A resposta do sonho

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[...] Beijou o topo da sua cabeça. [...]

Duas semanas depois, John estava se sentindo um pouco melhor. Grande parte da sua angustia havia se dissipado, as palavras de avó Olivia ajudaram bastante, ela tinha razão, ficar chorando e lamentando na cama não ajudaria a trazer Natasha de volta. Apesar de ainda não ter cabeça o suficiente para o assunto ele voltou à revista.
Na hora do almoço ele aceitou o convite de Sam para ir ate um restaurante. Eles ficaram conversando o tempo todo, John procurava falar do trabalho tentando esquecer seu sofrimento. No trajeto de volta a revista John estava dirigindo e disse:
- Será que podemos parar em um lugar antes? Prometo que vai ser rápido
- Sim, claro, aonde vamos?
- Você vai ver – Ele tomou a outra pista e seguiu na direção oposta a revista.

- Eu ainda lembro-me de todas as vezes que chegava em casa, me abraçava, me dava um beijo e eu olhava completamente admirado e dizia "eu não acredito que essa mulher é minha" – John estava de frente para a lápide do seu pai, ele havia decidido ir ao cemitério, sentia uma imensa vontade de conversar com seu pai – É incrível como as coisas podem mudar radicalmente, um dia eu estava dizendo a mim mesmo que jamais iria me apaixonar outra vez, nunca manteria um relacionamento com mulher nenhuma, e no outro instante eu estava gritando para o mundo inteiro o quanto amava a Natasha – Sorriu balançando a cabeça – Eu me arrependo de uma coisa... De ter sido covarde. Fico pensando quanto tempo eu perdi com meus traumas, quantas vezes podia ter dito que a amava, quantas vezes podia ter demonstrado e amado mais, eu daria tudo para poder dizer isso a ela mais uma vez – Limpou uma lágrima que escorreu por seu rosto – Se você estivesse aqui saberia o que me dizer, você sempre me entendia e sabia o que era melhor pra mim.
Ele respirou fundo enquanto o vento batia suavemente em seu rosto balançando seus cabelos, tinha o olhar atento ao nome do pai escrito na lápide:
- Eu sei o quanto você deve estar zangado comigo por está amolecendo, mas era só por causa da tristeza, não posso dizer que é fácil, mas aos poucos estou tomando minha vida em minhas mãos outra vez. Logo minha garota vai acordar e eu preciso ter tudo em ordem não é?! – Ele sorriu e mordeu o lábio. Puxou o ar para os pulmões – Você ainda continua sendo um bom ouvinte. Agora eu sei que mesmo estando em outro plano você continua ao meu lado me protegendo... Só consigo ver isso por causa da Natasha, acho que temos que agradecer a ela – Ele riu – Bom eu já vou indo pai, eu volto outra hora para visita-lo. Fique bem. – Ele enfiou as mãos nos bolsos do casaco e deu meia volta indo para o portão de saída.
Quando entrou no carro, Sam que esperava sentado olhou para ele com um sorriso no rosto:
- Tudo bem?
- Sim, tudo ótimo – Ele respondeu mostrando um sorrisinho de canto e então deu a partida no carro.

Ele passou à tarde no hospital e contou a Natasha o que havia dito ao seu pai no cemitério, e comentou ate mesmo sobre o almoço com Sam, esse era um meio de manter ligado a ela.
A noite voltou para seu apartamento, hoje quem ficaria com ela era Ethan. Durante as três semanas todos se revezavam no turno da noite, mas John ia todo dia a tarde e ficava ate anoitecer.

As duas batidas na porta tiraram a concentração de John do livro que estava lendo. Logo a cabeça de seu pai apareceu na porta semiaberta. John estava deitado na cama e entretido com sua leitura:
- Estou atrapalhando? – Ele perguntou e se aproximou da cama. Mark era a versão mais velha de John, e com os cabelos pendendo entre o grisalho e preto ele era um homem muito charmoso, Mary sempre dizia de onde John havia herdado tanta beleza.
- Não, estava apenas lendo – Balançou o livro no ar e deixou de lado sentando na cama – O senhor quer alguma coisa?
- Na verdade vim fazer um convite, eu e sua mãe vamos para Nova York esse final de semana, é o aniversário do Ethan, lembra-se dele? – Sentou na beirada da cama.
- Sim, claro, como pode esquecer o grande Ethan?! Há! Há! Há!
- Sim, você não quer vir junto? Também vamos procurar uma casa, nós já conversamos que logo nos mudaremos para lá.
- É eu sei, mas não, obrigado pelo convite, o pessoal está pensando em fazer uma trilha esse final de semana eu já disse que ia.
- Faz tempo que você não vai para Nova York... Na festa você também poderia ver a Natasha, ela está uma moça linda.
- A Natasha? Há! Há! Há! Sério pai? Ela é muito nova, tem o que 15 ou 16 anos?
- 15
- Viu só! Eu tenho vinte. Não, eu quero alguém da minha idade, uma mulher mais madura e experiente, ela ainda é uma criança.
- Não falaria isso se a visse – Ergueu uma sobrancelha olhando para o lado.
- Por quê? Ela está igual a uma supermodelo agora?
- Ela sempre foi bonita, e com a maturidade está dando bastante dor de cabeça para Taylor com os rapazes que caem em cima dela.
- Hmmm! Nossa... Mas de qualquer jeito eu não vou, nem por Natasha nem por ninguém, eu prefiro ficar aqui. Eu quase não conheço ninguém lá.
- Bom é você quem sabe, nosso voo sai sexta à noite, qualquer coisa.
- Obrigado pai, mas não.
- Ok – Ele bateu de leve na perna dele e levantou da cama e saiu do quarto.
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Eu me lembro desse dia, desta vez não era um sonho e sim uma recordação. O ar ao meu lado estava frio e algo pinicava nas minhas costas. Eu abri os olhos e a primeira coisa que vi foi o céu, senti terra na ponta dos meus dedos, virei à cabeça para o lado e notei varias margaridas ao meu redor, eu estava deitado no meio do campo delas. Sentei sem entender ou reconhecer esse lugar. A leve neblina circulava ao redor, e toda a luz da paisagem tinha um tom rosado. Eu não estava entendendo nada:
- Você ainda lembra esse dia? – Uma voz masculina veio do lado direito. No mesmo instante eu virei e para minha surpresa, era meu pai, estava dentro de um pequeno barco no lago e ajeitava a linha no anzol.
- Pai? – Enrijeci as sobrancelhas. Ele estava mesmo ali, e não era uma recordação. Talvez um sonho.
- Você disse que não iria para Nova York nem pela Natasha e nem por ninguém. – Sorriu e ergueu a cabeça para me olhar – Hoje você afirma que iria ate a lua por ela.
- Anda escutando a conversa dos outros? – Perguntei em tom de deboche me levantando da grama.
- Não há muita coisa para se fazer por aqui, e eu gosto de saber de tudo o que acontece com minha família. – Ele deu de ombros e eu parei ao lado do barco – Vamos entre. – Por uns segundos eu hesitei, mas acabei entrando, sentei no banco bem a sua frente.
Meu pai pegou os dois remos e empurrou o barco para longe da margem e remou ate o meio do lago:
- Me passe àquelas iscas – Apontou com o queixo. Eu olhei para o lado e vi um balde cheio de minhocas. Nunca gostei disso. Entreguei o balde a ele.
- Ainda não se cansou de pescar? Você nunca foi bom.
- Um bom pescador nunca desiste – Ele ergueu o dedo indicador enfatizando sua frase. Colocou a isca no anzol e ficou de pé para lançar a linha no lago. Eu estava esperando a hora em que ele iria se desequilibrar e cair ou na água ou dentro do barco, mas para minha surpresa ele lançou como um profissional. Ele colocou o cabo da vara no suporte e sentou soltando um longo suspiro – Vamos ver se eu dou sorte hoje.
Eu olhei para o lago e tinha uma parte da neblina cobrindo a superfície:
- Então, como está a sua mãe?
- Do jeito que o senhor lembra.
- Fazendo suas análises com cada ser vivo que se locomove e aparece em sua frente – Ele soltou uma risadinha.
- Sim
- E você? Como está? – Olhou fundo em meus olhos.
- Bem...
- Não minta para mim John
- Hunf! Estou tentando ficar bem, mas confesso que está um pouco difícil
- Eu imagino, eu vi tudo o que aconteceu.
- Então sabe o que estou passando
- Sei...
Eu continuei olhando para ele e me perguntando qual era o significado disso tudo:
- Por que está aqui pai?
- Ué! Você disse que queria falar comigo
Eu fiquei mudo, havia dito isso hoje de manhã quando fui visita-lo no cemitério:
- John eu sei o que está sentindo e o que está passando, e acredite eu estou sofrendo – Ele apoiou os antebraços sobre a perna – Tudo o que você sentiu, eu senti, toda sua raiva, seu desespero, a angústia e a tristeza, senti como se fosse eu no seu lugar ali. Eu entendo sua dor, provavelmente teria a mesma reação se tivesse acontecido com sua mãe... Mas ouça John, sua avó tem razão em uma coisa, Natasha ainda está viva, e por isso ainda há esperança.
- Já se passaram três semanas...
- E você sobreviveu a elas, vai conseguir aguentar um pouquinho mais – Piscou. Ele olhou por cima do meu ombro e sorriu – Também faz três semanas que um garotinho apareceu para me fazer companhia.
- Garotinho? – Eu me virei para olhar para trás e vi quando um menino correu para o meio das árvores.
- Ele é muito animado e esperto, se parece com você, na aparência e no jeito.
Assim que escutei aquilo virei meu rosto para encara-lo com a boca semiaberta. Será que era o que eu estava pensando?
- Ele...
- Sim, é o seu filho – Abriu um largo sorriso.
Eu tornei a olhar para trás querendo vê-lo, eu queria que ele chegasse mais perto, queria toca-lo, ver seu rosto, saber com quem se parecia, queria pedir perdão por não protege-lo quando mais precisou de mim, mas ele havia sumido. Senti a mão do meu pai sobre a minha, me virei de frente:
- Ele perdoa você, sabe que não foi sua culpa. Ele queria muito conhecer você e a Natasha, só que entende que por enquanto não vai ser possível.
- Eu nem cheguei a saber sobre ele quando ainda estava vivo
- Eu sei, e a dor que você sentiu rasgou meu peito. Eu estava tão feliz por saber que você seria pai... Mas tudo tem seu tempo.
- Mas ainda não era o dele. Era tão pequeno, tão indefeso
- Nada acontece por acaso filho. Foi uma grande tristeza a Natasha ter perdido ele, mas a vida de vocês dois não acabou por aí. Você precisa se levantar, olhar para o futuro e conquista-lo. Acredite em mim, isso tudo logo vai acabar, vocês terão outra chance – Apontou novamente por cima do meu ombro. Eu olhei na direção e vi novamente o garotinho desta vez perto da margem e acenando para nós dois. Ele devia ter mais ou menos uns quatro anos. Senti meu coração se apertar e encher de felicidade ao mesmo tempo. Nós estávamos um pouco distantes da margem, mas eu pude ver seu rosto, era uma mistura perfeita minha e da Natasha. Era meu filho, meu. Ele correu de volta para o campo de margaridas e sumiu.
- Ele adora correr no meio das flores, mas suas preferidas são as rosas
Eu abri um sorriso ainda olhando na direção em que meu filho correra. Senti os olhos marejados e uma lágrima escorreu deles. É claro que ele gostava de rosas:
- Puxou a Nat, ela adora rosas – Lentamente me virei. Toda a alegria em mim se misturou com a tristeza. Meu pai estava ali, conversando comigo, me dando conselhos, me dizendo o que fazer, do jeito que eu pedi, e isso doeu na minha alma. Eu abaixei a cabeça – Por que você me abandonou pai?
- Eu nunca abandonei você. Meu corpo ficou para trás, mas meu espírito continua vivo, e estou sempre ao seu lado. Mesmo que não me veja não significa que eu não esteja lá. Você passou por muitas provações John e agora é hora de receber sua recompensa. Eu vou estar sempre do seu lado filho, nunca estará sozinho.
Eu me lancei para frente e o abracei já chorando:
- Você me faz muita falta
- Você também faz – Seus braços se fecharam em volta de mim. Eu sentia muita falta desse abraço – Tudo vai ficar bem meu filho, mas eu preciso que seja forte, não desista. Lembra o que eu sempre dizia quando você sentia medo de algo? – Eu fiz que sim com a cabeça – Tenha coragem.
- Eu vou ter
- Eu sabia que você não ia me decepcionar. Você é meu orgulho, minha mais perfeita obra. Eu continuo vivendo em você, eu nunca morri, pois você ainda vive, e por isso eu ainda estou vivo.
- Eu te amo pai
- Eu te amo muito filho – Ele beijou minha cabeça - Beautiful, beautiful, beautiful
Beautiful boy
Beautiful, beautiful, beautiful
Beautiful boy – Ele começou a cantar a nossa música e eu me desatei a chorar. Escondi meu rosto na curva do seu pescoço e soluçava como uma criança:
- Beautiful, beautiful, beautiful
Beautiful boy
Darling, darling, darling
Darling John – Eu senti tanta falta da sua voz desafinada, a melhor parte do meu dia era quando a hora de dormir chegava, pois ele sempre ia ate o meu quarto me contava uma história e depois cantava essa música. Eu apertava com força a sua camisa em minhas mãos.
- Vá buscar sua mulher – Ele sussurrou no meu ouvido e então sumiu. Quando não senti mais seu corpo fiquei um pouco desorientado, olhei para todos os lados procurando por ele, mas havia desaparecido por completo. A vara de pescar começou a balançar, um peixe mordeu a isca. Olhei para o banco e vi seu chapéu de pescador. Estiquei o braço e o peguei. Levei ate o rosto e dei um beijo, depois pressionei contra o coração, esse era o presente dele para mim. Ergui a cabeça para o céu.
- Obrigado pai

John acordou com a respiração cortada. Passou a mão no rosto e sentiu o rastro de duas lágrimas. Ao notar que estava no quarto ele suspirou, foi então que se lembrou do sonho e do último comentário do seu pai. Pulou da cama e correu para o closet pegar uma calça e uma camisa.

Entrou correndo no hospital e optou por subir as escadas, o elevador demoraria muito. Varias pessoas olhavam para ele e se perguntavam quem era esse louco. Ao chegar ao quarto da Natasha viu Ethan saindo. Ainda faltavam umas três horas para amanhecer:
- John? O que faz aqui?
- Eu não consegui dormir, então pensei em vir para cá
- Hmmm!
- Onde estava indo?
- Até a lanchonete comprar algo para comer.
- Ok! Eu fico com ela
- Tá bom, obrigado – Ethan acenou e partiu. John entrou no quarto e a viu ainda com os olhos fechados.
Se aproximou da sua cama e tomou uma lufada de ar, por um momento acreditou que a encontraria acordada, que essa era a razão do seu sonho, avisar que ela estaria desperta. Tocou seu cabelo se abaixando para perto do seu rosto:
- O que se passa na sua cabeça? – Olhou seu rosto com admiração – Eu queria poder respirar por você minha linda – Ele sentou na beirada da cama e tomou cuidado para não ficar em cima de nenhum fio e então deitou, passando um braço em volta do seu corpo – Volta para mim, vem para casa. Eu te amo muito. – Deu um beijinho em seu ombro.

Um dos seus braços estava dolorido, mal conseguia mexer e quanto mais tentava mais ele doía, o outro não estava doendo, mas algo impedia de movimenta-lo. Seus olhos estavam pesados, mais do que o normal, com grande esforço conseguiu abri-los. Todo o seu corpo estava dolorido, como se tivesse levado uma surra. Seus pensamentos estavam turvos e lentos, olhava de um lado para outro, mas não entendia onde estava, nem como tinha chegado ali. Algo em sua boca incomodava, tentou ver, mas ao fazer isso sentiu dor atrás dos olhos e desistiu. Mexeu novamente a mão que não doía, tentou fecha-la e sentiu que algo a segurava. Tentou outra vez fazer força para fechar, estava cansada, mas conseguiu. Uma sombra pairou sobre seu rosto, e mesmo com a vista embaçada o reconheceu:
- Natasha? – Sua voz saiu em tom de surpresa.

Continua...

Simply, I love youOnde histórias criam vida. Descubra agora