Capítulo 53

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Daniel.

Assim que Ana e kelly sumiram do meu campo de visão Eu corri até a sala de dona Sônia, a diretora da ONG. Tentei não pensar no fato de ter visto Ana novamente, e de que agora ela é kelly podem estar falando sobre mim, isso é algo que eu terei que resolver depois, agora tem algo muito mais urgente é importante.

Quando chego na porta da sala da diretora ela se encontra fechada, então eu dou uma batida de leve e ouço um entre como resposta.

Abro a porta devagar e Sônia já me aguarda em sua mesa. A diretora da ONG é uma mulher jovem, não deve ter mais de 35 anos, eu me pergunto a quanto tempo ela se dedica em ajudar vítimas de abuso a lidar com os traumas e se libertar. Será que assim como eu ela também tenha um motivo forte pra ter começado tudo isso?

— Pode se sentar aqui Daniel. A voz de Sônia me tira dos meus devaneios particulares. Me sento na cadeira que ela me indica, ao seu lado.

— Boa tarde, me perdoe pelo atraso, e que eu trouxe alguém pra visitar a ONG também, e eu não queria deixá-la sozinha.

— Não há o que se desculpar Daniel, você fez bem. Fico feliz que tenha trazido alguém e por você ter voltado, pensei que não voltaria. Ela diz sorrindo de leve para mim.

— Confesso que realmente foi difícil retornar, aconteceram muitas coisas e eu também pensei que não seria capaz de fazer isso, na verdade uma grande parte de mim ainda pensa, mas eu quero tentar, eu sinto que preciso.

— Eu acredito que você é capaz sim, pois é um ótimo advogado e o mais importante, é um agressor arrependido. Você faz ideia da importância disso? Esse é um dos motivos do nosso trabalho existir Daniel.

Eu a olho ainda meio confuso, eu juro que não entendo o porquê pessoas como eu mereçam algum tipo de atenção de uma ONG que é destinada a dar suporte a vítimas que foram completamente destroçadas por monstros como eu fui, ou ainda sou, não sei...

— E porque dona Sônia? Porque se empenham em atender agressores também? Não acha que quem faz o que eu fiz mereça uma prisão perpétua ou a morte? Porque a sociedade acha isso, e eu não discordo. Eu continuo a olhando, concentrado em suas expressões.

— Eu discordo. Quando eu não tinha conhecimento também pensava dessa forma, hoje tenho uma visão completamente diferente de tudo isso. Este assunto e muito amplo Daniel, e complexo. Realmente existem casos que não há o que fazer, não tem como ajudar. Existem transtornos que não tem cura e que a pessoa nunca irá mudar, mas acredite, não é a maioria dos agressores, mesmo a taxa de quem se arrepende seja extremamente baixa. Você saberia me dizer o porquê disso então? Se a maioria não possue transtornos irreversíveis, porque a taxa de arrependimento e tão pequena?

Apenas aceno que não, eu não sei o que dizer. Então apenas aguardo que ela continue e ela o faz depois de alguns segundos.

— Exatamente por pensar como você. Eles não enxergam perspectivas, sabem que sempre serão julgados por todo mundo e que não terão nenhum tipo de apoio. Se vestir em uma casca de monstro e mais fácil, não doe. Ao menos a dor não se mostra tanto não é? Acho que você sabe disso.

Afirmo levemente com a cabeça. Sim, eu acho que eu sabia, porque hoje penso que a maior parte do meu comportamento quando eu era um adolescente era um teatro, eu me vestia em uma pose de Durão pra não enfrentar de frente toda a dor que eu ainda sentia pelo meu pai ter feito o que fez com minha mãe e por ele ter sumido. Nunca admiti nem pra mim mesmo que apesar de tudo eu sentia e talvez lá no fundo ainda sinta falta do meu pai. Não do agressor que batia e estuprava a minha mãe, mas do cara que jogava bola comigo e as vezes entrava no meu quarto e nós conversavamos por horas.

Marcas do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora