FIND ME

O que você fez?

~~Na Yeon~~

“Está melhor?” – perguntei, assim que vi o garoto surgindo do meu quarto. Eu tinha acordado pouco antes, ou melhor, mal tinha dormido (talvez umas três horas?) e preparei um café da manhã que desse pra nós dois.

 Ten assentiu, tímido, ele parecia só agora estar reconhecendo a minha casa, ontem estava muito fora de si pra saber pra onde tínhamos o carregado. Minha pergunta também não tinha sido das mais apropriadas, mas eu não sabia bem como agir com ele. Estava tão quieto, tão diferente do que me acostumei a ver. E o que eu diria? Depois de tudo, de todo medo, agressão e humilhação que ele sofreu, eu não tenho palavra suficiente pra curá-lo.

“Não tinha muito pra preparar aqui, mas vou dar uma passada no mercado mais tarde” – encarei a mesa posta, enquanto terminava de distribuir os copos, fazia sinal pra que sentasse e tentava construir qualquer assunto

 Ten se sentou em minha frente, mas não parecia nem um pouco animado com a comida ou qualquer outra coisa. Escondia a maioria das marcas do dia anterior com o pijama longo, se encolhia na cadeira, tinha o olhar sempre baixo e sem brilho. Eu precisava falar com a família dele, mas também não sabia como explicar a situação. Teria que contatar um psicólogo de confiança e agradecer a Dra. Kang por ter me ajudado, acobertado tudo e passado tanto tempo na minha casa.

 Mas, além de todas as missões programadas para o meu dia, o que mais me preocupava era o próprio Ten. Ele vai reagir melhor daqui pra frente? O quão difícil é superar uma situação como essa? Eu nunca passei por coisa parecida e, por mais que me esforce, acho que nunca conseguirei entender o que se passa por sua cabeça agora. 

“Precisa comer, garotinho, mesmo que não tenha vontade” – insisti, vendo que eu estava há minutos comendo sozinha, num silêncio atormentador. De novo, nenhuma resposta, além de um breve sinal de negação – “É difícil, não é?” – suspirei, largando os talheres e recebendo seu olhar pela primeira vez. Não adiantaria fugir do assunto, eu teria que tentar enfrenta-lo, mesmo que devagar e sem saber as direções certas – “Tive momentos na minha vida em que também sentia como se nenhuma necessidade fosse importante, eu não queria sair, comer, nem falar com as pessoas... E eu tinha grande parte das culpas” – o encarei, eu queria ajudar, embora não soubesse se estava fazendo isso ou piorando a situação – “Eu entendo que às vezes parece que sugaram nossa alma da gente, mas não deixe que te derrubem; ainda mais sem ter nenhuma porcentagem de culpa em toda a história” – o silêncio do tailandês me deixava ainda mais aflita. Eu devia continuar ou estava falando besteira demais? – “Eu cumpri minha promessa dessa vez. Pode não mudar o passado, mas te dá um novo futuro, garanto”

 O que o manager deixou pra trás não teria cura, mas eu sei que posso dar um alívio a ele garantindo que daqui pra frente as coisas serão diferentes. E isso porque já recebi a notícia, do próprio demônio da história, que não nos veremos nunca mais, minha chantagem deu certo. Ele não podia ser descoberto e o dinheiro que tira roubando da empresa às escondidas vale mais que sua ‘diversão’ aqui na Coreia. O próprio concordou com meus termos e vai viajar de volta pra seu país ainda hoje, vai deixar todos os garotos em paz, em troca do meu silêncio.

 Encarei o menino em minha frente mais uma vez. Sinceramente, parecia que uma alma penada estava sentada do outro lado da mesa. O que se passa na cabeça dele? É mais difícil sendo um garoto? Ele tem vergonha dos outros e por isso nunca contou nada? Seus pais desconfiam ou sabem de algo? O quanto ele ainda se culpa pelo caso de seu colega ter sido mascarado? Tem realmente algo que eu possa fazer ou só ficarei assistindo o tempo passar até que ele adoeça na minha casa e não tenhamos mais saídas?

“Eu vou ligar para sua família, precisa passar uns dias longe daqui” – meu apetite foi um tanto abalado e desisti do que estava no meu prato, me levantando. Ten voltou a me encarar, dessa vez com um olhar mais assustado – “O que foi?”