Capítulo 21

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Fui acordada por três batidas na porta. Em algum momento da noite lembro de ter ido até os livros dispostos na pequena prateleira do quarto para matar o tempo e entre uma página e outra da história acabei por adormecer sentada na poltrona de couro e com o livro ainda aberto envolto em meus braços. Era uma história de ficção medieval, desses com castelos e princesas. Não que esse fosse meu gênero favorito, mas precisava de algo tedioso o suficiente para me fazer dormir. Outra batida soou e então a porta foi aberta, eu havia esquecido de trancá-la depois que Kira tinha ido embora, ao que parecia. E então para a minha surpresa não foi o Jonathan que adentrou no quarto, pronto para seja lá qual fosse o treinamento que havia preparado para mim a essa hora da manhã...

- O que faz aqui Noah? - Minha voz levemente surpresa, embora tenha sido até ingênuo da minha parte em achar que ficaria oculta por muito tempo, bem abaixo dos seus olhos sem que ele sequer percebesse. Eu sentei mais empertigada na poltrona mesmo ainda um pouco sonolenta e dolorida devido a posição nada confortável que havia adormecido, o livro que estava em meu colo caiu aberto no piso de madeira em um som abafado enquanto eu ajustava ligeiramente o meu corpo para sentar mais ereta.

- Está se escondendo de mim Emery? - Noah fechou a porta atrás de si, como se não precisasse de convite ou permissão para entrar, recostando nela logo em seguida e cruzando os braços em um gesto de imponência e falso ressentimento, ele usava uma blusa de manga longa de gola alta preta, apertada o suficiente para realçar seu porte físico e seus ombros largos, e calça de linho fino, desses que só se viam no galpão de costura em caixotes para o continente, assim como seu habitual relógio de ônix elegante em seu pulso esquerdo. Sua calça era de um azul profundo, quase preto juntamente com botas de couro lustradas e novas, seus fios lisos  negros com o corte rende na lateral e com as mechas alinhadas sobre a testa como uma franja, o deixava elegante e até cortez. Quento a elegância dos seus gestos e a imponência dos seus trajes, isso ninguém podia negar. Suas roupas não era o tipo que Cirta costumava usar e isso é o que sempre o destacou, desde muito antes de assumir de vez o comando da Alcova. Só usamos, na verdade, roupas que se rasgariam em três lavagens, mas ele não e essa tem sido sua marca registrada, como se não fissese  parte disso, desse lugar. As vezes penso que se não fosse a barreira elétrica e o fato do pai dele ter sido morto tão de repente, deixando a Alcova em suas mãos, o Noah possivelmente estaria bem satisfeito como um habitante do continente, ele se destacava o suficiente para isso e seria facilmente confundido como um habitante daquele belo mundo.

- Não lembro de ter deixado você entrar. - Digo em tom seco. - Quem te contou que eu estava aqui? - Perguntei. Noah me ofereceu um sorriso torto antes de dizer:

- Acha mesmo que não sei o que acontece sob meus domínios? Não seja ingênua, querida. Eu sei de tudo o que acontece, acredite. - Ele olhava para mim como se pudesse ver por baixo da manga larga da minha camisa bege. Para a faixa de tecido branca cobrindo meu corte em cicatrização. - Ouvi dizer que caiu. - Divagou Noah me olhando de cima a baixo de forma indiferente. - Se continuar agindo de forma tão impensada Emery, talvez acabe se machucando de verdade na próxima vez e não poderá salvar seu pai. Seria tão terrível... não seria, se arriscar tanto para nada? - Ele levou uma mão ao peito em um gesto falso de preocupação.

- Veio até aqui para me fazer ameaças Noah? Achei que fosse melhor que isso. - Disse inexpressiva enquanto retirava o livro do chão e caminhava até a prateleira o colocando de volta no lugar, ignorando sua presença de pé na porta fechada. Noah caminhou até a cama e sentou na ponta como se fosse um rei diante dos seus súditos.

- Quero saber se já descobriu onde os desgraçados esconderam o meu artefato, já fui condescendente demais com você, seu tempo está se esgotando, você sabe, não é?  - Disse ele em tom controlado à voz grave, alinhando a gola alta da sua camisa de manga longa preta ao pescoço.

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