Capítulo 38

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- Não entendo como está andando por aí com você, possa ser útil para alguma coisa além de nos expor a todos dessa cidade.

- Você é sempre tão agradável assim, pela manhã? - Ele não me olha quando diz, sua total atenção voltada para o caminho à frente.

- O que você quer tanto me mostrar que eu já não tenha visto ontem a noite, Noah? - Tínhamos passado pelas principais ruas da cidade, passado por pessoas famintas e ainda embriagadas da noite anterior largadas nas calçadas, as ruas tinham o mesmo odor repugnante de quando chegamos, mas de certa forma depois de um tempo exposta ao cheiro, ele se tornou suportável. Água escoava de canos próximos aos prédios em ruínas de onde passávamos, deixando o chão molhado e escorregadio por todos os lados. A maioria dos adultos aptos para o trabalho nos distritos, tinham embarcados nas vãs em direção a Cirta, exceto aqueles que estavam bêbados demais para caminhar com as próprias pernas ou outros que simplesmente optaram em não ir. Percebi depois de uma hora que a cidade era totalmente diferente durante o dia, não havia tanto barulho e a quantidade de pessoas nas ruas era muito menor. Noah tinha me mostrado os principais becos e ruas que interligavam a cidade de ferro aos arredores do prédio onde estávamos, segundo ele, é sempre bom ter boas opções em caso de fuga s não previstas e sorrateiras. Ele havia deixado escapar em algum momento enquanto passávamos por prédios moldados em ferro e concreto, que quando era garoto seu pai costumava trazê-lo em algumas das missões de mapeamento, Noah contou que durante meses seu pai acampou em Civiron, desenhando mapas das ruas e túneis encontrados junto com sua Equipe, buscando novas rotas de interceptações com o continente, mas foi na extração do cobre e mais precisamente no tráfico de pessoas às minas que garantiram o maior retorno financeiro para a Alcova, até seu pai gastar desenfreadamente com bebidas, mulheres e jogos de cartas, o que o deixou exposto à traições e a perder muitos dos seus aliados. Quando ele assumiu as rédeas após a morte do pai, levou tempo até reestabelecer o que em poucos meses seu pai havia arruinado de anos de trabalho. Noah Utilizou dos mapas e influência que o pai ainda não tinha afundado completamente. Refez as regras, desfez a antiga logística e mostrou que podia fazer melhor. Ninguém sabe muito sobre quem foi sua mãe, desconfio que nem o próprio Noah sabe quem ela foi, se está viva ou se simplesmente esqueceu que tinha um filho no mundo. Ele contava tudo alheio a qualquer sentimento, como se estivesse falando de qualquer coisa, e não sobre o seu pai, sobre parte da sua história. Em alguns momentos havia até indiferença, indiferença crua e palpável, mas nada que levasse qualquer pessoa a crer de que aquilo que estava contando naquele momento, pertencia a alguém tão próximo dele ou pelo menos deveria ser ou ter sido em algum momento de sua vida.

- Ao contrário de Cirta - Noah retoma sua fala depois de um tempo de silêncio, enquanto caminhávamos entre um aglomerado de tendas de lona dispostas em um extenso galpão aberto, havia diversas crianças e jovens no espaço, era um orfanato ou algo próximo a isso. Havia também alguns colchonetes finos e velhos empilhados em um canto. Alguns olhares se voltam para nós, Noah recebia a maioria deles, o relógio de ônix em seu pulso recebia a maioria deles, as suas elegantes roupas, recebia a maioria deles, eu parecia uma mendiga ao seu lado, mesmo estando mais limpa e minhas roupas mais conservadas do que das pessoas a nossa volta, ainda assim era como eu me sentia: uma maltrapilha ao seu lado. Noah não se incomoda com todos os olhares, pelo contrário ele parece se deleitar com tudo isso, com a atenção recebida. As pessoas sabem exatamente quem ele é, e parece saber que o mais prudente é ficar longe. - Civiron não foi projetada em meio a tantos  túneis ou passagens subterrâneas, embora ainda haja uma quantidade até equilibrada delas. - Estávamos próximos a uma espécie de  refeitório coletivo, agora. O galpão estava razoavelmente cheio. Mulheres, crianças e idosos estavam em uma extensa fila de mão única, enquanto esperavam pelos guardas que distribuíam as latas de comida entre os que aguardavam famintos na gigante fila. Noah vira ligeiramente seus olhos para algo além dos meus ombros, o caramelo dos seus olhos notando alguma coisa imperceptível para mim, ele toma meu braço e coloca no arco entre seu cotovelo coberto pela camisa social de algodão preta.

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