Hugo se sentou na minha frente, como todos os outros alunos com suas duplas. A curva em seu sorriso e o seu olhar de deboche me deixaram bem claro que aquela aula seria longa. Incrível como uma aparência angelical, não é nada quando a pessoa é um monstro.
—Podem começar. — a Sra. Ávila disse sorrindo.
Ficamos em silêncio por minutos ouvindo o ruído das outras duplas e sua misturação de línguas.
—Espero que um fracassado como você, saiba falar espanhol. — Hugo disse não deixando que eu desviasse o olhar. Ele era como uma serpente.
—Você não tem outros argumentos? Só me chama de fracassado. Se quiser te ensino alguns adjetivos. — murmurei com as bochechas quentes.
Era tanta conversa, que a própria professora não percebeu que não estávamos fazendo a atividade proposta. Ela passou logo atrás de nós, e Hugo soltou um sorriso para ela, que continuou a andar pela sala. Na minha frente, ele cruzou os braços.
—Está corajoso! Quem diria.— ele murmurou entre os dentes e se aproximou de mim, sem deixar que o olhar pousasse em outra coisa além de mim. Eu não tinha essa habilidade. — Acha que não vejo como você olha para Lesly? Apenas esqueça, ela nunca namoraria alguém como você.
—Ela namorou alguém como você. — retruco.
—O que você quer dizer com isso?— Hugo diz de punhos fechados sobre a mesa.
—Tente ser inteligente o bastante para interpretar. — falo. A linha de insultos de Daniela e Ronan podiam ser grande, mas a minha e de Hugo era o dobro.
—Por acaso você foi convidado para a festa de aniversario dela? Poxa, é mesmo. A mãe da Lesly não sabe que você existe. — ele retruca.
Engulo um seco. Eu sabia a data do aniversário de Lesly, mas imaginava que a relação entre mãe e filha, estava abalada demais para uma festa, além disso, ela não havia mencionado nada sobre uma festa. A professora passou novamente por nós, e Hugo soltou alguma palavra em espanhol que eu não decifrei.
—Lesly pode até te tratar bem quando vocês estão sozinhos, mas quando se trata de estar em grupo é outra história. — Hugo disse finalizando tudo com um sorriso. — Ela não gosta de você, lide com isso.
O sinal tocou.
****
—Para de correr Breno. — grita Ronan.
—Eu não posso correr, está lembrado? Não uso minhas pernas. — falo enquanto controlo velozmente minha cadeira. Minha respiração ofegante e não ajuda em nada também.
—Até você aderindo o humor negro. — ouço ele gritar, enquanto me alcança.
Dou risada e vou em direção ao estacionamento da escola, procuro o carro de Daniela. Vejo ela em um Corolla azul, colocando o material escolar no porta-malas. Me aproximo mais devagar. Logo ela me nota e sorri, mas encerra o sorriso quando Ronan se aproxima.
— Você está suando como um porco, Ronan. — ela diz cruzando os braços.
—Esse carinha aqui — fala apontando para mim. — Queria te procurar.
—Daniela, por acaso Lesly comentou algo sobre ela fazer uma festa. — falo finalmente, torcendo que a resposta seja não.
—Sim, recebi um convite magnifico para a festa de aniversário dela. Já estou indo provar meu vestido. — ela fala com um entusiasmo e eu mordo os lábios. Daniela para de falar por alguns segundos e olha para nós dois. — Por quê?
—Nós dois não fomos convidados. — Ronan fala tranquilo. — Pra variar...
—É impossível, ela convidou a escola toda. — diz balançando a cabeça negativamente. — Ainda mais vocês, que viraram amigos dela.
—Tudo bem. — digo.
—Talvez eu possa perguntar para ela...
—Não precisa. — digo soltando um meio sorriso.
—Quer companhia para casa? — Ronan me pergunta.
—Obrigado, amigo. Quero ir sozinho.
****
Eu acredito que a noite, serve para tudo, de você decidir qual curso superior irá fazer, até descobrir qual era a formula secreta de Einstein que nunca iremos saber. Meus travesseiros foram meus guias durante a noite. A cada vez que fechava o olho na tentativa de dormir, eu via meus pais. Claro que seria ótimo, se fosse uma lembrança agradável, como um de nossos piqueniques em família ou até a cena de mamãe me colocando pra dormir. Sentia falta do toque dela. Além disso, tinha Lesly. Como um ser humano, que leva apenas 5 letra o nome, pode roubar algo tão precioso, como meu coração?
Existia culpa em amar ela, pois isso querendo ou não, me atrasava um pouco.Tinha tudo para ser um pouco mais feliz, um amigo e meus tios. Para quê mais alguém para me amar? Por que amar alguém que não me correspondia?
Meu celular tocou e eu procurei ele entre mil lençóis. O visor de chamadas avisou que era o Batman.—O que é Ronan?— falo.
—Está de mau humor?— ele responde e ouço sua voz rouca.
—Não sei. Na verdade, durante os últimos 17 anos, eu nunca sei o que eu estou fazendo.
—Chega de drama, Breno. Você só não foi convidado para a festa da menina que você gosta. Não é o fim do mundo. — Ronan retruca.
—Não é isso.— suspiro.
—Então o que é?
—Eu não sei. Me sinto vazio.
—Isso é fome.
—Por que você estraga o momento?— falo e juntos soltamos uma risada.
—Porque sou seu amigo e estou cansado de te ver sofrendo por aquela menina. — ele diz e ficamos em silêncio por um breve segundo. — Nós vamos na festa dela sem ser convidado mesmo.
—Eu não vou. — digo rápido.
—Você vai sim ou lhe arrasto com sua cadeira, e se você reclamar te levo no colo.
—Duvido.
—Está achando que estou brincando?— ele diz entrosando a voz, me forçando a rir.
—Para de ver televisão e vai dormir. — digo sorrindo.
—Apenas se você parar de pensar em Lesly.
Dou risada e Ronan desliga a chamada. Me me viro para o lado da cama, em vez de ver meus pais, vejo um novo mês por vir.
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Amor Sobre Rodas
RomansaBreno fez fórmulas, resolveu equações e tentou telefonar para o além do túmulo de Albert Einstein, mas não conseguiu entender. Lesly fez rascunhos em guardanapos, comprou a última versão da gramática e releu os clássicos, mas também não conseguiu en...