Breno

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—Está com o cinto, querido?

Era a voz da minha mãe. Ela estava no banco da frente junto com meu pai, que conduzia o carro. Dei um sorriso. Tinha 8 anos. Minha franja cobria meus olhos e estava sem os dentes da frente. Uma aparência bem mais infantil e feliz do que agora.
Havíamos acabado de voltar da festa de aniversário do filho de um amigo do papai. Eu havia provado tantos doces, que não conseguia ficar em pé. Me acomodei no banco de trás e coloquei o cinto.

—Alguém aguenta mais alguns docinhos? — falou papai que girou a chave do carro e deu partida.

—Estou me sentindo uma bola. — falei.

Papai e mamãe riram. Eu era o filho único. O mimo deles. O bebê.

—Nossa música, amor. — mamãe comentou e aumentou o volume do rádio. Tocava uma melodia calma, acompanhada por uma voz feminina.

—Por que a música de vocês? —perguntei ingênuo.

—Quando vi sua mãe pela primeira vez, — papai falou ainda dirigindo — Estava tocando essa música.

-—É difícil criar coragem, num mundo cheio de pessoas. Você pode perder tudo de vista, e a escuridão dentro de você, pode te fazer sentir tão insignificante. — mamãe cantou olhando para mim pelo retrovisor.

Mas eu vejo suas cores reais, brilhando por dentro. Eu vejo suas cores reais, e é por isso que eu te amo. — papai completou alto, abriu a janela e deixou o vento tomar conta de seus cabelos.

Mostre-me um sorriso então, não fique infeliz, não me lembro quando foi a última vez que vi você sorrindo. Se este mundo te deixa louca e você aguentou tudo que consegue tolerar, me chame porque você sabe que estarei lá... — Os dois cantaram alto e juntos.

Fechei meus olhos e abri a janela do carro, deixei o vento bagunçar meu cabelo como papai.

Olhei para frente novamente e vi meus pais sorrindo, mas também vi um caminhão na nossa frente. Suas luzes iluminaram o carro. Ouvi gritos da mamãe e papai gritar meu nome.


                                                                                    

                                                                                       ****


Acordei com um pulo. Acendi a luz do abajur e tentei controlar minha respiração controlada. Por anos o pesadelo e a lembrança da morte dos meus pais não me assombrava. Por anos sonhei apenas com o bom humor do papai e o lindo sorriso da mamãe.
Aquela manhã tinha sido à mais feliz da minha vida, mas eu só não sabia como dia o terminaria.

Peguei meu celular era quase 3 da manhã. Sem me importar, liguei para Ronan. Com certeza, ele me xingaria, mas eu não ligaria. Precisava falar com alguém. Apenas o toque infernal, que a mensagem havia ido pra caixa de mensagem. Olhei para o restante dos meu contatos e percebi que só tinha o número de outras 3 pessoas, além dos meus tios, Ronan, Lesly e Daniela.

Mordi meus lábios e teclei o número. Ela atendeu no segundo toque.

—Garota das letras na linha, quem fala? — ela disse e eu sorri.

—Que bom que você está de bom humor, mesmo tendo um dia difícil. — falei me virando de lado na cama.

—Acredite, foi o dia mais estranho que já tive em toda a minha vida. — percebi sua voz, não estava cansada como se tivesse acabado de acordar.

—Aliás, não acha estranho, um garoto estranho te ligar a essa hora da madrugada? — falei, ouvindo sua respiração do outro lado da linha.

—Breno, eu já invadi sua casa à noite sem nenhum motivo aparente. Acha mesmo que uma ligação é estranha? — logo, ela soltava aquela risadinha cordial.

Ah, eu não achei estranha sua invasão. — disse e sorri. Espero que ela também tenha sorrido.

Por alguns minutos, apenas ouvi sua respiração e ela a minha.

—Tive um sonho. — falei finalmente.

—Do que exatamente?

—Do dia que meus pais faleceram. — murmurei a última palavra. Não sei se ela ficou surpresa ou a ligação havia caído, mas Lesly não disse nada. — Enfim, eu não sonhava com isso, faz muito tempo. Precisava falar com alguém.

—Estou aqui. — Lesly disse.

Tive vontade de dizer naquele momento ''eu te amo'' para ela, mas parecia precipitado demais.

—Vamos mudar de assunto, foi muito legal o que fez por nós de assumir a culpa para o diretor, mas saiba que eu não concordo nem um pouco com isso. Éramos uma equipe. — falei rezando para não deixar ela no tédio.

—A culpa realmente foi minha, e não venha negar. — ouvi seu suspiro. — Droga, precisamos terminar as tabelas de exatas.

—Que tal amanhã? — falei apressado. — Quer dizer, que tal amanhã terminarmos os exercícios depois da minha aula?

Ouvi seu breve silêncio, mas logo ela completava:

—Marcado, então. — ela disse e eu sorri. — Preciso desligar.

—Tudo bem, garotas das letras. — falei ainda com um curto sorriso no rosto.

—Garota das letras, câmbio desliga. — ela disse rindo. — Boa noite, Breno.

—Eu te amo. — murmurei, mas ela já havia desligado. 

Amor Sobre RodasOnde histórias criam vida. Descubra agora