—Bom pessoal, como eu havia prometido vocês mesmos vão formar duplas, — O professor Henrique de matemática falou na aula do dia seguinte. — Depois do sucesso do trabalho anterior vocês merecem ter esse privilégio. Vocês terão dessa vez apenas quatro meses, já que em Novembro teremos o baile de formatura e outros eventos escolares.
Olhei animada para Breno.
Engraçado como em poucos meses a vida de alguém muda. Era para ser um simples trabalho de resolução de exercícios e se tornou uma mudança de ponto de vista e de vida.
Achei um alguém que mudou minha vida simplesmente por estar nela. Alguém que já me fez rir até não poder mais parar. Alguém que me fez acreditar que realmente tem algo bom no mundo.
Alguém que tem nome, sobrenome e rodas. Breno.****
—Temos que começar essa tabela logo — Breno falava enquanto saíamos da sala — Temos que resolver problemas de contagem utilizando o princípio multiplicativo ou noções de permutação simples ou combinação simples.
Apenas concordei com a cabeça fingindo que havia entendido tudo. Breno percebeu meu tédio e pegou minha mão.
—Não fica entendiada garota das letras, eu te ajudo a utilizar o dispositivo prático de Briot-Ruffini na divisão de polinômios.
—E eu te ajudo a fazer uma redação. Combinado? — juntos demos uma risada. — Melhor eu ir para minha aula de Estudos Sociais. Te vejo na hora da saída?
—Estarei te esperando. — Breno diz sorrindo.
****
Passei pelo banheiro feminino antes de ir para aula.
Algum engraçadinho havia colocado um tipo de coisa viscosa na tranca do meu armário.
Lavei as mãos com o sabão líquido restante que tinha ali. Pensei de como outros alunos sofriam isso constantemente e essa era minha primeira vez.
Por anos vi Hugo fazendo isso com os alunos e nunca me importei. O jogo havia virado.Sai do banheiro ainda secando as mãos. Os corredores estavam vazios e eu já estava planejando a desculpa que falaria para meu atraso na aula de Estudo Sociais.
Enquanto andava pelos corredores percebi a presença de alguém.
—Ei! — gritaram logo atrás de mim.
Me virei e vi três alunos do terceiro ano. Eram do time de futebol. Fizeram um gesto pedindo silêncio e me pegaram pelos braços.
—Me solta! Eu vou gritar!
O rapaz que segurava meu braço deu uma meia risada.
—Você não vai querer gritar vai por mim.
Tentei fazer eles me soltarem porém foi em vão. Eles eram enormes e seguravam meu braço de um modo brusco.
Saímos da escola e fomos para sua a lateral. Havia vários caçambas se lixo ali. Eu já sabia o que eles fariam e como previ fizeram.
Um dos sujeitos me pegou pelo colo e me jogou dentro de uma das caçambas. Os outros dois fecharam e consegui ouvir a risada debochada.
Tentei abrir, mas estava trancada.
O almoço do dia tinha sido peixe, o odor desagradável estava no ar. Dali por diante nunca mais colocaria nada marinho na boca.—Tem alguém aí? — gritei para assim quem sabe alguém me ouvir, mas estava tudo silencioso do lado de fora.
Tive que me aconchegar de algum modo naquele entulho.
Peguei o celular e acendi a luz traseira. Vi várias folhas de caderno coladas na parte de cima da caçamba.
Li uma que estava escrita com canetão e parecia a mais antiga ali."Legal essa caçamba né? Todas as quartas-feiras depois do almoço sou jogado aqui. Se você é novo, relaxa, um dia se acostuma. Tampe o nariz e espere até a última aula. Sempre vem moradores de rua fitar o almoço descartado."
Encolhi as pernas. Aquele lugar me dava arrepios.
Como alguém se acostumada com aquilo?
Havia outra recado que me chamou atenção:"Somos jogados no lixo, por lixos humanos. Ironia né?"
Uma vaga lembrança vem à tona naquele instante e por lembrar dela, acabei me sentindo parte do ambiente. Um lixo.
****
—Joga logo ele cara! — Hugo ordenou para um dos sete meninos que estavam ali.
Tínhamos doze anos e estávamos em frente a mesma caçamba que anos depois eu tinha sido jogada.
Pegaram um menino magro, moreno, que usava uma blusa do Homem-Aranha. Era Ronan.—Bem-vindo ao seu habitat natural. — Hugo falou rindo, enquanto fechava a caçamba de lixo.
—Vamos logo Hugo! — gritei, estava do lado dele vendo tudo. — Você falou que íamos ao cinema.
—Calma Lesly! Tem mais três garotos.
Esperei ele jogar o restante dos garotos e depois sai de mãos dadas com ele, em direção ao cinema, sem me importa com aquelas crianças que ficariam horas naquelas caçambas até serem achadas.
****
Quando fui encontrada por um dos moradores de rua, eu estava chorando.
—Você é nova, hein! — o senhor falou enquanto me ajudava a sair dali.
—Obrigada! — sussurrei assustada. Me senti horrível. Meu cabelo tinha o odor desagradável de peixe e minhas roupas também.
—Você é muito bonita para ser jogada assim nesse lixo. Isso não é lugar para uma dama.
—Isso não é lugar para ninguém. — falei. O senhor mesmo sendo um morador de rua ainda sorria, não se importava com suas roupas rasgadas ou a sujeira que cobria seu rosto. A minha carteira ainda estava comigo, peguei e tirei uma nota de 20 reais. — Tome! Vá comer algo em um lugar digno.
Sem exitar o senhor pegou a nota e deu um longo sorriso.
—Obrigado! Muito Obrigado! Que Deus te ajude por estar ajudando o próximo mesmo depois dessa situação.
Balancei a cabeça negativamente.
—Já fiz coisas ruins no passado. Não quis ajudar o próximo.
—Minha filha.. É atraves das ações positivas e ajudando ao proximo é que estamos reparando erros do passado.
Sorri e olhei no relógio. Já era hora de ir embora, as aulas haviam terminado. Eu não podia voltar para casa naquela situação, mamãe faria diversas perguntas e viria na escola para saber o que havia acontecido. Decidi esperar a única pessoa que podia me socorrer naquele momento.
Breno.
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Amor Sobre Rodas
RomanceBreno fez fórmulas, resolveu equações e tentou telefonar para o além do túmulo de Albert Einstein, mas não conseguiu entender. Lesly fez rascunhos em guardanapos, comprou a última versão da gramática e releu os clássicos, mas também não conseguiu en...