Ainda meu

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[...] Olhou em seus olhos antes de beija-lo. [...]

Natasha o abraçou apertado dando um suave beijo em sua testa. Ele havia parado de chorar, o que era bom, mas sorria fracamente. Ela suspirou e olhou fundo em seus olhos:
- Sabe o que me deixa chateada? – John apenas ergueu as sobrancelhas deixando que ela continuasse – Sempre que você fala do seu pai sua expressão fica triste, é como se não quisesse falar sobre ele. Nem parece que é aquele garoto que era tão apegado ao pai como todos diziam.
John a olhou como se tivesse sido insultado:
- Eu sei, você o ama, mas está tão submerso na tristeza que só lembra da morte dele, e esquece todo o resto. Poxa, você está trocando tudo. A morte foi só um dia triste comparado há 28 anos que viveu com seu pai, não foi muito, mas foi o suficiente para descobrir uma vida ao lado dele. Tem tantas crianças que são abandonadas ou negligenciadas pelos pais, e você foi tão amado, sabia que podia contar com seu pai para o que fosse e a qualquer hora.
- Sim, era meu melhor amigo.
- Então. Você deve lembrar apenas as coisas boas que viveram juntos, as brincadeiras de criança, os segredos que contavam um ao outro, falar sobre o primeiro beijo ou a primeira namorada, lembrar das risadas e das conversas, dos conselhos, das broncas, de tudo, mas nunca lembrar o pior. Mark ficaria tão desapontado se soubesse que você o enxerga assim, alguém que já se foi e não é motivo de recordações felizes.
- Eu nunca tinha pensado nisso. Eu lembro sim dos bons momentos que passei junto dele, mas todas as vezes que me recordava a imagem do meu pai em uma cama de hospital volta na minha cabeça.
- Então vamos esquecer essa imagem. Sempre que ela aparecer você vai pensar em um Mark risonho e cheio de gracinhas, vai substituir por uma nova recordação.
- Eu não sei se consigo
- É claro que consegue, basta tentar. – De repente o celular dela começou a tocar em seu bolso. O pegou e viu quem era – É meu pai, ele quer falar com você. Pedi para que viesse ate aqui.
- Por quê?
- Tem algo que ele quer falar a muito tempo. Vem – Ficou de pé e esticou as duas mãos para ele pegar. John segurou suas mãos e levantou – Você é mais forte do que pensa – Sussurrou antes de beija-lo.
Quando voltaram para a sala Taylor estava de pé com as mãos enfiadas nos bolsos. Quando os dois se aproximaram Natasha chamou a atenção do senhor:
- Pai
- Oh! Nat – Sorriu para sua filha, e seu olhar se voltou para o rapaz – John.
- Taylor – Cumprimentou com um aperto de mão.
- Eu acho que cheguei dois anos atrasado para dar meus pêsames
- Não se preocupe com isso
- Vamos sentar – Natasha falou. Os dois sentaram no sofá, e Taylor se instalou na poltrona ao lado – Pai você disse que tem algo a dizer, mas antes eu queria falar algo.
- É claro
Ela olhou para John esperando alguma confirmação, mas ele apenas a observou novamente com aquele seu olhar vazio:
- John se acha culpado pela morte do pai
- O que? Mas isso é maluquice
- Eu disse. Ele acredita que se tivesse chegado dois dias depois ou umas horas antes, Mary não teria ligado para Mark e ele não teria pegado o carro para voltar para casa, e todo o acidente não aconteceria.
- Isso é loucura, como pôde pensar em algo assim?
- É a verdade – John retrucou.
- Mas é claro que não, aquele acidente aconteceria com você estando ou não aqui – Taylor respondeu.
- Como pode ter certeza?
- Porque falei com seu pai minutos antes... E saiba que ele já havia saído da casa dos seus avós antes de receber a ligação de Mary.
- O que? – Entreabriu a boca olhando-o.
- Sim, nesse dia marcamos de ir ate o Jockey clube, eu liguei para confirmar, e ele me disse que estava saindo da casa dos pais e iria ate sua casa apenas para trocar de roupa e me encontraria lá. Acho que uns cinco minutos depois eu tornei a ligar para avisar que me atrasaria porque surgiu um problema na agência, ele disse que estava no carro a caminho de casa – Taylor encheu o peito de ar e continuou – Mais ou menos dez minutos depois ele me ligou novamente dizendo que não poderia ir ate o Jockey porque Mary havia ligado dizendo que você tinha chegado à cidade.
John escondeu o nariz e a boca entre as mãos, apoiando os cotovelos sobre os joelhos. Ele apertou os olhos e pouco a pouco uma lágrima por vez escorria por suas bochechas.
- Você entende agora?! Você não teve culpa de nada, Mark já estava dentro do carro quando soube da sua chegada. Infelizmente aquele acidente aconteceria de qualquer maneira
- Minha nossa – Abaixou a cabeça.
Natasha passou a mão sobre a costa dele observando-o atentamente, não queria que ele chorasse de novo, mas esse era o momento de tirar tudo àquilo do peito, de lavar essas memórias ruins, e acabar de uma vez por todas com essa culpa que nunca deveria ter carregado:
- Quando sua mãe me ligou avisando o que tinha acontecido, eu pensei que tivesse sido uma brincadeira de mau gosto, um trote, mas então escutei seu grito ao fundo chamando seu pai e soube naquele instante que era tudo verdade. – Taylor limpou a lágrima do seu rosto – Era tudo louco, eu não consegui acompanhar aquele tempo... Alguns minutos atrás eu tinha acabado de falar com meu amigo, e no outro ele estava entre a vida e a morte em um hospital.
- Eu entendo bem isso – Grunhido saiu de seu peito.
- Quando a ficha caiu eu chorei por horas... E... Logo em seguida fui atrás da Mary para saber como estava, oferecer meu apoio... Claro, ela não estava nada bem... Eu perguntei por você, ela me disse que estava sem chão, com raiva, e não queria nem que ela chegasse perto.
Natasha alternou o olhar entre seu pai que já não conseguia mais segurar o choro, e John que soluçava escutando tudo aquilo:
- Depois do funeral eu fui novamente procurar você, mas outra vez tinha sumido. Eu achei que queria ficar sozinho, passar por aquilo sozinho, e eu respeitei – Taylor levantou da poltrona para sentar do lado de John – Mas eu me arrependo amargamente de não ter tentado mais.
John ergueu o rosto para olhar Taylor nos olhos e engoliu em seco:
- Eu devia ter insistido em falar com você, ido atrás, mas ao invés disso eu deixei você sozinho, deixei que sofresse tudo aquilo sem um ombro amigo onde chorar... Eu sinto muito – Passou o braço sobre o ombro dele – Mark sempre foi meu melhor amigo, e quando o filho dele mais precisou de mim eu não estava lá. Eu não me perdoo por isso.
- Meu pai gostava muito do senhor
- E eu dele. Éramos irmãos, eu vi você crescer... Nossos filhos cresceram juntos como uma família. Você sempre dizia para as pessoas que Ethan era seu irmão e a Natasha sua irmã. – Olhou para sua filha e a mesma sorriu entre lágrimas.
John apertou a mão dela e a mesma levou ate a boca e beijou:
- Você era meu filho, assim como meus filhos eram do Mark, era a nossa família, não havia distinção de nada, dois pais, duas mães e três filhos.
- Eu lembro que o senhor me ensinou a jogar basquete... Eu não lembrava disso, mas estou recordando agora – Suspirou dando um fraco sorriso – Meu pai só sabia jogar vôlei, mas você me ensinou como jogar basquete e outros esportes.
- Sim, você e Ethan adoravam quando eu jogava. Não podiam me ver que pediam a bola de basquete e que eu jogasse também.
- Sim... Estou lembrando
- Eram meus filhos, todos os três. Eu estive presente em cada momento especial na sua vida. Na sua formatura Mark e eu estávamos na plateia, quando você pegou o canudo nós levantamos das cadeiras aplaudindo e dissemos ao mesmo tempo "é o meu filho" nós apenas rimos, alguns pais nos olharam torto, acho que pensaram que fossemos gays.
Um risinho dos dois encheu a sala:
- É, eu passei vergonha nesse dia – Passou a costa da mão em sua bochecha.
- Me desculpe John por não estar presente há dois anos – Olhou fundo em seus olhos – Você precisou de mim, e eu simplesmente fui embora.
- Não... Eu...
Taylor segurou o rosto do rapaz e disse:
- Você é meu filho, eu não vou e nem quero substituir seu pai, isso seria impossível, mas saiba que sempre serei seu pai de coração e quero que me veja assim. Eu nunca mais vou abandona-lo, saiba que pode sempre contar comigo, para qualquer coisa. Se precisar de alguém para conversar, para escutar um conselho ou simplesmente ir a um bar jogar conversa fora não hesite em me chamar, e eu venho correndo. Tenho certeza que se estivesse em meu lugar, Mark faria a mesma coisa pelos meus filhos.
- Obrigado... Muito obrigado – Por uns segundos John viu seu próprio pai bem na sua frente enquanto olhava para Taylor, seus lábios tremeram de alegria e tristeza.
Taylor puxou o rapaz e o abraçou forte deixando o moreno chorar ate a dor passar. Ele fez algo que deveria ter feito há muito tempo, o consolou. John agarrava a camisa do senhor e soluçava ate seu ar acabar, sua alma estava sendo lavada, aquele pesadelo finalmente tinha acabado, conseguira esquecer a imagem do seu pai deitado coberto de aparelhos naquela cama de hospital, e no lugar recordava da risada dele, dos momentos juntos, das diversas noites que corria para o quarto dos pais com medo da chuva e quando passeava com ele pelas ruas de Londres.
Quando toda aquela onda choro parou, Natasha enxugou o rosto e disse:
- Eu tive uma ideia. Que tal se a gente fizesse um bolo para o Mark?
- Um bolo? – John perguntou enrijecendo as sobrancelhas.
- Sim, já ouviu falar em aniversário de morte?! Faremos um bolo bem bonito com direito a velas, e antes de apagarmos desejaremos tudo de melhor para ele.
- Eu acho uma ideia maravilhosa – Seu pai concordou.
- Err... Tudo bem, acho que vai ser legal
- Ótimo. Então vamos – Nat segurou a mão de John e o puxou rumo à cozinha.
Foi uma hora bem divertida, eles riram bastante e sem parar. Sujaram toda a cozinha jogando farinha um no outro e deixando cair respingos de massa de bolo.
Quando terminaram Natasha enfeitou o doce com o que tinha, encontrou duas velas pequenas e pôs no centro. Depois de acender os três apagaram desejando felicidades ao falecido Mark, e então comeram.
De repente o celular de Taylor começou a tocar:
- Hmm! É a Susan, eu não disse a ela que viria aqui, e tem horas que sai da agência
- Pode ir pai, eu vou ficar aqui – Natasha respondeu enquanto lavava os pratos. O bolo estava pela metade, John e Taylor não resistiram e comeram mais do que deviam.
- Tudo bem. Qualquer coisa me liga querida.
- Ok! Tchau – Sorriu.
- Eu acompanho o senhor – Eles saíram das cadeiras e da cozinha cruzando a sala em direção ao elevador.
Depois de apertar o botão, não demorou muito para o elevador subir, mas antes de entrar Taylor se virou e disse:
- Ah! Tem mais uma coisa, eu quase ia esquecendo.
- O que?
Natasha estava enxugando as mãos em um pano quando John retornou:
- Nat
- O que?
- Por que não me contou que amanhã é seu aniversário? – Parou ao lado da pia. Natasha o olhou por uns segundos sem entender, mas logo seu rosto clareou.
- Oh! Eu tinha esquecido que é amanhã – Deu a volta por ele ficando do outro lado do balcão – E também não achei que fosse importante contar.
- Como não? É seu aniversário, se tornou uma das datas mais importantes para mim – A seguiu segurando sua mão – Minha linda... – Ele segurou em sua cintura fazendo-a sentar no banco ao lado do balcão, ficou entre suas pernas deixando suas mãos sobre as coxas da mesma - É muito importante para mim saber disso.
- John é só mais uma data – Apoiou suas mãos nos ombros dele – Mais um ano para minha velhice.
- Não é uma data comum, é o seu aniversário, eu lembro que logo quando nos conhecemos eu pedi para que me dissesse o dia.
- É eu sei, mas depois da semana que tivemos, eu nem imaginaria que reataríamos. Ia ser o aniversário mais triste de todos.
- Mas agora não vai ser mais. Não sabe como estou chateado por não ter me falado.
- Me desculpa – Acariciou seus cabelos.
- Assim você me deixa sem tempo para comprar um bom presente
- Eu não preciso de presente, eu tenho você e é tudo o que eu quero – Beijou o canto da sua boca.
- Mas eu quero comprar, tem que entender que isso é importante. Um dia eu lamento a morte e no outro celebro a vida.
- Eu entendo – Sorriu – Mas quero apenas que fique do meu lado, e me ame. Presente e festa não me importa, apenas estar na companhia daqueles que eu amo já é o suficiente.
- Eu vou estar do seu lado, vai acordar comigo
- Meu dia vai começar sendo perfeito – Tocou os lábios dele com os seus e o beijou lentamente, sem presa alguma, apenas queria desfrutar daquele momento. Os lábios dela pareciam veludo, passando a língua e mordendo a carne ficava inchada e mais tentadora. Como tinham sentido falta desse beijo durante a semana, que mais parecia ter sido meses.
Natasha se afastou do rosto dele dando beijinhos nos cantos da sua boca. Alisou seu rosto olhando suas feições:
- Você tem dormido bem? Parece cansado
- Eu não dormir muito essa semana, apenas poucas horas. Tive bastante insônia.
- É eu também, acordava no meio da noite e só conseguia voltar a dormir com remédio. A única vez que dormir realmente bem foi quando você foi ate a minha casa e dormiu junto comigo.
- Sabia que eu estava lá?
- Sim
- Você achava que estava sonhando
- É eu também, mas o Ethan me disse que você tinha dormido comigo mesmo – Sorriu. Deu de ombros – É eu só consigo descansar bem quando estou nos seus braços.
- Digo o mesmo – Recostou sua testa na dela.
- Quer dormir um pouco?
- Agora? Ainda não é nem meio dia
- Não tem problema. Nós dois precisamos descansar, foi emoção demais para um dia só.
- Tudo bem – Beijou a pontinha do nariz dela, e então a pegou no colo. Ela riu beijando toda a extensão do seu rosto.
O quarto estava congelando, e foi só nesse momento que notaram a chuva forte que caía. John a deixou na cama e fechou as portas de vidro do acesso à varanda impedindo o vento frio de entrar:
- Nossa que gelo – Ela reclamou – Deita abraçado comigo, de conchinha.
- Vai ser um prazer – John passou para o seu lado da cama, e ela se ajeitou toda animada perto do seu peito. Ele passou o braço em volta dela deixando-a mais colada ao seu corpo, a mesma segurou sua mão acomodando perto do pescoço.
- Você tá tão quentinho - Puxou seu cabelo para o outro lado.
- E você tá muito macia – Recostou seu rosto sobre o dela.

Natasha acordou com o barulho de algo caindo. Assim que abriu os olhos John estava pegando o celular do chão:
- John? – Notou que ele estava todo vestido para sair. Olhou para o relógio e marcavam duas da tarde.
- Me desculpe minha linda, não queria acordar você
- Aonde você vai? Ainda está chovendo – Apoiou as mãos na cama e sentou.
- Eu vou dar uma saída rápida e já volto – Se aproximou dela dando um beijo em sua testa.
- John... – Segurou sua mão. Olhou para ele com indecisão, precisava de algo que confirmasse que o motivo da sua saída não era para ir ate a corrida. Se fosse o caso ela vestiria qualquer coisa e iria junto.
- Não se preocupe, eu vou só resolver uma coisa e volto logo. – Parecia ter lido a mente dela.
- O que vai fazer? - Sua expressão era de preocupação.
- Resolver um problema. Fique tranquila, não vou para nenhum lugar perigoso ou ilegal – Beijou suas bochechas e lhe deu um selinho – Confie em mim.
- Hunf! Tudo bem, mas se em uma hora não me mandar uma mensagem dizendo onde está eu juro que vou rastrear seu celular.
- Há! Há! Ok! Se você se sente melhor assim, o Phil vai comigo.
- É eu me sinto melhor, pelo menos ele tem juízo
- Que cruel
- Hmm – Puxou o rosto dele e lhe deu um longo e demorado selinho – Não demora.
- Não vou – Sorriu. Se afastou dela seguindo para a porta e então saiu do quarto.
Naqueles poucos segundos Natasha cogitou diversas vezes segui-lo para ter certeza de que não faria nada de errado, mas aqueles demônios que o atormentavam haviam sido destruídos, e precisava confiar que ele apenas ia a algum lugar resolver um problema, e passaria bem longe do local das corridas clandestinas. Jogou-se novamente na cama e respirou fundo.

Continua...

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