Capítulo 1

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                                Capítulo 1

                                        Gretta

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        Dou mais duas piruetas seguidas aterrissando no chão com o corpo reto e braços abertos, enquanto Fiona Daytes me observa de braços cruzados. Meu pulmão reclama por falta de ar, mas o ignoro. A  mulher nega com a cabeça e faz um movimento com a mão no ar, como se me mandasse repetir os movimentos e assim a obedeço. De novo. E de novo. Repito as piruetas no mínimo mais 5 vezes e quando finalmente chega ao seu "agrado", minha mãe apenas concorda com a cabeça.

— Não está tão ruim ­­­— sua voz com nenhuma empatia me elogia da sua forma e a mesma se levanta do nosso sofá, marchando em direção a cozinha.

        Ofegante começo a amarrar meus fios loiros para cima, em um coque qualquer a seguindo.

— Estava pensando em me candidatar à líder da equipe esse ano — a aviso sorrindo, animada com a ideia e a mulher à minha frente apenas desvia olhar do bule de chá, para mim com a expressão que eu mais odiava; a qual ela duvidava de mim.

— Com essas coxas? Uma líder tem que ter um corpo ideal, Gretta — os olhos também azuis de mamãe voltam a prestar atenção na sua xícara e bule de chá.

        Respiro fundo colocando as mãos uma em cada lado da minha cintura. Fiona nem sempre foi como é, desde que perdemos papai há quase quatro anos atrás parece que minha mãe foi abduzida por Et's e no lugar dela, deixaram a mulher à minha frente. Uma mulher amarga e por alguma razão infeliz. Tudo bem que perder o amor da sua vida não é fácil, porém o mundo não teve culpa, eu não tive. Os anos seguintes a perda não foram as mil maravilhas, quanto mais conseguíssemos nos evitar, mais nos evitávamos. Não passou a ser um relacionamento saudável de mãe e filha, e com isso nos afastamos de uma forma que nem eu mesma entendo ao certo como. Mamãe é treinadora da equipe de líderes de torcida da universidade de Uepplen há 9 anos e este será o segundo ano que ela irá me treinar junto com as demais garotas. E não sei explicar... Apenas quero provar a ela que posso ser tudo que ela quer que eu seja. Até mesmo uma líder, mesmo que isso custe algumas coisas... Então concordo com a cabeça.   

— Tudo bem, a senhora poderia me ajudar a ter um ''corpo magro" então? — pergunto fazendo as aspas com os dedos e os olhos de Fiona voltam a me encarar sem expressão.

— Não disse magro, eu disse ideal Gretta, ninguém vai querer ver varas saltando de um lado para o outro — Fiona me estuda, enquanto dava seu discurso e por mais que ela defenda a diferença; sei que no fim ela quis dizer exatamente o que eu havia dito — E não seria só do meu lado o esforço — concordo com a cabeça e ela continua — Sair para comer batatas com cheddar? Pode esquecer, diga adeus aos salgadinhos hambúrgueres, aos Elma chips e isto... — seu dedo indicador direito aponta para a coisa que mais amo nesta cozinha; o pote de Nutella — Nunca mais! Se você quer mesmo minha ajuda terá que seguir um novo cardápio e começará a se esforçar muito mais — respiro fundo começando a pensar se vale mesmo a pena me moldar tanto assim — Claro que você não é obrigada a isso, porém para ser uma líder terá que fazer isso tudo e ainda terá que por a equipe a cima de tudo, ou seja, não perder, nem chegar atrasada nos treinos, muito menos nas apresentações... Infelizmente tenho pra mim que você não é capaz — Fiona pontua todos os i's em seu discurso e sua "nota" final não me surpreende.

        Fiona sempre arruma um jeito de dizer que não sou capaz de nada. Que eu não era capaz de frequentar as piruetas mais arriscadas, que eu não era capaz de apenas fazer o que me diziam, sem meter meu dedo onde não era chamada... E várias outras coisas. Isso não acontecia quando meu pai ainda estava aqui, mamãe sempre me apoiava da sua maneira em tudo, porém como disse; ela foi abduzida e substituída por essa versão sem vida dela mesma, que consegue me tirar do sério mais vezes do que consigo contar nos dedos das mãos e talvez dos pés juntos.

— Sou — pronuncio com uma certa insegurança e junto de leve minhas sobrancelhas — Sou capaz sim e irei provar a senhora — consigo fazer meu tom de voz soar menos inseguro e dou a volta na mesa, capturando meu tão amado potinho de Nutella, logo em seguida caminho até a lixeira e piso na barrinha ao fundo da lata, fazendo com que a sua tampa; suba.

        Jogo o potinho com o coração apertado dentro do saco de lixo e passo olhar para minha mãe, que pela primeira vez depois de muito tempo; sorri para mim.   

— Muito bom, Gretta — tento não demonstrar nenhuma animação com o fato dela ter me elogiado de verdade dessa vez e a observo levar sua xícara de porcelana delicada até os lábios sem tirar seus olhos dos meus — Ainda hoje podemos treinar sua abertura e o movimento com os braços, que você ainda não os memorizou com perfeição — Fiona declara como se não houvesse qualquer outra opção para mim, ou era aceitar ou... Aceitar.

     A observo e puxo ar discretamente, o soltando logo em seguida lentamente. Arte essa que dominei justamente porquê sempre faço isso quando conversamos, ela fala e eu respiro fundo. Mil vezes. Havia marcado de sair com minha melhor amiga, porém não vou dar o braço a torcer, logo agora que ela finalmente concordou em me ajudar. Logo agora que ela me elogiou. Posso e irei provar a ela que consigo ser a líder das líderes de torcida neste ano. Estou me preparando para isso desde as férias do fim do ano, quando soube que Jakeline, a nossa antiga líder, se formou e saiu da cidade como sempre sonhava, deixando nossa equipe com uma imensa saudade e a deriva.

— Quando quiser, mamãe — concordo com uma animação forçada e um sorriso pior ainda, o que me faz receber em resposta um olhar matadouro da mulher loira à minha frente.   

— Ou senhora, ou treinadora, ou Fiona — mamãe, opa quis dizer Fiona deixa sua xícara sobre a mesa, com seu olhar fixo no meu — Não quero ninguém sabendo que temos algum tipo de ligação, se não você nunca terá a chance de ser mesmo uma líder sem que o restante das pessoas falem que foi eu quem te deu o posto de mão beijada, Gretta — novamente sua voz apesar de sair baixa, consegue sair afiada de uma forma que posso sentir minha pele se rasgando, apenas concordo com a cabeça, amassando a decepção de no fim da frase; Fiona me chamar pelo meu nome e não de filha.

                                           ***

        No fim da tarde, após treinar horas a fim, quando estou subindo as escadas; leio as milhares de mensagens interrogativas de Julie, sobre o por quê de eu não ter ido ao encontro que a mesma estava planejando desde que as aulas começaram. Acabo rindo com o nariz e bloqueio o celular, optando por deixar a poeira abaixar para depois tentar convencê-la de que eu estava doente ou algo do tipo. Me dirijo até a porta branca com um G grande pintado na cor rosa bebê, rodeado de perolazinhas brancas. Estico a mão e meus dedos percorrem a letra lentamente, me permitindo sorrir ao me lembrar do dia em que fizemos isso. Lembro que era uma tarde quente, daquelas que se olhássemos pela janela poderíamos jurar que o céu estava laranja. Estava apenas eu e papai em casa. Ele lia um livro do qual não lembro o nome para mim e em alguma parte da história a personagem comentava sobre a sua porta decorada com seu nome enfeitando a madeira. Foi quando eu disse que queria que a porta do meu quarto fosse igual a dela. Papai quase que no mesmo segundo desceu até o sótão e retornou com as latas de tinta rosa que haviam sobrado da pintura do meu quarto e as pérolas foram cortesia de um colar de mamãe. Mesmo depois de anos é impossível esquecer seu rosto vermelho de raiva ao descobrir que havíamos destruído seu único colar de pérolas. Bom pelo menos não havíamos tocado nos pares de brinco, que eram conjunto com o colar, então podemos dizer que o estrago não foi muito grande.

         Ainda sorrindo nostalgicamente abaixo a maçaneta e entro no quarto que parece que foi congelado no tempo. Não fui aquelas adolescentes que mudavam de gosto como mudam de roupa. Sempre amei — e tenho certeza de que sempre vou amar — este quarto, não importa o quão criança ele pareça e o quão velha eu fique. Fecho a porta e me dirijo até o colchão coberto por travesseiros, almofadas, mantas, edredons e ursinhos cor-de-rosa. Deito-me de barriga contra o colchão, abraçando uma das inúmeras almofadas e ao sentir o cheirinho de chiclete que qualquer coisa neste quarto tem; sinto meu sorriso se ampliar. Esse cheirinho me lembra muitas coisas...

Talvez NamoradosOnde histórias criam vida. Descubra agora