Capítulo 53 - Totalmente fora de si.

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   Abri os olhos naquele dia, e por incrível que pareça, aquelas paredes azul céu e todos aqueles enfeites coloridos que decoravam meu quarto não me deixaram empolgada ou feliz. Todos as manhãs em que eu abria meus olhos e via todas aquelas cores em um só cômodo, de alguma forma, animavam meu dia. Mas infelizmente naquela manhã isso não aconteceu.

- Bom dia, filha. - minha mãe dizia colocando duas tigelas coloridas em cima da mesa.

- Bom dia.

- Ei, não fique assim! Ele não deve ter tido tempo para te ver. Sabe como ele é com trabalho! - ela dizia me dando um beijo na cabeça.

- Você e eu sabemos da verdade.

   Enquanto colocava uma colher cheia de cereal na boca, ela me encarava e sabia que eu estava certa. Por mais centrado que ele fosse no trabalho, meu pai era capaz de deixar seus afazeres se acumularem para visitar alguém, fazer uma surpresa ou deixar uma pessoa feliz. Ele era assim. E se desde o começo do ano ele não me disse que estava morando em Porto Alegre e não trocou um "oi" comigo, era porque ele não queria. Simples assim.

- Eu... Eu vou tomar banho. - digo bocejando.

- Não demora porque logo o pai da Gabi vem te buscar! - ela dizia preocupada.

   Enfiei meu corpo inteiro debaixo daqueles jatos quente de água. Como eu queria ter uma banheira e ficar com o corpo inteiro debaixo d'água. Seria tão bom. Seria ótimo escutar apenas o som da água e poder esquecer todos os meus problemas.

- Bia! - minha mãe dizia abrindo a porta do banheiro e me vendo pelada.

   Você se esqueceu da palavra PRIVACIDADE?

- O pai da Gabi está lá embaixo e até agora você não saiu do banho! - ela dizia - Desliga esse chuveiro agora porque eu vou ter que te levar para o colégio. Desliga agora, Beatriz!

                        |•|

    Aquele dia estava tão frio. O céu estava nublado e ventava muito. E eu com cabelo molhado. Completamente molhado.

- Bia? - a Gabi me encarava enquanto eu sentava no meu lugar.

- Oi, Gabi.

- Você com o cabelo molhado? Nesse frio?!

- Eu enrolei no banho e não deu tempo de secá-lo.

- Como...

   Mas antes que ela pudesse me dizer algo, o Caíque aparece atraindo os olhares de todos que estavam na sala de aula.

- Oi, Bia. - ele diz se agachando e apoiando o queixo na minha mesa.

- Oi. Eu espero que você e a Alice tenham se acertado.

- Eu conversei com ela depois daquilo e parece que está tudo bem. - ele diz me encarando - E você?

- Se tiver que escolher entre uma mentira doce e uma sinceridade amarga, escolha a segunda opção. Sempre. - e sorri para ele.

   E a nossa conversa foi impedida com o toque do sinal. Eu precisava esperar apenas uma semana e finalmente estaríamos de férias.
   Eu agradecia mentalmente por estar acabando todas aquelas apresentações de trabalhos. Deus, como era cansativo tudo aquilo.
   Todos aqueles horários se arrastaram. Eu estava com tanta vontade de ir para casa que naquele dia, as horas resolveram passar mais devagar. E em dias como este, é preciso muita paciência para não acabar não deitando a cabeça na mesa e dando um cochilo, o que no Absoluto era inadmissível.
  
                        |•|

   A semana inteira ficávamos depois das aulas para fazer os últimos detalhes da peça. Lembre-me de nunca mais participar de algo assim, apenas assistir. O trabalho é demais e olha que começamos a organizar tudo com muita antecedência. Aquele pote que eu pintava era a única coisa legal naquele dia.
   Naquele dia eu estava completamente distraída. Tinha o negócio do meu pai e com toda essa confusão eu acabei esquecendo que a dona Camila estava recebendo alguma carta de um algum Juizado. Eram tantas coisas para a pobre cabeça de uma adolescente de 15 anos.
   No começo, quando meu pai nos deixou eu e minha mãe sofremos muito, muito, muito mesmo. E com tempo aprendemos a esconder o que sentíamos e - tentar - respeitar sua decisão, o que fez com que eu deixasse de me importar um pouco e tentar aceitar que ele preferiu viver com outra família. O que mais doeu em tudo isso não foi ele ter voltado para Porto Alegre e não ter me contado mas conhecê-lo o bastante para saber que se ele não avisou, era porque não queria me ver.

- Beatriz! - disse a representante do meu grupo.

   Eu estava tão fora de mim que acabei derrubando o vidro de tinta vermelho.

- Desculpe, é que... - disse tentando limpar toda aquela bagunça.

   E por incrível coincidência, o Caíque me vê tentando colocar a tinta de volta no vidro e vai até eu.

- Eita, que bagunça! - ele diz.

- Foi sem querer!

- Se eu fosse você a dispensava por hoje antes que ela causa mais estragos! É melhor eu levá-la para outro lugar.

   A menina ficou tão maravilhada pelo fato de o Caíque ter falado com ela, que apenas acentiu com a cabeça, me liberando.

- Vamos antes que ela mude de ideia! - ele diz cochichando.

   Lavei minhas mãos sujas com tinta vermelha. E fomos para o passeio da escola.

- E então, aonde vamos? - digo.

- Eu não sei. Não pensei em nenhum lugar.

- Você fala que vai me levar para alguns lugar e não sabe? - digo rindo - Deixe comigo porque eu conheço um ótimo lugar.

   E ele me olha sorrindo.

O Som do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora