Tatiane corre pelo estacionamento. Passa pelos carros, sobe por pequenos canteiros e adentra a vegetação sob os pinheiros. Ela anda por alguns minutos até chegar a um local onde ninguém irá incomodá-la, e ali, recostando-se em uma das árvores, senta-se sobre a grama e começa a chorar.
Borboletas voam ao redor, o sol penetra as folhagens, e colocando a cabeça entre as pernas, ela recorda-se daquela manhã no ensino fundamental:
"Quatro-olhos, quatro-olhos, sabichona e brigona...
Quatro-olhos, quatro-olhos, sabichona e brigona."
A voz dos garotos pareciam agulhas sendo fincadas em seu coração. Ela retirou os óculos, secou as gotículas de lágrimas que molharam as lentes e o colocou ao lado. Enviou um whatsapp para Lizi pedindo para que ela levasse seus materiais e trouxesse no dia seguinte, então desligou o celular. Precisava ficar sozinha, com suas memórias.
Lembrou-se daquele primeiro dia de aulas, quando entrou para o sexto ano, estava tão envergonhada, não conhecia ninguém e havia se mudado recentemente. Foi então que a garota ao lado puxou assunto, a garota que desde então tornou-se sua melhor amiga, Lizi.
Elas combinavam perfeitamente, tornaram-se confidentes e inseparáveis. Mesmo nos momentos mais difíceis, quando os garotos do fundão começaram a caçoar de sua aparência e personalidade criando a musiquinha humilhante que nunca saíra da cabeça.
Mas nem tudo no ensino fundamental fora trevas, porque na escola estudava Kaio, e ouvindo o sinal tocar ao longe, recordava-se da primeira vez em que o vira. Ela estava assistindo sua aula preferida, foi quando um sinal como aquele soou. De mãos dadas com Lizi a garota saiu correndo pelo pátio, duas crianças imaginando serem borboletas, correram por um longo corredor ao ar livre e quando chegaram à esquina dos blocos "paff", Tatiane bateu de frente com o garoto que vinha correndo na lateral oposta. Ambos ficaram tontos por alguns minutos e Lizi caiu na gargalhada junto com outros alunos que passavam por ali.
Tatiane ajeitou os óculos e finalmente viu aquele rosto branquinho, cabelos cogumelo alourado e olhos azuis como o céu. Foi a primeira vez que um garoto chamou sua atenção.
Daquele dia em diante o colégio tornou-se especial, havia um motivo a mais para ir às aulas. E assim ficavam as duas, Lizi e Tatiane, observando o garoto durante os intervalos. Até que chegou o dia triste, quando resolveram entrar no beco e ver a razão da aglomeração dos estudantes. Foi então que a empurraram de surpresa para a "cova dos leões". Empurrada pela patricinha, empurrada por Caroline, a garota que sempre foi popular.
Mas o que passou, passou — ela respirou fundo — Era hora de pegar o gordinho na creche e voltar para casa fingindo que estava tudo bem, fantasiando aquele quase primeiro beijo, não com o garoto que não escovava os dentes e sim com Kaio, o garoto perfeito para ser seu príncipe no colegial.
* * *
A tarde correu como um ladrão fugindo da polícia. No céu as primeiras estrelas brilhavam e Derick retornou à escola, era a noite da mascote. Ele se aproximou dos portões já abertos e encontrou Lizi, escorada no muro comendo um pacotinho de pipocas doce.
— Oi — Ele falou sem graça.
— Oi — Ela fingia que nada havia acontecido.
— Eeh... acho que devo desculpas, fui muito grosso mais cedo. — Disse sem tentar se justificar.
— Tudo bem, não foi a mim que você magoou. Então, vamos fingir que não aconteceu.
Há um momento constrangedor de silêncio. Ele olha ao redor com as mãos no bolso, então volta a ela.
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Confusões no Colegial
RomanceImagine um Brasil do futuro, onde estudantes de ensino médio podem dirigir e as escolas públicas tornaram-se aconchegantes a nível internacional. Imaginou? Agora utilize este cenário como palco para as aventuras de um garoto gay não assumido (Derick...