Capítulo 1

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Vó Nina costumava dizer que achava que o futuro seria como nos filmes de ficção, ao qual as máquinas governariam os humanos e nós seríamos como escravos de um sistema capitalista voltado para o consumo tecnológico, não sei de onde ela tirava essas ideias. Mas ela tinha razão quando falava que o futuro em Cirta não seria uma jornada fácil de sobreviver.

Já passavam das 09:00 da manhã e eu e minha irmã mais velha, Sofia estávamos na "Caixa" na tentativa de conseguir peças que os Duplicados descartavam como: "produtos em desuso", e que se tivéssemos sorte o suficiente podia valer algumas moedas no Mercado do Peso que após pesadas, garantia uma semana a mais de provisões.

O galpão de ferro era grande o suficiente para abrigar toda espécie de coisa, desde materiais eletrônicos a diversos exemplares de livros, os meus achados preferidos eram os gibis do "Capitão Futuro". Meu pai costumava contar histórias sobre o Capitão Futuro pra mim e minhas irmãs quando íamos dormir, ele dizia que a muito tempo atrás o continente era o berço das maiores descobertas humanas e que estudiosos de todos os lugares viajavam para lá para descobrir formas de preservar os recursos naturais e criarem vida inteligente que mais tarde seriam tão humanos quanto os próprios humanos.

- Ainda procurando por aqueles gibis idiotas Mery?

- Não enche Sofia... achei! A última edição de "Desvendando as máquinas" , o papai estava ansioso para nos contar como o Capitão Futuro criou os Duplicados.

- Não sei porquê ainda insiste nisso.     - Disse ela, dando de ombros. - Você precisa parar de tentar ser o papai Mery, a vida não é mais só contar histórias.

- E você precisa parar de ser tão chata Sofia - falei em tom de deboche que sabia que à irritava.

Meu pai dizia que durante os primeiros anos o continente abrigava as melhores descobertas da humanidade graças a um cientista maluco, chamado Sampaio Corrêa Futuro, ninguém sabia ao certo de onde ele veio nem como sabia fazer todas essas coisas, mas dizem que seu pai era engenheiro eletrônico e isso talvez explique o porquê dele ser tão bom em inventar homens de lata com vida própria.

Nunca entendi o porquê dos gibis serem considerados lixos a ponto de serem jogados na Caixa já que o Capitão Futuro foi responsável por fazer o continente ser o que ele é hoje: "o principal fabricante de tecnologia inteligente e detentora de cápsulas de matéria primária ambiental", como são anunciados incansavelmente nos diversos telões espalhados entre os galpões de trabalho. Eu nunca fui ao continente e talvez nenhum habitante de Cirta que eu conheça, um dia foi ou um dia irá. Só vislumbramos alguns fragmentos pelos diversos transmissores espalhados nos galpões de trabalho, mas só mostram imagens deturpadas do que parece ser um centro urbano e incansáveis anúncios de instruções de rotina de como uma boa nação de trabalho deve se comportar. - Tudo um saco, para dizer o mínimo.

Meu pai disse uma vez que lá era o lugar mais lindo que ele já havia visto  na vida, tem um clima agradável há  árvores em todos os lugares, é possível ouvir o canto dos pássaros e o cheiro das flores nos jardins verticais dos inúmeros prédios que existem por lá, os carros flutuam no ar e os Duplicados auxiliam os humanos nos trabalhos, escolas, hospitais, aqui em Cirta eles atuam nos setores de comando ou monitorando os carregamentos antes de serem transportados ao continente ou até mesmo durante as distribuições das vitaminas do sol, que ocorre todas as semanas. Os Duplicados são fisicamente humanos exceto pelos olhos cinzas, opacos e totalmente sem vida que os diferencia dos outros guardas, além de cada passo ser irritantemente bem calculado e fluído - se os olhos de alguma forma são as janelas da alma, está mais que claro que os Duplicados não contém nenhuma.

Sinto falta do papai, já fazem 10 meses desde que ele junto com o "Esquadrão Resgate", grupo liderado pelo Marcelus saíram para roubar suprimentos do continente e não retornou mais. Naquela noite oito homens foram voluntários em uma operação surpresa, Marcelus nos disse que o papai e mais dois caras foram encurralados pelos guardas enquanto roubavam algumas caixas de vitaminas do sol de um dos jatos que seriam catalogados e redistribuídos ao continente. O informante do continente que na época era amigo do Marcelus foi descoberto dois dias antes do esquadrão resgate saírem para interceptar os jatos que viriam de uma das bases do Atlântico. Dessa forma, ele não teria como avisa-los que estavam apenas esperando o Esquadrão Resgate aparecer para serem encurralados e se caso eles voltassem para resgatar os que ficaram para trás, provavelmente estariam todos mortos, desse modo, tiveram que fugir com o que tinham deixando meu pai para trás.

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