O sinal tocou. Isso significava que o final de semana estava começando e que eu finalmente poderia ir para casa e aproveitar meu cachorro.
Mais uma vez meus amigos ficariam depois das aulas para o ensaio da peça, na verdade, a maior parte da semana foi assim, eles nos ensaios e eu indo para casa sozinha, o que era bom. Às vezes era bom andar sem companhia e observar os pequenos detalhes. O céu naquele dia estava completamente cinza, o pipoqueiro que sempre ficava na porta do Absoluto não tinha ido antes da aula começar naquela manhã, a professora de Sociologia estava com a calcinha marcando, os alunos andavam rapidamente em busca da saída para aproveitarem ao máximo o final de semana...- Amanhã nós vamos naquele café mesmo? - a Gabi diz.
- Vamos sim. Ouvi dizerem que acabou de inaugurar mas já tem uma grande clientela!
Enquanto a Gabi diz algo que eu não presto muita atenção, tento pegar meu celular dentro da minha mochila, o que foi um erro não estar atenta quando se está na porta da sala que dá direto para um corredor movimentado. De repente, sinto um impacto tão forte que caio no chão sentada deslizando até a parede do outro lado do corredor.
- Desculpa!
Era o Caíque. Ele diz estendendo a mão para me ajudar.
- É que eu estou fingindo da Alice! - ele diz rindo.
Ele não parecia sem graça com o beijo de ontem. Na verdade, ele agia como se nada tivesse acontecido, o que era bom, porque eu não tinha a menor vontade de conversar sobre isso.
E no fundo do corredor ouvimos os gritos da Alice ecoando. Eu não sabia o que ele tinha feito mas com certeza a tinha deixado muito irritada.- Corre!
E antes que eu pudesse dizer algo à Gabi - que estava assutada com aquele grito - o Caíque me puxou pelo braço e saímos correndo dali o mais rápido possível.
Corremos muito além dos muros do Absoluto, concentramos apenas em movimentar nossas pernas e não olhar para trás.- Acho que a gente já pode parar de correr. - ele diz rindo.
Meu peito ardia e minha respiração estava bastante acelerada. Por quanto tempo corremos?
- Acho que até a calçada do Absoluto já estava bom! - digo fadigada.
De repente olho em volta e percebo que corremos muito mais do que pensava, estávamos - quase - longe do colégio.
- Já que estamos aqui, quero te mostrar um lugar! - ele diz.
Caminhamos por cerca de cinco minutos e paramos em frente a um arranha céu. Era todo espelhado e eu não fazia ideia de quantos andares poderia ter.
- Venha. - ele diz entrando por aquela porta giratória de vidro.
O que estávamos fazendo ali? Ele passou pela recepção e ninguém veio nos barrar. Entramos em um elevador e percebi que haviam mais de 50 andares, eu estava me sentindo naqueles filmes em Nova York aonde tem um prédio enorme.
E quando finalmente as portas do elevador se abrem, vejo que estamos no heliporto do arranha céu. Continuamos em silêncio até que ele se senta no centro do heliporto. A vista de lá era... Era maravilhosa. O céu estava cinza cheio de nuvens negras que resultava em uma combinação de cores perfeita. Meus olhos não conseguiam desviar de tamanha beleza.- Eu sempre venho aqui. - ele diz contemplando o horizonte.
- Vai me dizer o que você tem haver com este prédio?
Apesar de eu ter corrido bastante, todo calor que meu corpo havia armazenado tinha ido embora e mais uma vez eu estava com muito frio, até dava para ver o ar saindo da boca.
- O.k. - ele olha para baixo - Minha mãe é dona daqui. Ela trabalha com exportação de café.
- Uau! - digo impressionada.A verdade é que eu não sabia que o Caíque era tão rico. É óbvio que ele tinha dinheiro, afinal, todo final de semana ele viaja com a 5.1 mas eu não sabia que era tanto assim.
- Você tem sorte de ter essa vista somente para você.
- Não é só minha, você também está aqui!
Apenas sorrio.
- Posso perguntar algo?
- Claro.
- Por que você e a Alice se odeiam tanto?
Alerta assunto delicado. Eu não tinha certeza se queria compartilhar tristezas com ele, era algo tão pessoal...
- Desculpa... Pelo jeito é bem delicado.
- Tudo bem. - suspiro.
Fazia tanto tempo que eu não falava sobre este assunto com alguém que parecia ser apenas uma história. Mas eu contaria tudo à ele.
- Bem, éramos eu, minha mãe e meu pai Paulo. Parecíamos aquelas famílias de comercial de margarina, sabe? Estávamos sempre felizes, aproveitando as pequenas coisas... Como era bom! - digo relembrando com um sorriso nos lábios - Mas tudo o que é bom dura o tempo necessário para ser perfeito.
- Que poético. - ele diz apoiando o queixo na palma da mão.
- Teve uma vez que íamos ao parque fazer pequenique, assim como todos os domingos fazíamos. Mas antes que saíssemos de casa a campainha tocou. Deus, como eu queria que nenhum de nós tivesse escutado. Aí quando minha mãe abriu a porta, nos deparamos com a Alice e a mãe, elas estavam desesperadas porque não tinham dinheiro. - digo com dificuldade - E-Ele tinha outra família. Quando meus pais completaram dois anos de casado ele a traiu e engravidou a mãe da Alice, e depois de tantos anos fomos descobrir tudo. Aí depois desse dia, ele apenas disse que queria ficar com a outra família dele e nos abandonou. E fim.
- Nossa... Eu... Eu sinto muito.
- Está tudo bem, eu já superei.
- Acho que temos muito em comum, menina do hospital.
- Seus pais também são separados?
- Antes de a minha mãe montar esta empresa e a 5.1 existir, éramos eu e meus pais. Mas não existia felicidade, enquanto minha mãe trabalhava o dia todo, meu pai ficava o tempo inteiro no bar e, quando ele voltava batia na minha mãe e em mim, espancava, na verdade. Mas uma vez a vizinha o denunciou e ele foi preso. Daí somos eu e minha mãe, ela montou a firma dela e eu entrei para a banda.
- Com certeza temos muito em comum! - digo com um leve sorriso nos lábios.
E de repente ele se vira para mim e estende seu dedo mindinho.
- Eu pensava que era a única que acreditava em promessas de dedinho.
- Mas não é uma promessa, é um laço de amizade! - ele me encara sorrindo.
O encarei com um grande sorriso. Com certeza aquele beijo tinha sido qualquer outra coisa menos romance, afinal, éramos grandes amigos.
E juntei meu dedo mindinho com o dele.
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O Som do Coração
Roman pour Adolescents"O que você faria se um popstar se tornasse seu melhor amigo?" "E se você se apaixonasse por alguém que te vê apenas como uma garota que vive precisando ser salva?" Esta é a história de Beatriz, uma garota comum que vê sua vida mudar a partir do...