—Temos uma nova aluna crianças.
Lesly entrou na sala, ela olhou para todos os alunos fascinada.
—Crianças, essa é Lesly. A nova aluna da nossa turma de artes. Pode escolher um lugar para sentar querida. — disse a professora encaminhando Lesly pela sala.
—Aqui Lesly! — acenou um garotinho ruivo. Era Hugo. Ele sentava na minha frente — Senta aqui do meu lado, tenho vários lápis de colorir novos.
A garotinha mesmo desconfiada sentou-se ao lado de Hugo, que pegou sua mão e começou a mostrar minha caixa de lápis de cor nova.
—Podem começar a desenhar queridos.
Peguei o giz de cera e comecei a desenhar o retrato de Lesly, cabelos castanhos curtos, olhos verdes..
Cutuquei seu ombro. Ela continuava a desenhar entretida na atividade. Cutuquei novamente.
—Olha Lesly.. Desenhei você. — digo baixinho para ela.
Coloco a mão sobre seu ombro para quem sabe assim ela virar e ver o desenho, mas sinto Hugo batendo na minha mão.
—Deixa ela em paz cadeirante.
****
Fico deitado na minha cama. Encaro o teto por horas esperando que alguém invada minha janela.
Não sei exatamente o que falarei para ela quando chegar, por anos treinei esse diálogo. Eu diria que a amava e que desde a quinta série nunca olhei para outra garota além dela.Alguém bate na janela que já está destrancada. As mãos graciosas de Lesly levantam a janela e ela entra como da última vez.
Ela está com um vestido amarelo e cabelos soltos, quase um anjo. Quando me vê, sorri e senta ao meu lado.
—Oi.. Eu disse que viria.
Me ajeito na cama para ficar mais confortável.
—Obrigado por vir. — falo arrumando meu cabelo bagunçado, já estou de pijama mas não me importo. Quero apenas ela comigo.
O silêncio toma conta do ambiente. Ouvimos o barulho da noite que vem de lá fora.
—Lesly, — começo e ela se vira para mim — Tenho tanta coisa para te dizer. É muitas palavras guardadas.
—Prometo que não direi nada até você acabar. — Lesly diz pegando minha mão, o que me faz ficar mais nervoso.
—Você se lembra na quinta série? Quando entrou na turma de artes do Hugo? Foi a primeira vez que te vi. —comecei a rir sozinho — Eu achei você tão linda e logo prometi que quando crescemos iríamos nos casar.
Lesly dá uma leve risada e continua concentrada com o que digo.
—Desenhei você logo no primeiro dia, mas Hugo não me deixou te entregar.
—Sempre estive cercada por ele. — Lesly fala — Ele é como se tivesse sido uma cerca elétrica que me cercava e depois de anos enfrentei essa cerca há escalando — ela solta minha mão e ajeita meu cabelo que está sobre meu rosto e continua: — levei alguns choques mas sobrevivi.
—Tenho desenho guardado ainda. — digo e aponto para meu caderno preto que uso como agenda.
Lesly pega o enorme caderno. Entre milhares de folhas lá está o desenho. Ele sobreviveu ao tempo bravamente e a folha está impecável. Sem bolor ou manchas do tempo.
—Ficou até bonito para ter sido feito por um menino — Lesly diz com o desenho nas mãos. — Obrigada!
Ela dá um lindo sorriso e continua a admirar o desenho feito pelo pequeno Breno.
Me deito na cama encarando o teto novamente e para minha surpresa, Lesly deita-se ao meu lado.—Se incômoda se eu guardar para mim? — Lesly pergunta ainda olhando o desenho.
—Pode ficar, afinal fiz para você mesmo. — digo sem olhar para ela.
Me pego olhando para o nada e falo sem pensar:
—Desculpa Lesly..
—Desculpas pelo o quê?
—Me perdoe se não tive coragem para expressar o que sinto por você. — respiro e continuo — Imagino os teus lábios tocando nos meus, suas mãos passeando sobre mim, tento me concentrar, não pensar nisso. Mas toda vez que escuto seus passos pelo corredor, meu coração dispara, perco a concentração novamente. Eu sou bobo.
—Não te acho bobo.
—Por quê?
—Quem é que ama outra pessoa por anos em segredo e mesmo com o tempo passando esse amor continua forte e firme?
Ainda estamos deitados, os dois encarando o teto.
—Sei que você não gosta de mim, do jeito que gosto de você, mas..
—Não diga isso — Lesly me corta — Eu não sei. Estou confusa.
—Enquanto não tiver certeza desse amor, quero que saiba que não poderei gostar de outra pessoa. Você é algo especial que nem mesmo eu posso explicar... Eu te amo.
Finalmente aquelas palavras que estavam engasgadas por anos saíram. Senti um alívio como nenhum outro. Olhei para o lado e vi a reação dela. Estava encarando o teto ainda, não se mexeu, não pronunciou nenhuma palavra por alguns minutos.
—Breno — ela disse finalmente — Vou ser bem sincera com você. A primeira vez que te vi pra mim não era nada além de mais um na minha vida.Você não era importante aos meus olhos... Só era mais um na minha vida. — Ainda olho para ela — O tempo foi passando e durante nossas longas conversas fui te conhecendo, te percebendo e vendo o quanto era diferente dos outros. Você consegue sorrir. — A voz dela está engasgada como se Lesly estivesse prestes a chorar — Você sorri mesmo com a morte do seus pais, mesmo sendo maltratado por muitos. Você é delicado com todos. Breno, você não é deficiente. Nós que vivemos com você que somos. Você é bondoso. Nós somos cruéis.
—Você não é cruel.
—Vivi por anos sendo comandada por outros e se eu não estivesse entre influência de outros? Será que tudo teria sido diferente?!
—Acho que sim. — falo agora olhando finalmente para ela.
—Não teria.. Porque não existe essa de ser influenciado. Fui o que fui porque quis. Tinha medo de mostrar quem eu realmente sou. Você me ajudou muito.
Repensei meu jeito de ser, meu jeito de viver e até o meu jeito de ver e entender as coisas.
Ela pega minha mão e eu seguro como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.—Não sei se sinto o mesma coisa que você. Não sei se é amor. Mas eu gosto de você e de sua companhia. Preciso refletir.
—Esperei mais de cinco anos Lesly. Eu espero o tempo que for por você..
—Mas apesar de tudo, fico feliz que você tenha demonstrado sem medo o seus sentimentos.
Dou um sorriso tímido.
—Lembra quando escrevemos no papel nossos piores sentimentos e depois queimamos? — faço que sim com a cabeça e Lesly continua — Devemos fazer mesma coisa com os bons sentimentos, porém em vez de queimar, devemos distribuir, como beijos, abraços, sorrisos...
—Lesly, você será uma ótima psicóloga. — digo.
Ela sorri e se vira para o meu lado. Por alguns minutos nos olhamos sem dizer nada. Vejo seus lindos olhos verdes brilharem. Me aproximo mais de Lesly, mas ela levanta e me dá um carinhoso beijo na testa.
—Melhor eu ir.
****Abri meus olhos e ouvi o barulho dos pássaros lá fora.
"Tudo não passou de um sonho". Concluo.—Querido! — ouço Tia Veronica grita e entra no quarto — Bom dia!
—Bom dia. — digo preguiçoso.
Ela vai até a janela para abrir as cortinas e percebe algo.
—Breno! Você deixou a janela aberta novamente. Quantas vezes vou ter que repetir? Feche a janela toda noite. E se um maluco decide entrar aqui?
Então não foi um sonho. Lesly esteve mesmo aqui. Fecho os olhos e continuo ouvindo o sermão de tia Veronica.
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Amor Sobre Rodas
RomanceBreno fez fórmulas, resolveu equações e tentou telefonar para o além do túmulo de Albert Einstein, mas não conseguiu entender. Lesly fez rascunhos em guardanapos, comprou a última versão da gramática e releu os clássicos, mas também não conseguiu en...