Capítulo 19

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- O que aconteceu Mery? - Sua voz demonstrava confusão e medo. Lenora havia adentrado o quarto com uma expressão confusa, como se não entendesse direito o porquê de está ali, mas quando me viu na cama sua reação foi uma mistura de medo e confusão, sendo a primeira a mais evidente. Ela usava calça preta justa e era possível vislumbrar o tecido lilás da sua blusa por abaixo da jaqueta preta de capuz, que com toda certeza não pertenciam a ela, isso porque a jaqueta era bem mais larga e um pouco masculina, desconfio que o Jonathan tenha lhe dado na tentativa de que não vissem seu rosto quando estivessem próximos da Alcova. Tentando mantê-la de certa forma disfarçada e discreta ao seu lado. Ela então retirou o capuz de sua cabeça, deixando seus longos cabelos castanhos soltos, levemente bagunçados - Estava voltando do galpão quando o Jonathan me encontrou, ele não me disse o motivo mas pelo modo como ele estava... eu pensei que devia ter acontecido alguma coisa com Lian, eu não o vejo a alguns dias, mas... te vendo aqui assim, eu não entendo Mery. - Jonathan levou quase um dia inteiro para retornar, por um momento pensei que ele não conseguiria convencê-la a vim. A Alcova não é bem o lugar ao qual alguém vem fazer uma visita.

- Preciso que faça uma coisa por mim. - Eu tentava permanecer ereta sentada na cama, embora cada parte do meu corpo quisesse apenas deitar a cabeça no travesseiro e me manter o mais imóvel possível, até está completamente curada e livre de dores. Parecia que cada parte de mim havia sido quebrado e colado as presas.

- Me diga o que aconteceu com você, quem fez isso Mery? Você não apareceu no galpão...

- Lenora, me escute. - Ela assentiu devagar, Lenora sempre teve a tendência de falar mais do que ouvir e na maioria das vezes eu só fingia escutá-la, ela nunca foi de prestar muita atenção em mim, desde criança havia sido dessa forma, embora por muitas vezes quando éramos crianças eu preferia ficar em casa sozinha desenhando ou lendo os gibis do Capitão Futuro, ao invés de ficar correndo junto com as outras crianças nos vilarejos, ela foi a primeira pessoa que eu de fato consegui fazer uma amizade, até hoje não sei ao certo o porquê. Por muitas vezes eu tinha o costume de assentir como se também estivesse participando da conversa. Conversas que depois de tornarmos adolescentes quase sempre envolviam alguém do sexo masculino. Os nomes eu aprendi com o tempo que não era importante que eu decorase, eles nunca duravam mais que uma ou duas semanas. Mas dessa vez eu não seria apenas a ouvinte. Ela me olhou nos olhos, seu olhos castanhos abertos e completamente apreensivos. - Eu preciso que minta - comecei a dizer devagar para que não houvesse confusão em minhas palavras -, que diga para minha irmã que estou passando um tempinho com você em sua casa...

- Não faz sentido Mery, a Sofia...

- Lenora, me deixe terminar. - Disse gentilmente. - Eu não posso voltar para casa agora, não assim. - Fiz um breve movimento de mãos para demostrar meu corpo. - Eu preciso que diga que estamos indo juntas para o galpão mas que eu estou dormindo na sua casa, que ainda estou chateada pela última briga que eu e ela tivemos e pelo tapa...

- Tapa!? - Lenora levou as mãos a boca com olhos arregalados e confusos. Então disse:
- Então foi por isso que eu te encontrei daquele jeito, perambulando como se tivesse sido anestesiada e com a bochecha vermelha. Ela tem alguma coisa a ver...

- Não. - A interrompi. - Ela não fez nada e não tem nada a ver com o que aconteceu comigo e é por isso que preciso que você minta por mim. - Uni minhas mãos cobertas com ataduras às suas, em um aperto gentil. Ela olhou surpresa, eu nunca tinha me mostrado tão frágil, tão aberta antes, nem depois da morte dos meus pais. Mas eu precisava fazer com que ela entendesse cada palavra minha. - Diga para Sofia que eu preciso de espaço, que em cada lugar daquela casa ainda me faz lembrar deles... - Minha voz estava começando a ficar embargada, meus olhos já queimando -, todas as noites e em todas as tentativas de sono. Eu lembro deles. - Engoli em seco, era como se alguém estivesse apertando meu pescoço, sufocando todo o ar. - Eu achei que me acostumaria, que seria mais fácil com o tempo mas eu não consigo, pelo sol como eu tentei, mas eu não consigo. - Uma lágrima solitária já maculada meu rosto. Não era uma mentira, não completamente. - Faça com que ela acredite que não quero vê-la por agora, que estou chateada e que não quero vê-la. Nem ela nem ninguém. Por favor Lenora. - Lenora só me encarava, parecia sequer respirar, estava pálida como se tivesse visto um fantasma. Lágrimas começaram a escorrer de seus olhos, eu senti um leve tremor em seus dedos unidos aos meus enfaixados. Eu também tremia, e não tinha nada a ver com o clima. De todas as reações que ela podia demostrar, essa eu nunca havia imaginado. - Lenora, diga alguma coisa, por favor.

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