Estava com o computador ligado, expremendo os olhos pra entender as letras minúsculas da página de inscrição para o ENEM.
— Você deveria ir em algum médico — Alissom disse, me entregando uma xícara de café.
— Por qual motivo?
— Faz umas semanas que você está tendo dificuldade pra leitura, acho melhor olhar isso aí. Vai que você precisa de óculos — ele cruzou os braços, apoiando as costas no balcão da cozinha.
Ele não sabia o quanto eu adorava quando ele tentava cuidar de mim, por mais que eu odiasse ir ao médico (porque eu sou muito sortuda, e acabo me metendo em confusões desncessárias que me levam direto para o hospital), me fazia sentir que eu era amada, e que se preocupava de verdade.
Mas a minha visão estava ótima, a culpa não era minha se as letras do computador eram tão pequenas. E eu comi cenoura quando era criança.— Por que eles têm que saber quantos ventiladores eu tenho? — mudei de assunto.
— Não sei, vai que você ter seis ventiladores é considerado riqueza extrema — ele disse, com um sorrisinho nos lábios. O que significava que a ironia estava deixando seus dentes cada dia mais brancos.
— Então a gente está em extrema pobreza, porquê não temos nenhum.
O último ventilador que tivemos, pegou fogo, então o síndico do prédio proíbiu o uso dos ventiladores de teto, só era aceitável aqueles que ligam na tomada, e o uso do nosso querido ar-condicionado.
Mas como eu tenho duas crianças pequenas em casa, era das duas uma: ou elas iriam enfiar o dedo no ventilador de chão enquanto ele estivesse ligado, ou iram mexer na tomada pra ficar ligando ele.— A vida tem dessas — ele deu de ombros.
— Eu devo ser a candidata mais peculiar que eles têm.
— Deve mesmo, principalmente porque você deixou a Vitória morar todos esses anos aqui, sem pedir uma ajuda pra comprar a comida que ela e o Henri consomem.
— Mas eu pedi uma ajuda, só que a Vitória não sabe fazer nada! Ela conseguiu ser demitida de sete empregos em sequência.
— Quando eu penso que posso me impressionar! — ele coloca o polegar e o indicador na ponte do nariz.
— A vida tem dessas — initei a voz dele.
A chaleira começou a chiar. Olhei no relógio eram quatro horas da tarde.
— Por que você tá fazendo café essa hora? Nós acabamos de almoçar — perguntei, enquanto ele estendia a toalha na mesa.
— Porque eu conheço a sua mãe! A filha dela que deu mais trabalho no quesito namoro foi você, então provavelmente ela tá vindo pra cá, pra falar com você sobre os detalhes do casamento, que eu não quero saber. Por isso eu fiz o café, pra ela não te irritar com o papo de que pra ser uma boa esposa você deve alimentar o seu marido — ele disse, e fez muito sentido.
— Eu amo um homem.
— É por isso que vai casar comigo.
— Então isso signfica que eu vou ter que passar horas aqui nesse apartamento, falando sobre os tons de branco do vestido? — perguntei, com voz manhosa.
— Exatamente. E eu vou trabalhar pra pagar as reformas que você quer inventar na nossa nova casa — ele me deu um beijo e foi em direção a porta.
Quando ele abriu a porta, fico parado como se alguém estivesse impedindo a passagem.
— Hã... Posso ajudar? — ele disse.
Corri até lá para ver quem era, praguejei pelo porteiro não ter avisado que um estranho estava subindo.
Mas quando cheguei, um soco no estômago imaginário me atingiu.
— Que merda é essa? — acabei falando alto.
— Ora! Que boca suja mocinha, tenha mais respeito — era a mãe da Vitória.
— Eu tô na minha casa, eu falo o que eu quiser. E o que você tá fazendo aqui? — eu quis parecer indiferente, mas acabei soando grosseira. Se minha mãe tivesse escutado isso, eu levaria um belo de um tapa na orelha.
— Por que eu não me surpreendo com as amizades que a minha filha tem? — ela entrou no apartamento, como se fosse dona do mundo.
— Ainda não respondeu minha pergunta! O que tá fazendo aqui?
— Eu fiquei sabendo que Vitória está pensando em levar meu neto embora para outro estado. E eu vim aqui avisar a ela que eu não vou permitir que ela o afaste de mim.
Oh Deus, não permita que eu cometa um homicídio, pois eu estou de casamento marcado e a minha mãe vai me matar. Amém.
— Não lembro de você estar presente em nenhum momento do crescimento do "seu neto". Também não lembro quando foi a última vez que você ajudou financeiramente a sua filha, que estava criando um bebê, praticamente sozinha. E eu também não lembro quando foi que você ligou para saber se a Vitória estava precisando de suporte quando estava passando pela dolorosa fase de amamentação, em que quase não conseguiu alimentar o Henri. Então agora eu estou surpresa! Por que resolveu se meter na vida dela justamente agora? — cruzei os braços.
— Porque eu sou a avó biológica dele. E eu tenho mais condições de criá-lo do que ela, que no caso, parece ser sustentada por uma adolescente de quinze anos. Só avise que se ela tentar sair do estado com ele, eu vou entrar com uma ação na justiça, e vocês não irão querer isso — ela bateu em retirada.
— E porque eu teria medo de você? Eu tenho todas as provas de que você nunca se importou com o seu neto, só está fazendo pirraça! Eles nunca dariam a guarda dele a você.
— Menina, você tem muito que aprender sobre o mundo. Se você não sabe, ele é comandado pelas pessoas que tem dinheiro, que no caso, eu tenho e você não. Vamos parar com o teatro, essa causa já está ganha! — dito isso, saiu como de tivesse ganho a guerra.
— Isso foi estranho — Alissom disse, fechando a porta.
— Se a minha mãe não tivesse me educado, eu iria sair aos tapas com aquela mulher — falei, me sentando na mesa.
— Olha o seu tamanho para o dela! Ela tinha tipo, uns três metros, e você tem um metro e meio.
— Gente grande é mais lenta.
— Faz sentido. Mas você viu como ela é bonita? — ele sentou ao meu lado.
— Sim, nossa! Ela parece uma boneca de porcelana. Será que ela fez botox? E aquele cabelo ruivo? Nada a ver com a Vitória, e não parece falso!
— Gente rica tem acesso a produtos muito bons — ele riu, pegando um pedaço de pão — Espera! A gente não tem medo dela?
— Não.
— E por quê?
— Porque ela disse que o mundo é comando por pessoas ricas, eu não sou rica, mas a minha família é. Então eu tô bem tranquila.
Na verdade eu estava em pânico, mas alguma coisa me dizia que o universo estava conspirando a meu favor dessa vez. E eu preferia acreditar nisso, ao invés de passar horas me martirizando.
— Kate, abre a porta! — a voz da minha mãe recoou pela cozinha.
— Boa sorte, meu amor! — Alissom pegou a jaqueta e abriu a porta. Saiu logo que ela entrou.
— Já temos uma data? Um local específico que você queira? Seu sonho não era casar na praia? Ótimo! Eu tenho vários locais perfeitos! — Ela me bombardeou, espalhando várias revistas e papéis em cima da mesa.
Seria um longo dia!
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O irmão da minha melhor amiga 2
Novela JuvenilDepois de quase 6 anos, o mundo dela virou de cabeça para baixo. Uma filha e muitas descobertas. Novas paixões, novas surpresas; novos sentimentos. A baixinha marrenta que achava que a vida adulta era mais fácil; descobriu que estava errada... Não é...