Voltei para o colégio 2 dias depois. Tinha agradecido por todo o tempo em casa tivesse acabado, já que eu não aguentava mais mamãe falando sobre vestidos de galã. Mas parecia que a mudança de ambiente, não tinha feito o assunto de festa acabar. Quando voltei pro colégio, Daniela fez questão que nosso assunto fosse esse, durante o intervalo.
—Já comprei o meu vestido. Ele é todo preto com uma barra prata, simplesmente maravilhosa. — ela disse sorrindo animada.
—Caramba, você vai estar mais bonita que eu. — falo. Daniela era linda. Tinha uma pele caramelo e sobre suas costas, recaí um lindo cabelo preto escuro. Perto dela me sentia um patinho feio.
—Quero ver seu vestido.— ela disse pegando uma barrinha de cereal e dando uma mordida logo em seguida.
—Ainda não está pronto.— falei revirando os olhos.— Minha mãe pediu para um costureira fazer sob medida. Bobagem. Tem vestidos lindos para se comprar, em qualquer loja de Fishers.
—Que chique... — ela disse arrancando uma curta risada minha. Logo, pareceu pensativa. — Já ia me esquecendo. Breno pediu para mim te entregar isso. —
Daniela tira a nossa tabela de exercícios de sua bolsa. Analiso a tabela e vejo que ele já resolve todos os exercícios sem mim. Havia faltado 2 para serem completados, mas aparentemente ele já tinha feito todo o trabalho pesado. Sozinho.
—Por que ele pediu para você me entregar? O que ele disse exatamente?— perguntei confusa.
—Bem, ele só falou que era para te entregar,e olha, ele parecia abatido.
****
Eu sei que sou uma inútil quando o tema é matemática, mas a atitude de Breno, de fazer sem mim só jogava isso ainda mais na minha cara. Ainda mais quando somos uma dupla e como regra, era obrigatório fazermos juntos. Com a tabela nas mãos, passo por todas as salas possíveis atrás de Breno, ele não almoça conosco, pois tem um horário de Educação Física. Corro diretamente para a quadra do colégio.
Atravesso a área de chuveiros e percebo como alguns garotos são desorganizados, já que tenho que atravessar um mar de roupas até a entrada da quadra. Vejo Breno de longe. Ele está em um canto da grande área verde, observando alguns garotos jogando a espécie de algum jogo violento, no qual o objetivo principal é proteger uma bola e não morrer.
—Breno? — grito e ele se vira rapidamente. Parecia que eu havia puxado ele pra realidade.
—Lesly? Você não pode entrar aqui. — ele fala, enquanto eu me aproximo em passos curtos.
Mostro a tabela para ele.
—Pensei que íamos fazer juntos — falo séria. —Tínhamos combinado.
—Só quis adiantar — Breno passa a mão nos cabelos. Parece um pouco atordoado.— ,aliás falta apenas a redação sobre escrever como foi trabalhar juntos e sei que você escreve bem...
—Acho que você não entendeu, — falo e vejo que alguns alunos estão nos observando. — Por que você fez sozinho?
O treinador apita e todos param de correr uns atrás dos outros.
—Já falei. Quis apenas adiantar. — ele fala ríspido.
Breno não olha para mim e vai para o vestiário. Vou atrás dele. Breno abre seu pequeno armário e troca de camisa, me encosto no armário ao lado e o observo ainda com a tabela em mãos.
—Está tudo bem? — sussurro.
—Você não pode entrar aqui. É área masculina. — ele fala mexendo o armário. Sei que ele não está procurando nada. Ele só não quer olhar para mim. Me ajoelho para ficar na sua frente, mas ele não parece perceber.
—Olha só, parece que os namoradinhos estão dendo uma discussão de relacionamento. — uma voz atrás de nós fala. Me viro e vejo Hugo, com vários colegas suados atrás. Aqueles garotos conseguem superar o adjetivo: nojento.
—Por que você não cuida da sua vida? — falo ficando em pé, finalmente. Vejo algumas risadinhas entre todos aqueles garotos.
—Então, você está realmente namorando o Breninho? — Hugo fala se aproximando de mim com aquele cabelo ruivo molhado.
—E se eu estiver? O que você tem haver com isso, garoto? — falo e vejo seu punho fechado novamente. Aquilo me deixava desconfortável de alguma forma, mas mantive a postura confiante.
—Lesly, por favor. Vá embora, você terá sérios problemas se te pegarem aqui. — Breno fala finalmente, segurando a minha mão de leve. — Depois conversamos sobre isso.
O modo delicado com qual Breno segura minha mão, me sensibiliza de algum modo. Como se ele conseguisse me acalmar com apenas um toque. Vejo o rosto vermelho de Hugo e seu punho fechado se desmanchando.
—Que bonitinho, — Hugo fala ficando na minha frente. — mas que tipo de pessoa é você, que não convida o próprio namorado pra sua festa?
O sinal toca e percebo o movimento do vestiário. Quando olho para trás, Breno já não está lá. Olho pro corredor por qual já está tomado de gente, e provavelmente, por Breno também e sussurro:
"Desculpa, por favor..."
****
Esperei todos dormirem.
Mamãe havia pegado o hábito de dormir tarde, já que estava sempre ocupada com os preparativos da festa. Desci silenciosamente as escadas, pulando de meia, degrau por degrau. Encontro a chave do carro de mamãe, na mesinha de centro da sala e atravesso porta afora.Não tem ninguém nas ruas, além do silêncio e a escuridão absoluta que tenta ser contida, por alguns postes de luz. Dou a partida no carro, com o único pensamento, que meus pais estejam muitos cansados e que não acordarão.
Durante o trajeto, vejo bem o que estou prestes a fazer novamente. De longe vejo uma janela familiar que está escura e também singela e modesta casa. A casa de Breno. Estaciono o carro duas casas antes da sua e encaro com dureza o frio que faz a noite. Me aproximo devagar da casa e percebo que todas as suas luzes estão desligadas. Não é difícil atravessar o jardim.
Como da última vez, vou para a janela do quarto do Breno. Consigo ver ele deitado na cama. Com cuidado, abro a janela e pulo para dentro do quarto. Breno dorme virado para a parede e não consigo ver seu rosto. Coloco o convite do aniversário ao lado de seu abajur que está desligado no momento.
Dou uma olhada no quarto. Está tudo como sempre. Organizado na maneira de Breno. Vejo de relance um livro na sua bancada. É de Júlio Verne. Abro e dou uma folheada, dentro dele, acho um diálogo grifado. Vou até a janela, onde a luz do luar ilumina a frase;
"Você já parou pra pensar que existem pessoas que contam os minutos para se afastar de você para você desaparecer, enquanto isso tem pessoas que te esperam o dia todo, só pra te ver, nem que seja um pouquinho pra poder falar com você?''
Leio duas vezes e vejo Breno se mexendo, me abaixo. Sinto que a frase, ironicamente, tem algum sentido sobre o afastamento de Breno pela manhã.
Coloco o livro no chão e olho para Breno novamente. Dessa vez, consigo ver seu rosto nitidamente. Não sei como anjos dormem mas provavelmente seja do mesmo modo que Breno. Seu sono era puro e suas mãos estavam abertas, como se procurasse algo para se agarrar. Coloquei minha mão sobre a dele e vi que estava quente. Ouço um barulho vindo de algum cômodo ao lado e me voltou correndo para a janela.
Corro para o carro, sem olhar para trás.
Mamãe havia convidado várias pessoas, mas apenas Breno eu queria realmente na minha festa.
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Amor Sobre Rodas
RomanceBreno fez fórmulas, resolveu equações e tentou telefonar para o além do túmulo de Albert Einstein, mas não conseguiu entender. Lesly fez rascunhos em guardanapos, comprou a última versão da gramática e releu os clássicos, mas também não conseguiu en...