmanuelle se levantou. - E enquanto ele arruma um jeito de ligar e avisar que está tudo bem, continuamos treinando porque temos bundas de deuses raivosos para chutar.

- Até a lua - completou.

- Até a lua e além - gritou e deu um pulinho, erguendo um punho para o alto.

A garota era simplesmente adoravelmente louca com suas Emmaluquices.

- Então que tal continuarmos o treino? - Só de jogar um pouco da preocupação para fora, as duas pareciam menos tensas.

- Essa é a minha garota! - Emmanuelle lhe ofereceu a mão para ajudá-la a se levantar.

E assim que Alicia a aceitou e conseguiu ficar de pé, ela investiu contra a sua cintura como um touro-Barbie irado, fazendo com que caísse novamente como um saco de batatas na grama: - Ai - grunhiu ao recuperar o ar que havia fugido com o impacto. - Isso não foi justo!

- Nunca abaixe a guarda, Alicia - esbravejou com as mãos na cintura, voltando a ser a professora má. - Isso é uma lição básica!

- Eu... odeio você, garota - rosnou pela milésima vez para ela naquele dia.

- Você me ama - sorriu, convencida. - E por eu ser muito legal, vou lavar a louça do jantar se conseguir me causar pelo menos um arranhão.

- Fechado! - Se levantou e se recompôs rapidamente. Mesmo ainda sentindo um pouco de dor, começou a agitar os braços e pernas, se aquecendo: - Vai ser fácil demais - provocou Emmanuelle, apesar de saber que acabaria toda roxa e com a esponja e o detergente nas mãos naquela noite.

Se você não quiser que eu fique toda quebrada e louca, é melhor você me ligar logo, Evan.

Brincando Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora