Capítulo 5

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Katherine

Abro os olhos ao mesmo tempo em que um contador regressivo começa a rodar em minha mente. Dando início às minhas últimas horas em solo norte-americano. Me viro na cama, querendo aproveitar os últimos minutos de meu edredom quentinho, de minha cama macia e do cheirinho de amaciante que dura milhares de dias em minhas roupas.

Não é como se eu não tivesse nada disso em minha casa, eu tenho. A diferença é que aqui é tudo só meu, sem ninguém para roubar minhas experiências para si ou me privar de algo.

Lembro do frio que estará fazendo no Brasil, que não é tão intenso como os que já senti aqui. Eu preciso mesmo separar um casaco para vestir assim que o avião pousar. Sinto uma nostalgia me invadir.

Minha cidadezinha maravilhosa, meus amigos que já insistiram em marcar vários encontros de "bem vinda de volta, Kath". Minha casa, que não é tão representativa para mim, pois não é a mesma que vivi em grande parte da infância, mas que onde está minha mãe, a melhor pessoa que existe.

Só de lembrar da casa antiga, da casa onde nasci, sinto um amargor na boca do estômago. Respiro fundo algumas vezes, mas ele insiste em dar as caras e querer subir pela garganta. Levanto da cama em um pulo. Não quero lembrar de mais coisas do que já lembrei, pois esses são os únicos pontos que importam e são as únicas coisas que irei focar quando pisar em solo Brasileiro.

Começo a arrumar o quarto para distrair a mente e esquecer especificamente o que eu não quero lembrar. Tenho todas as especificações que a escola deixou para liberação do quarto, então começo a procedimento logo para que eu não me atrase. Ligo uma música no celular e começo a tirar toda a roupa de cama enquanto danço com o som que preenche o quarto. Vou colocando os lençóis em um canto para dobrar em seguida.

As lembranças do dia anterior me atingem com força assim que começa a tocar a playlist que tocou em minha festa de despedida. Não foi bem uma festa, estava mais para uma reunião para o lanche da tarde. Sorrio ao lembrar de todos os doces e comidas que meus amigos trouxeram, tudo para que eu me despedisse em grande estilo de tudo o que há de melhor aqui. Dancei muito, puxando todos para dançarem comigo, nos transformando em loucos que fazem barulho no meio do campus em plenas férias.

O sorriso não abandona meu rosto em nenhum momento, é muito difícil lembrar dos últimos anos e não sorrir. Tive tantas pessoas incríveis ao meu redor. Essa experiência serviu para me libertar das amarras de minha adolescência, para me distanciar de meus problemas brasileiros e para me fazer finalmente uma adolescente de verdade. Que minha mãe nem desconfie disso, mas tudo que eu menos quero é voltar para casa.

Percebo que estou tão distraída quando os lençóis estão todos dobrados dentro do cesto de roupa suja, a cama está vazia e eu estou parada no meio do quarto e sorrindo. Me adianto para olhar se esqueci algo no armários, gavetas, embaixo da cama ou de algum móvel e do banheiro. Nada! Tudo está nas malas ou já foi enviado por correio. Só me resta tomar um banho, vestir minhas roupas, tirar o casaco da mochila, colocar o pijama no lugar e partir de volta para meu país de origem.

Assim que saio do avião, sinto um calor gostoso. Não está fazendo o frio que eu imaginava. Talvez esse seja meu desejo de boas vindas. Ando todo o caminho sorrindo, acenando para pessoas que não conheço e demonstrando toda a felicidade de ter voltado. Querendo ou não, é bom ver brasileiros por toda parte, além de ter essa aura receptiva em todo mundo, visto que todos os meus acenos e sorrisos foram correspondidos. Por incrível que pareça, minha mala não demora para chegar. Me sinto novamente bem recepcionada. Trouxe pouca coisa comigo, pois o que eu precisava mesmo mandei pelo correio na semana anterior.

Continuo meu caminho me sentindo a pessoa mais feliz do mundo. Louca para ver minha mãe e lhe dar um abraço imenso e apertado, só assim eu me sentiria enfim em casa.

Assim que saio pelo portão, procuro pelos olhos azuis tão característicos de dona Kátia. Mas o que eu encontro faz expulsar todo o calor de meu corpo, congelando até o meu sorriso.

Não me sinto mais tão bem vinda assim e parece que todas as pessoas ao redor não querem mais sorrir para mim. Ando em sua direção, decidida a afastar de vez aquela criatura de minha vida.

— Por que você veio? — Falo em um fio de voz, tentando deixar claro toda a raiva que sinto por ele. — Achei que a mamãe viria me buscar. Você nem precisaria se incomodar, eu poderia perfeitamente ir de táxi.

— Bom dia pra você também Katherine, como foi de viagem? — Meu irmão tenta ser gentil, mas eu sei muito bem onde as gentilezas dele podem chegar.

Ignoro suas palavras e empino o nariz, excluindo totalmente sua presença dali. Ele não passa de um inseto inconveniente.

Não posso deixar ele estragar meu dia que tem sido tão bom. Adianto meu passo até o ponto de táxi do aeroporto, mas percebo que Daniel me segue, insistindo para que eu vá no carro com ele.

— Katherine, espera... Vem comigo!

— Não. Eu não quero ir com você! Por favor, não me siga. — Eu falo sem me dar ao trabalho de parar para falar com ele, mas algo vem à minha mente. Eu quero que ele pare de me atormentar e eu sei muito bem como fazê-lo. Paro minha caminha e me viro para olhar aqueles olhos desprezíveis. Tento soar da forma mais venenosa que consigo e que uso exclusivamente com ele. — Será que você pode respeitar a vontade de uma mulher uma vez na sua vida?

Dito e certo. Ele fica parado, sem reação alguma, com sua máscara caindo e mostrando aquela expressão que me embrulha o estômago.

Não espero sua resposta ou mais alguma reação vinda dele. Apenas continuo meu caminho, indo ao ponto de táxi que fica em frente ao aeroporto.

Entro no táxi e sinto vontade de chorar. Por mais que eu não queira os meus olhos começam a arder por conta das lágrimas que busco conter a todo custo para não caírem. É impressionante o talento que Daniel tem em estragar o meu dia.

Marcas do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora