Biiiiiip...
O som de buzina ressoa solicitando que os estudantes se apressassem. Era difícil ser pontual tratando-se de um retorno, ainda mais quando Tatiane deixara para fazer as malas nos últimos minutos daquela tarde. O que isto significava? Uma grande mala abarrotada sendo arrastada pelos corredores com roupas escapando pelas laterais. Para complicar o percurso, vários colegas corriam de um lado para outro a procura de objetos esquecidos, e havia ainda os coordenadores entrando de quarto em quarto para certificar-se de que ninguém ficava para trás.
Era isso, enfim o acampamento de férias chegava ao fim.
— Vamos Tati, se apresse. — Lizi insistia com a amiga enquanto puxava a mala até a escadaria — Deste jeito vamos pegar as piores poltronas — resmungava observando a garota parar toda hora pra acomodar os objetos que teimava em fugir da mala.
— Não me irrite Lizi. A culpa é toda sua que resolveu dar um último mergulho — Tati retrucava sabendo que a mala estava toda molhada por ter guardado nela o maiô que emprestara para a amiga horas antes.
Elas chegam aos pés da escada, e lá embaixo vários grupinhos sorriam das aventuras vividas naquela semana. Garotos despediam-se de garotas com abraços e beijinhos no rosto, professores auxiliavam alunos na busca por pertences surrupiados em alguma brincadeirinha de mau gosto e Michael permanecia parado, observando a discussão das duas. Tinha um sorrisinho zombeteiro nos lábios.
— Ei? — Lizi enfim resmungou ao virar-se e reparar em sua postura despreocupada — Não fique aí parado com essa cara de bolacha garoto — ela sorri observando aquele rostinho bonito coberto pelos cabelos desgrenhados que caiam sobre a testa. Em seguida Michael ajeitou o boné e subiu a auxiliá-la.
Lizi fica parada observando o garoto pedir licença. Ele ajeita-se rente ao objeto, faz força, e degrau a degrau o transporta até o térreo, seguindo então em direção à porta. Lizi não conseguia desgrudar os olhinhos de sobre ele. Cintilavam apaixonados, envolvidos, divertidos. Tanto que só desfez a cara abobalhada quando Tati pigarreou ao lado.
— Ai, perdão amiga — Lizi corou e imediatamente passou a ajudá-la, voltando a falar sobre Michael. Tati sem alternativas precisou ouvir toda a ladainha, enquanto juntas, desciam a mala com bastante dificuldade, parando vez ou outra para respirar.
Foi então que sem reparar, pela retaguarda, sentiram uma sombra cair sobre si e ao virarem deram de cara com um Kaio silencioso a observá-las. O fato aqui era, elas estavam atrapalhando a decida.
— Querem ajuda? — Kaio enfim perguntou ajeitando a mala nas costas. Sua voz estava seca e ele não conseguia olhar para Tatiane, que também ficara bastante constrangida com sua presença. Sem esperar uma resposta, Kaio inclinou-se sobre a mala, e tomando-a pela alça, ergueu em um só movimento, seguindo para baixo sem nada dizer.
Lizi e Tatiane ficaram sem palavras. Embasbacadas, observavam as curvas do braço dele tornarem-se delineadas e as veias surgirem devido à força que empregava para transportar o objeto. Por um instante pareceram as duas garotinhas bobas do ensino fundamental, que ficavam escondidas atrás das árvores observando-o jogar futebol. Aquela recordação fez Lizi sorrir.
Foi aí que um barulho estrondoso ecoou lá de cima, e virando-se de supetão, as colegas observaram o objeto azul rolando escada abaixo, e Derick, embasbacado, parado a observar a mala descer como um produto na esteira do supermercado.
— Puts. — ele respirou quando enfim o objeto estacionou num baque — Acho que preciso arrumar um príncipe encantado para carregar minhas malas — sorri zombando das amigas enquanto certifica-se de que ninguém ouvira o que acabara de dizer.
Imediatamente a vozinha de Tatiane ecoa:
— Príncipe encantado? — ela resmunga — Diga apenas pela Lizi. Eu graças aos céus continuo avulsa, como adoro ser — e ajeitando os óculos segue os colegas rumo ao térreo.
— Avulsa porque quer — Derick rebate — Você sabe muito bem que ele está a fim de você — completa ao pisarem em terra firme.
— Na boa, vamos fazer um trato? — Tati exclama quando Derick abaixa-se para levantar a mala tombada logo à frente — Esqueçamos tudo o que aconteceu aqui, okay? Pelo menos até o fim das férias — respira fundo exibindo um sorrisinho.
— Até o fim das férias? — Derick retruca erguendo a mala — De acordo. — completa, ajeitando os cabelos que caíram sobre a face. — O que precisamos neste momento é descansar a cabeça. Deixar os problemas para o semestre que vem e curtir o restante das férias — sorri virando-se para o topo da escada.
Então seus olhos se encontram com a silhueta de Lucas que surge em companhia de outros dois colegas. Derick desvia o olhar para Tatiane e contempla sua expressão de nervosismo. Se ele tinha motivos para evitar contato com o garoto, imagine a colega. Cientes disto, não enrolam mais um minuto, e seguem para a saída.
O vento fresco do entardecer cumprimenta-os com uma leve carícia no rosto, o suave cheiro dos campos verdes ficaria na memória, assim como a sensação de acordar pela manhã ouvindo o som dos pássaros a cantarolar.
— O que vão fazer nas próximas semanas? — Derick questiona.
— Eu vou ficar em casa — Tati responde animada. Era a oportunidade que tinha para colocar suas leituras em dia. Como viera reclamando nos últimos meses, sua estante estava repleta de séries que a rotina das provas a impediram de concluir.
— Já eu vou para a casa de uns tios — Lizi retruca em seguida — vai ter o casamento de um primo. E você?
Derick pensa por alguns segundos olhando o camping uma vez mais. Aproximavam-se do ônibus.
— Vou voltar em Minas. Vamos passar o resto das férias na casa da minha avó.
E como esperado, Tati é quem faz a piada:
— Traz pão de queijo.
— Pode deixar.
Neste momento entram em um dos ônibus parados frente ao prédio de alojamentos. Lizi vai à frente seguida por Tatiane, e em seguida Derick com a mochila nas costas. Sua mala já havia sido deixada no bagageiro.
Eles passam o olhar pelas fileiras enquanto atravessam o corredor, e para sua alegria, encontram vazias as mesmas poltronas nas quais vieram.
Lizi e Tatiane sentam-se preparando os fones para a longa viagem de retorno, e o colega, logo atrás, aconchega-se fazendo o mesmo.
Lá fora alguns garotos continuam a se despedir agitados, e estudantes atrasadinhos correm para guardar as malas antes que os coordenadores comecem a reclamar.
Com um novo alerta de buzinas, os motoristas anunciam que estava passando da hora de pegarem a estrada. Derick coloca os fones e seleciona uma playlist para ser trilha sonora daquele retorno. Ao erguer os olhos observa Kaio subir a escadinha e caminhar para o fundão, logo atrás vem Lucas seguido por Ian.
Evitando uma troca de olhares constrangedores, o garoto enrubescido volta a mexer no celular e apenas com os ouvidos acompanha o trajeto para os fundos.
Os rapazes ajeitam-se em meio a algazarras e outra vez o motorista buzina logo à frente. Ouve-se o barulho do ar-condicionado sendo ligado e a porta do ônibus é fechada limitando o som aos murmúrios dos colegiais. Enfim partiriam.
Lizi e Tati já estão equipadas com os fones nos ouvido e mexem em algo nos celulares. A garota que viera ao lado de Derick está novamente ali, outra vez mexendo no tablet. Tudo parecia normal, ele respira fundo, estava retornando para casa, havia sensação melhor?
De relance resolve virar-se rapidamente, a fim de se certificar de que tudo estava bem. Ele vê Kaio escorado no vidro do ônibus, a cochilar. Lucas fizera silêncio e agora mexia no celular, e ao seu lado Ian, que olhava para frente, em sua direção.
Derick disfarça, torna a se ajeitar na poltrona. Ele havia feito um acordo com as amigas, não pensaria em nada que ocorrera naqueles dias, deixaria tudo para o novo semestre, era isso que faria, ou pelo menos tentaria.
O ônibus está fazendo a curva na porteira, a estrada de terra começa a levantar poeira, e lá no horizonte, acima dos morros, o sol despede-se de nossa turminha, pintando o céu com um belo tom de rosa e violeta.
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Confusões no Colegial
RomanceImagine um Brasil do futuro, onde estudantes de ensino médio podem dirigir e as escolas públicas tornaram-se aconchegantes a nível internacional. Imaginou? Agora utilize este cenário como palco para as aventuras de um garoto gay não assumido (Derick...