Capítulo 76 - Uma confissão na cozinha da mansão.

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   Todas as noites jantávamos juntos, eu, meu pai, a Alice e a Juliana. Era bom? Não, mas também não era a pior coisa do mundo. A verdade era que eu já tinha me acostumado a morar naquela mansão, no entanto preferia infinitas vezes morar com a minha mãe e o Ramires, e todos os dias eu me pegava pensando neles, como será que estavam? A saudade aumentava incontrolavelmente e eu só queria voltar para casa.
   Com o passar dos meses percebi que não era a pior coisa do mundo morar com aqueles três, cada um ficava no seu canto e isso era a melhor coisa porque eu não estava afim de fazer amizades. Eu e meu pai continuamos na mesma, nos víamos apenas no jantar e era como se fôssemos apenas conhecidos, nada mais que isso. E pela primeira vez não desejei que as coisas voltassem a ser como antes, eu tinha mudado e ele também, e não podíamos simplesmente do nada ter aquela cumplicidade de antes. E eu estava satisfeita com aquilo, acho que foi a melhor coisa que fiz ultimamente, ele precisava fazer o que quisesse e eu também. Mas o importante era que eu sempre lembraria de todas as coisas boas que vivemos, e agora, eu não tinha raiva por tudo o que me fez passar ou por me tirar da minha própria casa, eu o amava e estava satisfeita com a nossa nova relação.

- Como foram o dia de vocês? - o meu pai diz.

- Acreditam que o meu chefe escorregou na frente do escritório inteiro? - a Juliana diz.

   E todos rimos.

- O meu dia foi bem corrido, estamos nas últimas semanas de aula e temos vários trabalhos. - a Alice diz.

- Mas logo, logo estaremos em Puerto Rico aproveitando nossas férias! - ele fala colocando um pedaço de torta de legumes na boca - E você, Beatriz?

- Fui para a aula, para o ballet e fiquei no jardim desenhando. Nada demais.

- Você deveria fazer alguma faculdade relacionada à arte, Beatriz. - a Juliana diz.

   Sim, ela não era má. Era simpática e tentava fazer com que eu me sentisse em casa. Pelo menos minha mãe foi trocada por uma mulher legal.

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   Estávamos em dezembro e as apresentações do trabalho semestral seriam neste final de semana, os pais poderiam ir visitar nossa Feira Cultural e assistir às apresentações, as poesias recitadas, poderiam comer comidas típicas e tudo mais. Era uma correria só, já que na outra semana seriam as provas finais e finalmente o segundo ano do colegial eu teria completado.
   Eu me sentia aliviada por entrar de férias para que um novo ano começasse, mas era horrível a ideia de não ter o Carlos para sentar comigo e a Gabi na nossa mesa de sempre. 

- Que trânsito é este? - a Alice diz.
   Foi aí que percebi que estávamos parados em um pleno engarrafamento.

- Provavelmente algum acidente, senhorita Alice. - o motorista diz.
- Eu preciso chegar logo, terei visita hoje. - ela continua - E provavelmente já deve ter chegado.

   Não era nada legal ter que esperar os carros se movimentarem para podermos voltar para a mansão. E enquanto aquilo acontecia, eu continuava escrevendo no meu caderno. Eu não sabia dizer se algum dia leria tudo o que venho escrevendo quase todos os dias, mas não pretendia jogar nada daquilo fora.
   E depois de quase meia hora esperando naquele carro, finalmente chegamos e fui direto para o meu quarto trocar de roupa. O clima de Porto Alegre estava bem quente e eu não queria ficar com roupas apertadas. Sabe aquele dia que você só quer colocar uma blusa sem mangas, uma calça confortável e chinelos? Era eu naquele dia.
   Algum tempo depois do almoço, desci as escadas e fui direto para a cozinha. Tinha ficado com vontade de comer doce. Abri a geladeira e peguei um pacotinho de confeitos de chocolate e como sempre fazia, me sentei na bancada da cozinha enquanto comia aquele doce.

- Bia?

   O que o Caíque fazia aqui?

- Então você é a visita da Alice.

- Só por causa da Feira Cultural. Mas e você? Não sabia que estava passando alguns dias aqui.

- Eu moro aqui agora, desde que voltamos do Acampamento. Meu pai foi até a Justiça e conseguiu minha guarda por tempo indeterminado.

- Então era por isso que te vi chorando aquele dia. - ele se aproxima.

- Apesar de tudo o quê me disse, eu não chorei por ti. - digo me descendo da bancada - Você não é o centro do mundo só porque é uma celebridade.

   Eu não queria conversar com ele. Durante todos estes meses tentei esquecer o que eu sentia por ele, mas eram sempre as coisas boas que eu lembrava e que me faziam gostar dele cada vez mais, porém eu não queria sofrer mais.
  Desso da bancada e tento sair dali, mas ele segura meu braço e me prensa contra o balcão da cozinha.

- Eu sinto muito pelo que te disse antes. - ele me olha - Eu estava confuso.

- Foi você quem me escreveu um sol? - digo.

   A sua presença ali tão perto, fazia minha respiração acelerar incrontolavelmente e meu corpo arrepiava a cada vez que ele tocava meus braços.

- Foi. - ele dá um leve sorriso - Eu queria me desculpar com você mas não tive coragem. Sei que fui um babaca contigo mas nesse tempo percebi que... Que gosto da sua compainha e que sinto falta de quando conversávamos direto. Eu gosto de você, Bia. Muito.

   Meu corpo inteiro tinha paralisado. Eu não sabia o quê fazer, o quê dizer, como agir... Estava completamente sem reação. Ele tinha acabado de dizer que gostava de mim da mesma forma que eu dele. Não foi isso que desejei? Então por que eu estava tão confusa?
   Ele susurra mais uma vez "Eu gosto de você, Bia" e me beija. Nosso beijo era calmo e lento, não tínhamos pressa para nada, mas eu não queria aquilo. Queria parar de gostar dele e cada um continuar com sua vida.

   E me afastei.

- Sinto muito, mas não posso. - e saí correndo dali o mais rápido possível.

O Som do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora