Breno

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Completava nove anos da morte dos meus pais. Mesmo com tantas coisas acontecendo na minha vida, parei naquele dia para me concentrar apenas na minha família.

Vesti uma blusa preta e acendi uma pequena vela no jardim de casa.

—Querido? — Ouço Tia Veronica me chamar, ela está atrás de mim com um longo vestido preto e flores na mãos.

—Belas flores..

—Então, — Tia Veronica começa passando a mão sobre meus ombros e dando um leve abraço. — Quer que eu vá com você?

—Não precisa tia. Esse ano quero ir sozinho.

Ela suspira e coloca sobre meu colo as flores.

—Vou na igreja, estarei lá rezando. — ela me abraça novamente. — Seja forte meu menino.

****

Por conta da minha deficiência física de não poder andar, apenas me locomover com ajuda da cadeira, não costume ir em lugares sozinhos ou ne afastar muito de casa.

Até os quinze anos, minha tia insistia para me levar até a escola, depois de conhecer Ronan ela ficou mais tranquila, sendo que assim tinha um amigo para ir comigo.

O lugar mais distante que eu podia ir, era até o cemitério central da cidade, que ficava poucos quarteirões de casa.

Com as flores no colo, me arrisquei nas difíceis ruas da cidade. Se para uma pessoa comum é difícil andar nas movimentadas calçadas e ruas de uma cidade grande, imagine para um cadeirante.

Minutos depois já conseguia avistar o cemitério, um enorme semáforo nos separava.

Milhões de carros passaram e finalmente o semáforo ficou verde para os pedestres.

Com dificuldade pois as ruas estavam todas esburacadas atravesso, até que por azar a roda da minha cadeira de rodas caí em um buraco.
Tento me livrar a roda do buraco porém se eu der impulso para frente vou acabar caindo.

O semáforo fica no amarelo indicando alerta para os motoristas.
Tento dar impulso mais uma vez, mas vou cair.

O sinal fica verde. Ouço o barulho do acelerador de vários carros na minha frente.

— Ei moço. — alguém grita e consegue tirar minha cadeira do enorme buraco.

A pessoa me leva até calçada correndo e segurando a cadeira.

—Obrigado! — exclamo quando vejo a pessoa que me livrou de ser atropelado.

É uma senhora de cabelos pretos e com marcas de expressões. Ela aparenta ter a mesma idade que minha tia.

—De nada rapaz, é perigoso se locomover com essa cadeira nessas ruas.

—Eu sei. Mas uma vez obrigado!

—Cuidado garoto. Um dia um desses buracos pode te matar.

Diz a senhora enquanto corre pela calçada.

****

O jazigo da minha família ficava na primeira parte do cemitério. Foi uma exigência da minha tia, assim não precisava atravessar o cemitério inteiro com minha cadeira de rodas.

O dia estava bonito, céu azul e flores de cores variadas em todo lugar.

Me aproximo do jazigo que meus pais estão enterrados, os dois estão juntos. Coloco as flores no jazigo de mamãe que era apaixonada por qualquer espécie de planta.
Ela dizia que um jardim florido vale mais que uma sala de estar requintada.

Fico minutos ali, esperando que algo aconteça como nos filmes.
Espero que o vento sopre e eu consiga ver o fantasma dos meus pais. Mas isso não é Hollywood, é vida real.

—Mãe? — falo baixinho — Fechei o semestre com todas as notas altas. Tia Veronica falou que a senhora iria ficar toda orgulhosa.

Nada. Além do canto dos passarinhos.

—Pai? Finalmente disse para uma garota como eu gosto dela. O senhor iria adorar conhece la..

Me sinto ridículo por estar conversando sozinho, esperando que alguém me responda. Lágrimas começam a se formar no meu rosto.

—Como eu queria que vocês estivessem aqui — digo baixinho ainda chorando — nove anos sem vocês, nove anos preso nessa cadeira. Eu amo você. Amo muito!

Passo alguns minutos mais soluçando e chorando. Respiro e observo a foto da mamãe e do papai na lápide. Eram tão bonitos, por que morreram tão jovens?

Por que aquele caminhão bateu no nosso carro? Por que eu ainda estava vivo? Porquê?

Nenhum dos meus "porques" tiveram respostas.

****

Vou direito para o meu quarto quando chego em casa, meus tios provavelmente estavam na igreja, já que minha tia era bem religiosa.

Abri meu armário e peguei um álbum de fotos bem velho, limpei a poeira sobre e coloquei sobre o colo. Abri e vi minhas fotos de quando era criança com minha família.

Era um garoto magro, bem branquinho, com cabelos castanhos e uma franja que cobria meus olhos, do meu lado direito mamãe aparecia com um vestido médio amarelo, ela tinha cabelos cor de mel e o sempre com um lindo sorriso no rosto. Do meu lado esquerdo papai segurava minha mão, ele tinha os cabelos bem pretos e olhos azuis penetrantes.
Eramos uma pequena família feliz. Vi fotos dos meus primeiros aniversários.

—Breno? — vi alguém chamando e abrindo a porta.

Era Tio Luís.
Coloco o álbum sobre a cama e enxugo minhas lágrimas.

—Tudo bem meu garoto? — ele diz bagunçando meu cabelo.

—Sim.. É.. Só estava arrumando algumas coisas.. Nada demais.

—Breno. — Tio Luís dá um pequeno sorriso, ele se senta na minha cama e pega o álbum na mão.

—Tio!

—Breno, acho que já está na hora de se livrar disso.

—O quê? Nunca! — falo tentando pegar o álbum.

—Breno! Faz nove anos que você vive com a culpa de ter sido o único sobrevivente. Temos que acabar com isso.

—Não.. — digo baixinho.

—Vamos. Temos que esquecer um pouco isso. Sua tia chamou para irmos em uma pizzaria.

—Vocês querem comemorar a morte dos meus pais? — grito.

—Não diga isso — ele fala severo — Seus pais sempre foram alegres. Não iriam querer que o filho fique fechado e sozinho em um quarto com remorso.

—Prefiro ficar aqui. Pode sair agora? — falo desviando o olhar e pegando o álbum de suas mãos.

—Como quiser— ele fala antes de fechar a porta completa. — Enquanto dura o remorso, dura a culpa e você não teve culpa nenhuma no que aconteceu naquele dia.

Pego o álbum e continuo a ver as fotos, em todas as imagens vejo eles sorrindo, nunca com uma expressão triste e isso me deixa mais chateado ainda.

Respiro fundo, me sinto culpado por não ter morrido com eles. Por que tive que ser o único?

Talvez Tio Luís tinha razão, se não parar de me culpar o remorso não vai embora. Eu amava eles, mas não merecia passar a vida me lamentando.

Guardo o álbum no meu armário e saio do quarto. Tia Veronica e Tio Luís estão abraçados chorando. Quando eles me vê em se soltam.

—O convite da pizzaria ainda está de pé?

Amor Sobre RodasOnde histórias criam vida. Descubra agora