Capítulo 72 - Ei, a culpa não foi minha.

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   Para quê aquele quarto imenso se eu não estava feliz?
   Devo ter ficado horas e horas deitada naquela cama encarando o teto. Pelo menos as paredes eram coloridas, porque o resto era tudo monocromático e sem graça.
   Por que o meu pai estava fazendo tudo aquilo? Bem que eu disse que me arrependeria, porque com certeza estou arrependida de ter-lhe entregado aquela foto no Acampamento.
   E quando menos esperei, ouço a porta sendo escancarada.

- O que é isso? - me levanto imediatamente.

- Foi você, não é mesmo?! - a Alice entra completamente alterada.

- Eu o quê?

- Não se faça de boba, Beatriz! Foi você quem fez aquele vídeo!

- Eu não vou conversar contigo! Tu estás louca! É óbvio que não fui eu!

- Você não consegue suportar que eu tenha coisas que você não, me deixe em paz, Beatriz! - e do nada ela me dá um tapa no rosto.
   O estralo pode ser ouvido de longe e naquele momento senti vontade de acabar com aquela garota mimada. Mas algo em mim dizia para que respirasse fundo e contasse até dez.

- O que é isso tudo?! - a mãe da Alice entra.

   Ela era uma mulher loira - ele definitivamente tinha uma queda por loiras - alta e com um ar de que adorava viver em shoppings.

- Alice o que é isso?

- Essa garota rouba tudo o que é meu! - ela diz.

- Eu não sei o que aconteceu aqui, mas já para o seu quarto! - ela aumenta o tom de voz - Agora, Alice!

   Pelo menos ela não era a madrasta má da Cinderela. E quando as duas foram embora desabei naquela cama com as lágrimas molhando o travesseiro.

                           |•|

   E no dia seguinte, a diretora fez vista grossa em relação ao que aconteceu com a Alice, às vezes tenho a impressão de que ela está cansada demais para se preocupar com brigas de adolescentes. Todos nós estávamos, menos a própria Alice, que fazia de tudo para chamar a atenção.

- Eu espero que ela se esqueça disso. - o Carlos diz.

   Sim, foram ele e a Gabi que fizeram o vídeo da traição da Alice com o Lucas. Não fazia ideia de que eles pudessem fazer isso, mas para ser sincera, estou até feliz por toda a verdade ser revelada e que agora ninguém me olhava torto.

- Eu também espero, estou cansada de tudo isso. - digo desanimada - A única coisa boa em tudo isso é que hoje volto a dançar ballet.

   Eu realmente estava empolgada com a ideia de poder voltar a dançar, faziam vários meses que não ia ao stúdio e eu morria de saudades. Acho que seria algo em que pudesse me distrair de tudo o que vem acontecendo.

- A gente está sempre contigo, não se esqueça. - ele diz segurando minha mão.

- É isso aí, Bia!

   Obrigada por tudo, amigos.

   Agora eu poderia voltar a fazer as aulas de Educação Física normalmente, o que em parte era bom, já que se eu pudesse voltar a fazer exercícios poderia continuar a dançar. Mas a outra parte - ruim - era que eu sempre fui péssima em esportes, então...
   E naquela aula o professor nos obrigou a correr por aquelas faixas alaranjado pintadas no chão. Eram compridas e extensas, e ficavam ao lado do gramado de jogos e da arquibancada.
   Corríamos debaixo daquele sol, não tão forte, desejando que a aula acabasse logo, logo. Lembro de ter corrido tanto, mas tanto, que eu estava completamente vermelha e bem suada. E quando acabou minha corrida, pude ir para a arquibancada sentar um pouco e beber água, antes que a minha vez voltasse.
   Saí da arquibancada cogitando a ideia de ir ao banheiro quando vejo alguém vindo em minha direção.

- Eu não acredito que tu fizeste isso! - ele diz.

   Vou em direção para o corredor perto da arquibancada aonde o professor não nos veria.

- Aonde você está indo? - ele me olha impaciente.

- Já deu de me culpar por tudo, ouviu bem?

- Então porque fez isso?

- Fiz o quê? Postar o vídeo da Alice te traindo? - dou uma risada sarcástica - Poderia ter jogado na sua cara e dizer tudo isso, mas não o fiz. E não fui eu quem postou aquilo! - digo cansada - Eu nunca te colocaria em uma situação dessas na frente de todo o colégio!

- Então você sabia! - o Caíque diz chocado - Por que não me contou?

- Sabia sim. Descobri no acampamento, mas se você ficou me evitando só pelo fato de termos nos bejado, imagina se eu te contasse a verdade?

- Você devia ter me contado! Beatriz, você era minha amiga!

- Já chega, Caíque! Eu estou cansada de você me tratar mal assim, e não brigue comigo, brigue com a Alice porque nao fui eu quem te traí, foi ela!

   Eu estava muito brava com toda aquela injustiça dele para comigo. Ele ia dizer algo mas eu o interrompo, estava cansada demais para ouvir suas reclamações.

- Eu não quero ouvir mais nada! E olha, enquanto você não estiver arrependido de tudo o que me falou, por favor, não me procure!

   E saí de lá pensando que não queria falar com ele por um bom tempo.

                            |•|

   Deus, como voltar a fazer ballet tinha me feito bem. Quando coloquei meus pés no stúdio, todos vieram me abraçar e comemorar minha volta à dança. Realmente voltar a dançar me fazia esquecer de todo os problemas. Cheguei do stúdio e fui direto para o banho, e naquele momento percebi que tinha sentido falta de colocar o collant, a meia calça e as sapatilhas. Se eu me concentrasse no ballet e na escola, logo, logo os cinco meses passariam e eu poderia voltar para a minha casa.
   Aquela noite estava fria e por isso acabei colocando um pijama quente enquanto assistia um filme acompanhado por um balde de pipoca. Era boa a sensação de estar com o cabelo molhado, eu me sentia leve por ter feito algo que gostava: dançar.
   E ouço baterem à porta.

- Beatriz? - era o meu pai.

   Desde ontem quando cheguei não o tinha visto ainda, até agora. Mas também, eu tinha feito todas as minhas refeições em uma mesinha na sacada do quarto. Eu não conseguiria me acostumar com a ideia de morar na mesma casa que ele.

- Eu... - ele se aproxima - Queria saber como tu estás.

- Como eu estou?! - digo sarcástica - Bem, fui tirada da minha própria casa por alguém que nem se importa comigo, minha mãe está sendo acusada injustamente, então não estou nada bem.

- Não defenda sua mãe! Você sabe que ela é um louca!

- Prefiro mil vezes a louca do que um frio como você! - me levanto e o encaro de perto - De verdade, não consigo entender porquê está fazendo tudo isso! Não pode simplesmente me deixar viver?

- Beatriz, sua mãe não pode te dar um futuro brilhante! Eu posso!

- Realmente, não somos ricas como você mas a minha mãe tem condições suficiente para nos manter e nos divertimos! Eu não vejo a hora de esses cinco meses passarem para que eu possa depor e dizer toda a verdade!

- Você não vai depor coisa alguma, Beatriz. - ele diz frio e sai do quarto.

   Um ataque de raiva me subiu à cabeça e eu tive vontade de quebrar tudo.

- Seu monstro! - gritei com todas as minhas forças.

   Como aqueles enfeites de porcelana não eram meus e eu nao gostava nenhum pouco daquela decoração, joguei tudo na parede que se partiu em milhões de pedaços. Quebrei todos aqueles mini vasinhos  e senti algo satisfatório.
   Olhei para a sacada e desejei fugir dali e ir escondido para a minha casa, mas sabia que só piorariam as coisas. E naquele momento fechei os olhos e respirei fundo, eu sabia que tinha de aguentar firme.

   É isso aí, você consegue, Bia!

O Som do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora