Capítulo 42 - Um Brinde

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O cheiro que invadia suas narinas fazia todo seu estômago se revirar e grunhir de fome, expulsando toda sua sonolência para longe. Quando finalmente desistiu de tentar voltar a dormir e resolveu ceder ao chamado do seu estômago esfomeado, se sentou na cama, encontrando-se sozinha no quarto de Evan, sem a menor noção de que horas eram e de quanto tempo havia dormido. As cortinas fechadas não ajudavam em nada e as últimas coisas de que se lembrava era de estar no carro, saindo da base de Dam, e que quase estava dormindo no colo de Evan. Automaticamente procurou o celular, para ver se ele havia deixado alguma mensagem, mas frustrou-se, pois havia deixado o aparelho com Yukari ao ir para a base de Dam e ainda não tinha pegado de volta.

Ouviu uma batida leve e se virou para a porta, vendo Clementine parada no batente, olhando sorridente para Alicia: - Jeremy me disse que você tinha acordado...

Deixou todo o ar de seus pulmões escapar, expirando aliviada ao vê-la alí, e se levantou correndo sem conseguir se conter, indo direto dar um abraço na mulher que considerava sua segunda mãe: - Ah Clem... Eu fiquei tão preocupada! – Apertou os braços ao redor dela com força.

- Eu também, minha filha. Eu também... – Beijou sua testa.

Se afastou e olhou para o rosto dela, vendo que todos os hematomas haviam sumido e nenhum sinal dos maus tratos havia permanecido. – Você parece muito melhor!? – disse, confusa.

Ela passou as mãos pelo rosto de Alicia e ergueu os ombros, não dando muita importância ao fato: - Posso me curar, Alicia. Sou uma Curandeira. Como você está?

- Quê!? E-eu estou bem... – respondeu confusa, tentando absorver o que Clementine havia dito. Com aquela informação, a obsessão do seu pai por ela, sempre a querendo por perto e disponível, começava a fazer mais sentido. – Era por isso que você não costumava sair muito, né? Por isso que ele mandou você ir ver Yukari no hospital quando fui atacada e ela se feriu...

- Sim... – respondeu, com um sorriso fraco.

- Curou Jeremy e Michael também? – perguntou, lembrando-se que os dois também estavam péssimos da última vez que havia os visto.

- Sim, não se preocupe, minha filha. Todos estamos bem agora...

Agora. Alicia só podia imaginar os horrores aos quais os três haviam sido submetidos para terem ficado naquele estado. E se... Nunca havia desconfiado de quaisquer maus tratos, mas seu pai era mestre em esconder as coisas de Alicia e muita coisa poderia ter acontecido sem seu conhecimento. – Clem, aquela foi a primeira vez que ele machucou vocês? – Engoliu em seco, rezando para a resposta ser um 'sim'.

- Ah minha filha... – O pesar em seu olhar fez o estômago de Alicia despencar e gelar. – Nós não estávamos alí voluntariamente e seu pai sabia como ser persuasivo sem usar muitas palavras.

E lá estava Dam, mais uma vez retorcendo e destruindo toda a versão que tinha de seu mundo. Uma imagem muito doentia e repulsiva de seu pai submetendo Clementine à sua vontade cruzou sua mente: - Ele... ele...

- Prefiro deixar essas memórias no passado, minha filha.

Alicia não conseguiu se obrigar a colocar a pergunta para fora, a trazer mais sofrimento ainda a ela, então resolveu perguntar outra coisa: – Então por que seguia o meu pai? Por que não fugiu antes?

- Nunca te contei sobre o meu marido, não é? – perguntou e Alicia balançou a cabeça, negando. - Greg... – revelou e seus olhos brilharam. - O amor da minha vida e era um bom homem, até Dam colocar suas garras nele. Nos juntamos ao seu pai quando Jeremy ainda era muito novo e eu estava grávida do Michael e por alguns anos nossa vida foi bastante tranquila de certa forma, mas estar no meio daquela guerra me incomodava. No fim, Greg me deu ouvidos e foi falar com Dam, que prontamente disse que não teria problema algum se ele se afastasse, pois já havia sido muito útil por todos aqueles anos. - Alicia arrepiou-se ao ouvir aquilo, pois sabia que seu pai considerava traidores aqueles que o abandonava e que sempre havia retaliação. - Um pouco antes da data que marcamos para partir, Greg morreu em uma missão. Seu corpo deixado para trás... – Seu rosto se apertou em uma expressão genuína de dor: - Nunca pude dizer adeus.

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