Breno

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Dos meus cinco sentidos apenas um funcionou: Audição. Ouvi coisas que já tinha ouvido há muito tempo atrás. Barulhos de pessoas correndo, vozes pedindo ajuda, choro. Era tudo tão familiar, tudo tão igual do que havia ocorrido anos atrás. Eu já tinha vivido a mesma sensação.

—Não! A minha filha não! — ouvi uma voz aguda porém distante gritar.
Essa voz agora gritava, mas gritava de uma maneira dolorosa que me fez sentir calafrios e logo alguém tocando na minha pele. Agora dois dos meus cinco sentidos funcionou: Audição e Tato.

—Meu menino, meu menino...

Essa mesma pessoa que falava me tocou na testa e se aproximou de mim. Senti um cheiro, mas não de perfume. Era um cheiro de afeto e proteção que eu conhecia: tia Veronica. Agora três sentidos funcionavam: Audição, Tato e Olfato.

Minhas pálpebras se abriram lentamente e vi apenas vultos e silhuetas. Vi tia Veronica na minha frente chorando e gritando alguém, vi tio Luís ao seu lado ele estava com o rosto vermelho e não consegui distinguir se chorava, vi um garoto alto de terno azul claro desesperado, andando de um lado para o outro e uma garota com um vestido branco sentada e chorando, chorando muito.


—Ele está acordando! Ele está acordando! — gritou tia Veronica.

Todas as silhuetas se viraram para mim e consegui distinguir seus rostos. Além dos meus tios, eram Daniela e Ronan que estavam ali.

—Graças a Deus!— alguém falou.

Vendo tudo nítido, abri os olhos e vi que eu estava em uma espécie de maca com aparelhos ao seu lado. Olhei para os meus braços, eu não trajava meu terno. Meus braços estavam completamente nus e totalmente arranhados e machucados. Tio Luís se aproximou de mim e o vi chorando. Ronan se aproximou também com o rosto coberto de lágrimas. Minha cabeça doía como se tivesse sido tombada em algo.

—Você consegue me ouvir, querido?— Tia Veronica perguntou.

—Sim. — murmurei baixo.

Ouvi um grito novamente, o que fez todos irem para a sala do lado, menos tia Veronica que pegou minha mão e continuou a chorar. Esse grito era alto e ficava cada vez mais doloroso. Vi Ronan voltando com Daniela em seus braços, ela se debatia e gritava.

O que está acontecendo? — perguntei, mas ninguém ouviu.

—A minha amiga! Não, não.. Não! — Daniela gritou.

Senti que minhas vistas queriam se embaçar novamente, mas lutei por isso. Tia Veronica soltou minha mão e foi ao encontro de Daniela e a abraçou.

—Minha filha! — aquela voz continuou a gritar.

Lesly. Pensei, onde ela estava?
Tentei mover a mão e vi Ronan se aproximar de mim. Ele estava chorando descontroladamente como eu nunca tinha visto. Ele pegou minha mão e senti-me reconfortado.

—Minha amiga. Não, por favor. —Daniela gritou ainda sendo abraçada por tia Veronica. A cada grito de Daniela, Ronan chorava mais e apertava minha mão com força.

Ronan? — murmurei um pouco mais alto. Minha voz estava rouca e era difícil de ser ouvida, porém ele me olhou como se tivesse escutado. — Cadê a Lesly?

Naquele momento vi que Ronan não se aguentou mais e lágrimas a mais surgiram no seu rosto. Ronan soluçava e apertava minha mão. Vendo meu amigo chorar, senti lágrimas surgirem no meu rosto.

Cadê a Lesly? — murmurei.

—Me desculpe.

A voz mais alta que gritava apareceu sendo arrastada por enfermeiros até onde eu estava. A mulher estava totalmente descontrolada e se debatia nos braços dos enfermeiros. Mesmo com a vista querendo voltar a vê vultos, eu reconheci aquele cabelo loiro e os trajes verdes claros. Era dona Marília e ao seu lado o pai de Lesly com os olhos tão vermelhos quanto as rosas que queria presentear sua filha.

—Minha filha! — Marília gritou ainda sendo segurada pelos enfermeiros.

Ronan apertou minha mão com mais força e vi Daniela sendo levada para longe com a ajuda de tio Luís e tia Veronica.
Senti que iria ficar inconsciente e em vez de silhuetas humanas, eu comecei a ver vultos novamente.

Ronan, cadê a Lesly? — murmurei e pelo gesto que vi em seu rosto ele me ouviu. Ele não respondeu e tentei apertar sua mão que estava entrelaçada com a minha. - Por favor, cadê ela?

Vi vultos que trajavam branco arrastando uma maca coberta com uma espécie de plástico. Mas uma parte estava descoberta e rapidamente consegui ver um vestido azul safira. O mesmo vestido que Lesly usava. Era ela na maca. Dona Marília continuou gritando e foi controlada para não impedir que a maca passasse. Ronan apertou minha mão ainda mais. Olhando metade daquele vestido azul safira me fez relembrar sobre o baile de formatura, eu indo na casa de Lesly, as luzes apagando e o grito. Aquele grito e aquela voz, tinham dona. A dona agora estava ali, trajando ainda seu vestido azul. Outra silhueta apareceu, ele encostou a mão sobre o ombro do pai de Lesly que estava sentando no chão desolado.

—Fizemos tudo que podíamos. — a voz da silhueta falou.

—Eu quero morrer. Ela não, ela não.— Marília gritou.

Queria que fosse um pesadelo quando a maca saiu da minha vista, um engano, um terrível engano, mas não era. Tentei conter as lágrimas, mas a dor era tanta que transparecia. Senti meu corpo doer quando dona Marília deu seu último grito. Aquele sentimento doloroso não cabia em mim. Eu era pequeno demais para tanta dor.

Fechei os olhos e me deixei perder no escuro novamente.

Amor Sobre RodasOnde histórias criam vida. Descubra agora