Capítulo 14 - Lar doce lar.

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Faziam exatos vinte dias em que eu estava naquele bendito hospital. Eu estava completamente enjoada da cor branco.

- Beatriz, tenho ótimas notícias! - disse o médico entrando.

- Irão trocar a agulha na minha mão? - disse irônica.

- Muito engraçado mocinha, mas não. Você recebe alta hoje!

- Sério? - eu e minha mãe dissemos juntas.

- Pois é, agora vocês poderão dormir na casa de vocês!

- Obrigada Deus! - disse erguendo os braços.

- Daqui quinze minutos eu volto para te entregar alguns documentos e vocês poderão ir embora.

Tchau, quarto branco! Tchau, hospital! Até nunca mais!

|•|

Sentir o cheiro de tinta à óleo do nosso apartamento era maravilhoso, era reconfortante.

Lar doce lar.

A primeira coisa que queria ouvir era o latido de um certo alguém, mas não ouvi.

- Cadê o Ramires? - disse.

- A Gabi está cuidando dele.

- Então vamos buscá-lo! - eu já ia em direção ao elevador até que a minha mãe me impede.

- Bia, talvez você tenha se esquecido mas você acabou de sair de um coma! A senhorita terá de ficar em repouso por mais algum tempo.

- É que eu estou com tanta saudade dele.

- Eu mesma busco ele ou a Gabi pode trazê-lo. Agora eu vou tomar um banho, e você deveria fazer o mesmo. - e saiu pelo corredor.

Fui direto para o banheiro. Eu sempre agradecia - mentalmente - o fato de a minha mãe ter comprado um apartamento que tivesse dois banheiros, um para cada uma, apesar de ela ficar com a suíte e eu com o banheiro que as visitas iam, era bom ter algo só seu - ou quase -.
Durante os dias em que estive no hospital, eu evitava o máximo de me olhar no espelho, era como se lá eu me sentisse pronta para morrer, é difícil de explicar. Mas no exato momento em que olhei o reflexo daquela menina percebi que eu poderia ficar mais algum tempo sem me olhar. Meu cabelo loiro estava meio verde por causa do dia em que fui no clube, embaixo dos meus olhos havia olheiras avermelhadas e roxeadas. Sabe quando a pessoa é branca num nível de mostrar as veias? Eu estava assim, embora fosse melhor do que o vermelho "camarão" de antes. A minha aparência era de quem estava doente ou com anemia. Como minha mãe me deixou chegar a esse nível?
Abri o chuveiro e deixei os jatos de água morna caírem na minha cabeça e escorrer até os pés, era relaxante. Era relaxante sentir a espuma com cheiro de morango do shampoo no meu cabelo e o sabonete por todo o meu corpo.
Quando terminei segui pelo corredor (já que o banheiro ficava ao lado da porta do meu quarto) e parei em frente à uma porta com uma mini moldura de quadro retrô. Era o meu quarto. Abri a porta e só naquele momento percebi a falta que eu sentia daquele cômodo de paredes azul celeste com inúmeros quadros, pôsteres e luzinhas. Dei um pulo na minha cama, embora senti um pouco de dor na costela que eu havia quebrado. Mas a sensação de saber que eu não precisaria dormir no hospital e que aqui que eu passaria o resto dos dias era algo... Formidável.
Sabe aquele momento em que você deita em algum lugar, estica os braços e pernas e fecha os olhos? Foi o que eu fiz. Fechei os olhos e respirei fundo, senti o cheiro do meu quarto. Só que nesse meio tempo de "meditação", eu acabei adormecendo.

|•|

Acordei com o barulho que meu estômago fazia. Olhei em volta e vi que eu ainda estava enrolada na toalha, embora provavelmente fosse minha mãe que tivesse me cobrido.

Quantas horas eram?

Eram 9:15. Ou seja, além de ter dormido de toalha eu havia dormido mais do que doze horas.
Fui até a cozinha e vi um bilhete colado na geladeira.

"Bia, tive que voltar a trabalhar. Seu café está dentro do microondas e não se esqueça de tomar seus remédios. Chego em casa mais cedo e qualquer coisa me liga!
Te amo, mamãe."

Eu estava feliz por ela poder trabalhar novamente, não precisar dormir naquela poltrona e voltar com a rotina dela. Para ser bem sincera, eu me sentia bastante culpada por ela ter tido que ficar todos aqueles dias comigo.
Aquele misto quente que a Camila tinha preparado para mim estava sendo devorado em segundos mas foi interrompido pelo toque do meu celular.

... Alô?...

... Bia?...

... Oi, vó! Que surpresa!...

... Como você está? Sua mãe me contou que você recebeu alta ontem à noite...

... Eu estou bem, às vezes sinto dor na costela mas tenhos remédios para isso. Quando você vem?...

... Eu fui te visitar logo quando você se machucou, mas eu tive que voltar para Curitiba por causa da peça, sabe? Mas no Natal estarei aí!...

... Eu não sabia que você esteve aqui em Porto Alegre...

... A doida da sua mãe deve ter esquecido de te avisar...

... Por falar nela, estou pensando em armar um encontro com ela e um cara que ela gosta...

... Como assim?...

... Ela diz que não gosta, mas eu sei que gosta sim. Logo, logo a dona Camila estará comprometida...

... Cuidado com o que você apronta, Bia! Mas agora eu preciso ir. Um beijo, Amorzinho!...

... Tchau, vó...

Que saudade dela. Ela é incrível.
Eu sei que eu havia acabado de sair do telefone, mas eu o utilizaria novamente, era urgente.

... Alô, Gabi?...

O Som do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora