Hannah
Perambulamos por alguns minutos até entrar-mos num local onde a quantidade de livros era excessiva. Uma escada antiga com rodinhas sob a madeira, levava até os livros lá no alto, onde não alcançariamos sem seu auxílio. No andar de cima, fileiras de livros iam além do campo de visão. Lanço o olhar à procura do final da biblioteca, mas só seria possível encontrar-lo com o uso de um binóculo. Dezenas de milhares de prateleiras enormes iam do piso amadeirado ao teto, lotadas de livros de diferentes cores e tamanhos.
Uma escada se dividia em outras duas contrárias que levava até o segundo andar, onde havia mais estantes e prateleira abarrotadas de livros.
Érica segura firme meu braço e me olha em pânico.
Sinto um tremor sob meus pés, quase como um pequeno terremoto.
As estantes e livros cabalheam em suas superfícies, as duas garrafas tremem e caem rolando sobre a enorme mesa. Um barulho agudo vindo logo do andar de cima, vem a mim.
- O que... Foi isso - prendo a respiração sentindo meu corpo tremer.
- O rei... - Erica me olha nos olhos, clamando em silêncio para que eu desista.
Engulo em seco.
- Escute. Estou atolada até a cabeça nesse mundo. Preciso de respostas - vierei- me e sorri acolhedora para ela.
Não posso pedir a ela que me siga nessa loucura. Que ponha seu emprego e sua cabeça em jogo. É minha batalha. Minha vez de estar um passo a frente deles. E não posso levar essa mulher nas minhas costas. Eu não aguentaria.
- Está bem senhora. O que quer que eu faça? - perguntou.
- Que? Nada disso! - me afasto balançando negativamente o indicador em seu rosto. - Pode ir. Não quero você metida nessa - seguro seus ombros a empurrando levemente para fora.
- Por favor senhora. Deixe-me ajuda-la - ela se desvencilhou de mim e virou-se para me encarar - Desde que chegou, senti seu poder, o quanto é forte. Sempre soube que era você - ela toca meu ombro e solta um sorriso de canto - Não vou deixá-la só.
Sinto meus olhos encherem de lágrimas.
Cheguei sozinha aqui, num lugar totalmente desconhecido e impossibilitada de voltar para minha família, sem poder nem ao menos ligar para eles. E cá estou eu, com a mulher que desde o início se mostrou compreensiva, complacente, paciente, amiga, ela que não me deixou um só momento e que mais uma vez está arriscando tudo por uma convicção incerta. Posso não ser essa tal princesa, mas prometo, que se for, darei do bom e do melhor para Érica, caso não, vou fugir daqui, e a levarei comigo. Vou tirá-la desse estado vegetativo de serva e dar um lugar de amiga que é o que ela merece.
Respiro fundo.
Sorrio.
- Certo. Então feche a porta - peço a ela, que com um leve aceno, faz o que peço.
- Temos pouco tempo para encontrá-lo - diz ela vindo logo atrás.
- Como assim? Você não sabe onde está? - estaco à sua frente.
Ela me olha como se eu tivesse feito a pergunta mais idiota do mundo.
- O livro é encantado. Só pode ser lido por seu verdadeiro dono - repete suas palavras lentamente.
Faço um enorme "há..." com a boca.
É claro... Ele não estaria exposto como um ponto turístico. É um livro encantado poxa!
- Certo... Esse livro não deveria estar no quarto de Kiron, escondido sobre sua supervisão? - pergunto subindo os degraus para o segundo andar.
- Kiron não é conhecido por seus hábitos de leitura - finalmente tenho algo em comum com meu suposto pai - Um livro enorme em seus aposentos seria facilmente visto. Enquanto dentro de uma vasta biblioteca que se renova todos os dias, esse livro seria tão fácil encontrar quanto uma coroa na cabeça de Árgora.
Cada vez que fico aqui, percebo o quão lesada sou. É óbvio que nesse lugar enorme, é quase impossível encontrar um livro. Principalmente quando não se sabe como é.
Sigo por um corredor, e Érica toma a frente, lendo as lombadas dos livros e dedilhando-as como uma leitora costuma fazer antes de escolher o próximo para uma leitura entediante.
Nunca gostei de ler. Não importa o quanto digam que isso é importante, que te leva a conhecer outros mundos, pra mim é perda de tempo...
Algo chama minha atenção no canto direito do meu olho.
- O que acha desse? - Érica pergunta me mostrando um grande livro negro.
Balanço negativamente a cabeça e olho novamente para o lugar que me chamara atenção.
- E se não estiver nessa parte, e sim no fundo, ou em baixo...
Sigo em direção àquele canto da biblioteca. Não dando a mínima para o que Érica possa estar dizendo.
Tudo fica em câmera lenta. Eu podia ouvir meu coração martelando no peito, os fios loiros prateados voando e chicoteando levemente minha face.
Vou em direção e dedilho as lombadas até encontrar uma em especial. Ela chamava por mim, parecia sugar e combinar meu poder, e o doar novamente para mim, duplicado, mais forte, vivo, ocilando entre aquele objeto empoeirado e eu.
Seguro firme sua lombada, puxo e o coloco em mãos.
"Pequena Azula" tinha em dourado, logo abaixo de um traço fino em ouro na forma delicada de uma fada, em sua capa totalmente marrom envelhecida.
Minha visão embassa, como se houvesse lágrimas em sua superfície.
Pisco algumas vezes até conseguir enxergar nitidamente.
"Herdeira de Gelo"
Olho para Érica já ao meu lado, observando o livro com o senho franzido.
O título havia mudado, e no lugar daquela pequena fada, havia duas faces de uma mesma pessoa. De um dos lados queima, dando forma ao que parece ser um lado de seus cabelos agora em chamas, de outro, um rosto gélido ainda sorrindo e cabelos dourados.
Abro a capa e segurando firme todas as folhas, passo uma a uma, vendo cada página, passar numa chuva de folhas em branco.
" O que quer saber minha Rainha?" uma voz rouca soou na minha cabeça.
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Herdeira De Gelo
FantasyHannah, uma garota como qualquer outra da sua idade, com apenas a preocupação de não saber o que cursar quando terminar o ensino médio, se vê em uma situação inexplicável no momento em que suas ações se tornam questionáveis. Depois do estranho e tem...