Capítulo 18

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Eu só podia ter enlouquecido. Era a única explicação, não, não era a única explicação, era um ato de completo desespero. Eu estava de pé em um beco à alguns metros distante das barracas do Mercado do Peso, era quase noite. O Noah me enviou para interceptar uma relíquia tecnológica, era a terceira só essa semana, as vezes ficava por horas no local designado esperando o negociante aparecer e me entregar a peça, as vezes eu mesma tinha que roubar de madrugada com uma picareta e abrir a barraca sozinha até achar a peça, enquanto o Mercado não estava em funcionamento e entregá-lo no dia seguinte ao Noah ou ficar por horas em algum dos inúmeros túneis que ladeavam até à Alcova. Já estava trabalhando na Alcova à alguns meses, eu precisava de saldo para as vitaminas da minha mãe e ajudar nas despesas da nossa família, ninguém sabia o que eu fazia as escondidas, meu pai estava morto e tudo estava só piorando, era esse o único motivo para eu está fazendo isso, manter minha mãe viva... Depois de ficar horas esperando a encomenda, estava quase no escritório do Noah, por algum motivo não havia ninguém no rall principal, apesar de quase nunca esbarrar com pessoas aqui, fazia questão dos meus horários não baterem com as dos outros saqueadores, não queria ser vista, apesar de já ouvi boatos sobre mim nos corredores escuros. Eu estava de frente para a porta do escritório, ela estava entreaberta de modo que só dei leves batidinhas para avisar minha entrada. Ele costumava deixá-la assim quando eu tinha encomenda para trazer. O Noah estava debruçado em um mapa que ocupava praticamente a mesa inteira de carvalho e uma garrafa do que eu supus ser bebida estava pela metade em uma de suas mãos.

- Entre, querida. - Disse ele. Sua voz um pouco destoante. Ele já apresentava sinais leves de empreaguez. Eu entrei e deixei o pacote com a relíquia na poltrona de couro de frente para ele e comecei a sair da sala em silêncio, seja lá o que o tenha feito beber desse jeito eu não estava nem um pouco inclinada em saber, mas ele fez que não com a mão que segurava a garrafa com a bebida, levantando logo em seguida. - Conte-me como foi. - Quis saber ele, se aproximando de mim ainda com a garrafa em sua mão, sua aparência estava péssima, sua camisa de linho branca estava desabotoada quase que na metade, exibindo parte do seu abdômen definido, seu cabelo levemente despenteado e parte dos fios negros caia em sua testa como uma cachoeira selvagem. Nada das roupas alinhadas e elegantes que costumava usar.

- Não tem o que relatar. - Digo, tentando novamente sair do escritório mas ele já estava de frente impedindo minha passagem.

- Sempre tem o que relatar. - Ele exibiu um sorriso que não chegou aos olhos, suas sardas repuxando com o ato e seus olhos castanhos me sondavam de cima a baixo como uma preza avaliando sua caça.

- Me deixe passar Noah. - Minha voz estava firme, embora um pouco cautelosa.

- Sabe que data é hoje? - Noah gesticulava como se estivesse na presença de várias outras pessoas. - É aniversário dele. É ANIVERSÁRIO DELE, MERY. - Seu tom de voz me fez quase que por reflexo recuar dois passos, me chocando de leve com a poltrona em minhas costas. - Um ano... dá para acreditar que já fazem um ano? - Sussurrou a si mesmo.

- Dele quem, Noah? - Perguntei na tentativa de atrair sua atenção e tentar novamente sair do escritório, ele ainda estava de pé, próximo a porta fechada, como uma muralha. Sua expressão distante, seus pensamentos com certeza estavam em outro lugar.

- Do incompetente do meu pai, quem mais seria? - Respondeu Noah baixinho para si mesmo e com rancor em sua voz.

- Não acho que ele tenha sido incompetente, ele deixou um legado para você...

- Não acho que herdar um alvo nas costas possa ser considerado bem um legado. - Havia indiferença e raiva em sua resposta.

- A encomenda foi entregue, preciso ir agora. - Digo baixinho. Noah havia se afastado da porta me dando passagem mas quando levei a mão à maçaneta para abrir-lá, ele segurou meu antebraço com sua mão livre me fazendo virar em sua direção e levantar um pouco mais o queixo para encará-lo, ele tinha quase 1.80 de altura, era 13 cm mais alto que eu e estava agora a centímetros de distância, sua respiração um pouco mais tensa e inconstante.

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