Lesly

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Quando cheguei em casa duas coisas chamaram minha atenção.
Primeira: A porta da frente estava aberta, o que não era nada comum lá em casa já que mamãe vivia dizendo que marginais do bairro ao lado andavam pelas casas da redondezas e Segundo: Ouvi de lá de dentro duas pessoas brigando que eu conhecia muito bem, papai e mamãe.

Meus pais nunca brigavam, pelo menos não daquele modo fazendo toda a vizinhança ouvir.
A briga mais feia que eu já tinha presenciado dos pais foi quando eles discutiram na noite de Natal.
Todos os primos, tios, tias e sobrinhos do papai foram convidados e mamãe ficou chateada já que não tinha nenhum familiar da parte dela ali. Foi a primeira vez que vi mamãe perdendo o controle. Ela sempre quis passar imagem de uma mulher com uma carreira estável, um casamento maravilhoso e uma família feliz, mas naquele dia pareceu não se importa com nada disso.

Entrei devagar na casa que estava uma bagunça. Havia almofadas por toda parte, um vaso de canto estava quebrado e uma garrafa de uísque pelo chão.
Os gritos viam da cozinha e fui na pontas dos pés até lá, vi uma cena horrível.
Mamãe estava chorando descabelada e gritava com meu pai que fazia o mesmo.

PARE DE TENTAR ME MUDAR! POR FAVOR!

AGORA A CULPA É MINHA? EU ODEIO ESSE SEU HÁBITO. SABE O QUE OS VIZINHOS VÃO PENSAR DE MIM? — mamãe gritava.

SUA PREOCUPAÇÃO É ESSA? COM O QUE VÃO PENSAR DE VOCÊ? CANSEI DE TUDO ISSO MARÍLIA!

Mamãe andava pela cozinha com a mãos na cabeça. Vi a aliança de mamãe jogada no chão.

—Mãe? Pai? — falei entrando finalmente na cozinha e os dois pararam com a gritaria.

—Querida! Eu e o seu pai só estávamos.. Bem..

Mamãe parecia que queria chorar mais, rapidamente peguei suas mãos e a abracei.
Apesar de querer mandar na minha vida e ser inconveniente milhares de vezes, ela era minha mãe.
Ela continuou chorando enquanto me abraçava.

—Está tudo bem. Estou aqui. — sussurei em seu ouvido.

Papai veio em nossa direção e nos abraçou. Ficamos ali, os três chorando por minutos e naquele momento senti que ainda tinha uma família apesar de tudo.

Com a ajuda do meu pai, consegui levar mamãe para cama. Tirei a maquiagem borrada de seu rosto e coloquei sua típica camisola.
Antes de sair do quarto dei um leve beijo em sua testa. Mamãe precisava daquele descanso. Ela precisava de um tempo.

—Está tudo bem pai? — perguntei enquanto ele me abraçava até o meu quarto.

—Sim minha filha. Não precisa se preocupar, foi só uma briga de casal.
— ele falou com um meio sorriso.

—Não parecia uma simples briga de casal pai. Nunca vi mamãe chorar daquele jeito. — respondi tentando pressiona-lo a dizer o real motivo da briga.

Papai me deu um beijo na bochecha e abriu a porta do meu quarto.
Ele também parecia cansado, a barba estava por fazer e vi fios brancos em sua cabeleira castanha.
Já tinha visto fotos antigas do papai, ele era lindo. Lindo tipo galã da novela das nove.
Seu cabelo era do estilo John Travolta no filme Grease, a pele bronzeada e as roupas da época. Mamãe não cansava de falar de como era difícil manter o papai na linha já que ele era sempre paquerado por outras moças.
Mamãe também não ficava para trás. Tinha cabelos loiros quase brancos e uma pele de boneca. Sempre ouvi dizer que eles eram um dos casais mais bonitos do bairro e aparentemente o mais feliz também.

—Como foi a escola hoje Lesly? — papai perguntou enquanto ajeitava minha cama.

"Olha pai, eu estava indo para a minha aula de Estudos Sociais quando fui jogada (literalmente) no lixo. Não no sentido figurado, me jogaram em uma das caçambas de lixo da escola. Fiquei lá por mais de 4 horas, até que um bondoso morador de rua me ajudou a sair daquele odor horrível de peixe. Tirando isso, foi ótimo." era o que eu queria responder, mas o que saiu foi:

—Não teve nada de especial.

Papai ainda me tratava como criança, ajeitou a cama e colocou o lençol sobre mim.

—Boa noite querida. — ele falou já saindo pela porta.

—Pai. — chamei.

—Sim?

Peguei do meu bolso a aliança de casamento de mamãe que estava sobre o chão durante a briga. Estendi a mão para ele ver.

—Entrega para a mamãe quando ela acordar.

Mesmo parecendo resistindo a pegar o anel, ele estendeu a mão e pegou. Antes de sair pelo quarto me deu um beijo na testa reconfortante.

****

— Mas você não imagina o porquê da briga? — Breno perguntou no outro lado da linha. Minutos depois de papai sair do quarto me senti sozinha novamente, peguei o celular e liguei para a única pessoa que preencheria esse vazio.

—Não tem nenhum motivo plausível. Mamãe nunca tinha chorado como essa noite. Foi.. Assustador.

Vai ficar tudo bem. O seu pai parece um bom homem. — Breno falou tentando me reconfortar.

—Ela estava sem aliança e quando entreguei para o meu pai, percebi um certo receio em pegar o anel. — suspirei enquanto falei. — Desculpa, estou atrapalhando seu sono.

Não está não! Adoro falar com você, não importa o lugar, a hora. Gosto de ouvir o som da sua voz.

—Temos que começar o trabalho. - falo mudando de assunto.

Sim, mas temos que achar um lugar para fazer. Na sua casa tem sua mãe que me odeia, aqui em casa não vai dar.

—Por quê? — pergunto.

Tem muita gente e precisamos de um lugar para se concentrar de verdade, já que esses exercícios são mais complexos.

—Acho que sei um lugar. — falei levantando da cama e indo em direção a gaveta do meu criado mudo.

Sabe? Para onde?

Da gaveta tirei um mapa com um rota de uma capela abandonada que ficava poucos kms do bairro.

—Breno, amanhã passo na sua casa depois do almoço. Vamos para nosso novo local de estudo.

Amor Sobre RodasOnde histórias criam vida. Descubra agora