Noona! - Parte II

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~~Na Yeon~~

Olhei no relógio, já era mais de nove e meia da noite. Eu tinha arrumado algumas porcarias entre as brechas da gravação, mas supus que eles ainda não tinham comido nada desde o café da manhã. Isso é comum no mundo dos idols, em lembro de ficar horas e horas sem comer absolutamente nada – parte da loucura para me manter dentro do peso adequado. Antes mesmo que eu perguntasse, eles já me contaram que o manager anterior não havia deixado nada na casa, ou seja, estavam basicamente sem comida até em casa.

Eu posso não ser a melhor pessoa ou manager do mundo, mas também não sou capaz de deixar esse bando de crianças passando fome todo dia, ainda mais sendo responsável por eles – até porque é mais fácil dar uma comida leve pra esses meninos que ter que leva-los pro hospital depois. Só existia um pequeno problema: a SM não me deu o cartão de gastos e eu ainda não recebi nada de salário. Conclusão: tudo que eu tivesse que comprar sairia do meu próprio bolso. E esse tudo seria bastante coisa porque eu teria que comprar pra todos eles. Todos os dezenove.

Seul é uma cidade que não decepciona em um aspecto: sempre haverá um mercado ou loja de conveniência aberto durante a noite. Mudei a rota e saí a procura de algum lugar aberto. Tentei não pensar muito sobre como ficaria a situação do meu cartão de crédito e parei no primeiro comércio que encontrei, não muito longe da SM. Não poderíamos demorar, já que alguns dos membros ainda estavam esperando na empresa.

"Okay, vamos às compras" – encarei os garotos ainda sentados no carro. Sorriam como se fosse a primeira vez saindo pra comprar algo da vida deles

Desci com quatro deles, Yuta preferiu continuar dormindo; ele parecia exausto então deixei que nos esperasse por ali mesmo. Mas sabe, eu deveria ter deixado os cinco pra trás e descido sozinha. Por mais que tivessem ficado bem quietos durante o caminho, Jeno, Jisung, Na Reum e Lucas ficaram eufóricos dentro daquele mercado; corriam por entre os corredores, saiam apontando coisas, fazendo pedidos. Noona pra cá, noona pra lá.

Noona, compre isso por favor

Noona, eu quero um desse

Noona, só um, por favor

Estavam me enlouquecendo. E isso em poucos minutos. Mas eu os compreendia, afinal, deve fazer realmente muito tempo desde que tiveram seus pedidos atendidos por alguém. Não é que eu queira ser boazinha agora, eu só sentia um pouco de pena – falta tanta coisa a eles que qualquer mimo minúsculo se torna algo importante. Qualquer pé de alface que eu comprasse seria motivo de sorrisos e agradecimentos.

Eu ria com todos eles me pedindo coisas ao mesmo tempo, enchendo os braços com dezenove pacotes de um mesmo produto, lendo as embalagens pra não sair da alimentação que já tem programada. Mais engraçado que a animação dos quatro era o carrinho cheio das mesmas coisas em uma quantidade assustadora. Quando não é irritante, a companhia de adolescentes faz com que você se sinta um adolescente também. Mas é claro que, como manager profissional, ainda fiquei selecionando os alimentos menos gordurosos e calóricos; também faz parte do meu papel.

Eu não precisava me preocupar muito com os outros porque eles mesmos selecionavam as compras dos colegas que estavam em casa. 'Esse hyung precisa dessa bebida', 'esse hyung gosta mais de laranja', coisas do tipo... Felizmente mais unidos que as garotas que formavam meu grupo.

"Precisamos voltar" – encarei novamente o relógio, os apressando

"Sim, noona!" – responderam em coro, mais animados do que eu esperaria

Esse tipo de reação feliz e sorridente faz com que eu acredite que estou sendo boazinha demais em meu posto. Lucas mesmo, nem depois de todas as broncas, continua sorrindo por qualquer coisa que eu diga. Eu guardava tanto rancor quando tinha essa idade...

Enfim, enchemos o porta-malas do meu carro com sacolas e só aí percebi que talvez tivesse exagerado na permissão das compras. O silêncio do carro obviamente acabou porque as crianças se animaram muito e já saíram abrindo saquinhos de comida pra dividir.

Acelerei um pouco mais, tentando não me atrasar tanto para resgatar os meninos que ainda estavam na SM. Chegamos em poucos minutos, minha dor de cabeça tinha começado a reaparecer, meu maior desejo naquela hora era chegar em casa e abraçar meu travesseiro. Só então minha ficha caiu, meu dia a dia agora vai voltar a ser a correria de anos atrás, cheio de gravações, noites mal dormidas, viagens, compras. E ainda nem criei coragem pra olhar a agenda dos próximos dias.

Mas, até então, tudo seguia o ritmo normal. Eu me sentia cansada, mas o dia não havia sido tão frustrante quanto esperei.

Eis que parei o carro na frente do portão principal da casa do NCT...

Eu podia ouvir uma gritaria do lado de fora. E seria ótimo se fosse uma gritaria de bagunça, mas parecia que estavam matando alguém lá dentro. Ainda no carro conseguíamos ouvir alguém da casa gritando como se estivesse em completo pânico. Os membros se entreolharam, era óbvio que algo de muito estranho acontecia por lá. Meu celular começou a vibrar antes que eu entrasse, o número era desconhecido – supus que fosse um dos meninos.

Eu não fazia ideia do que poderia estar acontecendo, mas confesso que fiquei com certo medo.

Por que esse tipo de confusão tem que acontecer logo nos meus primeiros dias?

Os garotos que estavam comigo correram primeiro, abandonando até os pacotes abertos dentro do carro. Assim que eles abriram a porta, já tive uma previsão de que aquela noite seria mais longa do que eu planejara. Um homem bem arrumado e mais velho estava no centro da sala, parecendo irritado e impaciente. Ele andava de um lado pro outro e, pelo olhar dos membros, era alguém que já esteve ali antes. Talvez o antigo manager.

O líder apareceu na sala, mais branco que o de costume, com a expressão de quem acabou de ver um fantasma. A gritaria continuava, agora mais intensa. Taeyong tinha o celular em mãos, ficou óbvio que eram dele as ligações pra mim. Eu não conseguia entender nada daquela situação, mas tudo ficou ainda mais complexo quando notei que a camiseta do líder estava repleta de sangue, embora ele não parecesse machucado.

"O que aconteceu?" – questionei, ignorando a presença da pessoa desconhecida e me aproximando do líder do grupo

"Renjunie..." – ele estava perplexo demais pra conseguir me explicar, então tudo que fez foi apontar pra uma porta logo à nossa frente

Quanto mais eu me aproximava, mais ouvia. A voz da mesma pessoa gritando começava a se misturar com a conversa desconexa de outras e ia tornando-se mais baixa, como se estivesse perdendo forças. Os cinco membros que estavam comigo até então, tão perdidos quanto eu, me seguiram até o próximo cômodo. E não poderíamos encontrar cena de maior caos...

Todos os outros oito membros estavam naquele quarto, competindo em desespero. E me desesperando também. Meu cérebro começou a me bombardear com nomes prováveis, tentando encaixar feições e palavras e tornar a cena mais clara. Mark abraçava por trás um outro membro, segurando-o com força e imobilizando seus braços, ambos sentados no chão. Pelo que entendi, a intenção era proteger o mais novo dele mesmo. E, pelo que Taeyong pouco falou, esse mais novo era Renjun.

E então era ele quem estava gritando até agora.

Mas um ponto importante é necessário pra entender o porque de tantos rostos desesperados, choro e gritaria...

"O que aconteceu?" – repeti a pergunta, me aproximando mais dos dois garotos ainda sentados no meio do quarto

Renjun tinha muito sangue escorrendo pelo rosto, pescoço. A camiseta ainda mais manchada que a do líder que provavelmente o havia socorrido. Assim que me aproximei pude ver um corte fundo que ele tinha no canto direito da testa. Com certeza teríamos que ir pra um hospital. E mais ainda porque o desespero daquele menino não era normal; um garoto da idade dele não choraria ou gritaria tanto por um corte. O olhar do mais novo era de completo desespero, ele estava assustado demais. As lágrimas se misturavam ao sangue que escorria por suas bochechas e ele não conseguia dizer uma palavra sequer.

"Ele caiu" – o homem que antes estava na sala apareceu no quarto, me respondendo, parado na porta

"Vamos pro hospital" – ignorei o homem novamente, eu me acertaria com ele mais tarde

Seu olhar tinha me dado uma única certeza... "Ele caiu" era mentira.

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