OCULTA

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Hannah

Cerro os punhos enquanto passo como uma bala entre os quatro guardiões.

— Senhora! Espere! — a voz Érica ecoa logo atrás de mim.

Poderiam ter me dito!

Novamente sou a estranha. Assim como na Terra, onde apenas Bia, a única oriental do colégio me entendia, nós éramos diferentes dos outros, a pesar de nunca saber o porquê, ainda sim eu percebia os olhares tortos, superiores, intimidadores.

Em muitas tentativas de ser normal, fiz coisas que me arrependo, e depois, eu continuava sendo a estranha. Então me tornei de fato a estranha. Já não me importava com os outros, estava acostumada com aquela rotina impiedosa de comentários maldosos. Comecei a fugir das aulas, a ir para o lado dos meninos, a falar com eles, que por incrível que pareça, me tratavam de igual para igual. Isso até aquele episódio em que Kevin passou dos limites.

O mesmo olhar que vi nos olhos daqueles guardiões. Eles são os estranhos! Eles são os ETs! E mesmo assim, eu sou a diferente, e não de um jeito bom.

— Não sabíamos que você o iria escolher! — grita

— E só por isso não poderiam me dizer? — grito de volta por cima do ombro.

Eu era a princesa. Aquela a quem todos viam esperança. A esperança de algum dia governar, de dar herdeiros ao trono, de seguir com a linhagem dos Nascidos de Gelo. Mesmo que a vida aqui, Kiron, Kira, e todos os outros problemas estivessem me deixando maluca, era o lugar em que eu me sentia normal. Eu congelo as coisas! Meus cabelos ficam brancos quando uso meus poderes. Eu tenho poderes porra! E era normal aqui.

Era...

— Vocês apenas quiseram me deixar calma. Quiseram esconder que uma escolha errada e toda aquela boa imagem que todos tinham de mim seria disseminada a nada, e em seu lugar o receio e o preconceito surgiriam. — sorrio sarcasticamente — Eu dormi ontem com a certeza que era vitoriosa, de que eu acordaria na manhã seguinte e todos me aplaudiriam. Eu lutei contra um dragão! Eu venci! E isso não é digno de orgulho. Não agora.

Lanço um olhar por cima do ombro. A face triste e cansada de Érica está ainda mais visível, como se a máscara que estivesse escondendo seu rosto, agora caiu e mostra toda a angústia e arrependimento em seu ser.

— Senhora eu...

— Apenas um dia Érica, um dia para todos esquecerem a princesa boa recém chegada de um planeta diferente, um dia para a pena que havia neles simplesmente desaparecer e todos, inclusive você, temer a mim como se algo tivesse me mudado. — interrompo- a  — Eu dormi princesa e acordei como aquela destinada a destruir Tifon.

Olho novamente por cima do ombro esperando ver muito mais que tristeza em seus olhos, mas sim arrependimento. Ela poderia ter me dito. Quantas oportunidades teve para salvar a minha vida? E simplesmente resolveu ocultar algo que tornaria minha convivência nesse lugar, um inferno, onde Kira é o diabo que adora me espetar com seu tridente vermelho.

Porém, ao invés de culpa, há algo ali em seu rosto. Algo diferente.

Como sempre acontece, nunca é o que espero ser, sempre tem algo a mais.

Giro os calcanhares e estaco alguns passos a sua frente. Ela faz o mesmo mantendo uma certa distância.

Está escondendo algo! Como pôde esconder! De novo!

— Comece a falar.

Ela me olha surpresa como se eu tivesse descoberto algo que não poderia.

— Senhora, por favor... — ela tenta se aproximar

— Fale! — grito

Sinto o poder correr por minhas veias, aquela raiva descontrolada subir por meus músculos.

Cerro os punhos

Ela tem que me dizer! Vai me dizer!

— Senhora, fique calma... — ela da um passo exitando.

Ela está com medo de mim? Também está com medo de mim? Assim como todos!

— Não quero ficar calma porra nenhuma!

Ela para franzindo o cenho.

Seus olhos vão de algo acima de mim para o chão.

Por que não diz logo? Por que me esconder as coisas?

Sigo seu olhar até o piso de gelo do palácio.

Minhas chinelas de dedo estão congeladas.

Eu fiz isso?

Olho para Érica perplexa a minha frente.

Colho uma mecha do meu cabelo que agora tornou-se branco.

Fecho os olhos.

Hannah. Não seja quem eles querem que você seja. Não dessa vez.

Abro os olhos.

— Érica, só... Me diz o que está acontecendo. Olha pra mim! - seu olhar suaviza — Imagine dormir num dia e acordar noutro com um destino...

— Não foi um dia.

Pisco.

— O...O que?

— A Senhora dormiu por três dias inteiros.

Suas palavras me surpreendem.

Sorrio.

— Você não pode estar falando sério. Não tem como alguém dormir tanto tempo. Eu não...

— Pensamos que não a veríamos com vida novamente. O reino todo está confuso e triste. O Mestre Filegein a examinou e constatou apenas que estava dormindo, mas depois do segundo dia, não sabíamos o que fazer. A senhora não acordava e mesmo que os ciryanos não morram tão fácil assim, temíamos o pior.

Ela já estava a dois passos apenas quando percebi o que teria que fazer.

Giro os calcanhares e sigo em frente. A chinela batendo escandalosamente nos meus calcanhares.

— Senhora... Onde vai? — seus passos começam a me acompanhar

— Pegar a porra do livro

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